OPORTUNISMO ASSOCIATIVO

Mera previsão estatutária não sustenta legitimidade ativa de associação em ação coletiva

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30 de agosto de 2024, 7h32

A mera autorização em estatuto próprio não sustenta a legitimidade ativa de uma associação para apresentar uma ação coletiva. Para isso, é necessário haver pertinência temática e estabilidade de ao menos um ano de seu ato constitutivo.

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Associação mudou de nome e estatuto após ter legitimidade rejeitada

Com esse entendimento, a juíza Joyre Cunha Sobrinho, titular da 29ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, extinguiu, sem resolução do mérito, uma ação coletiva proposta por uma associação civil contra uma incorporadora.

Atividades de advocacia

A associação contestava a existência de uma cláusula supostamente abusiva em contratos da incorporadora, que permitia a capitalização mensal de juros e a incidência da tabela price sobre prestações mensais de milhares de consumidores.

Ainda antes da citação, a incorporadora noticiou a existência de uma ação civil pública ajuizada pela seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) contra a associação, em que foi proferida decisão para proibi-la de exercer atividades privativas da advocacia.

Estatuto sem fim

A juíza escreveu na sentença que, ao ajuizar a ação, a autora se autodenominava “associação de defesa do consumidor, meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” e dispunha de um rol estatutário de atuação excessivamente vasto, genérico e até idêntico às funções institucionais do Ministério Público.

No estatuto, a entidade afirma atuar em prol da “proteção de direitos e a defesa contra danos causados: I) ao consumidor; II) ao meio ambiente; III) a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV) a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V) por infração da ordem econômica; VI) a ordem urbanística; VII) a honra e a dignidade de grupos raciais étnicos ou religiosos; VIII) ao patrimônio público e social; IX) a ordem econômica; X) à livre concorrência; XI) a falta de serviços públicos e essenciais, como fornecimento de água tratada e rede de recolhimento e distanciamento e tratamento de esgoto urbano; XII) violação a qualquer dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; XIII) aos direitos humanos; XIV) a posse e a propriedade; e XV) a manifestação de pensamento, da liberdade de expressão e do exercício dos direitos sociais”.

A abrangência desmedida do estatuto “denota uma burla ao sistema do processo coletivo, cujo controle deve exercido pelo Poder Judiciário a fim de expurgar os flagrantes casos de desvio de finalidade por associações sem representatividade, criadas com o propósito dissimulado, mas que funcionam como escritórios de advocacia no manejo de ações coletivas”, conforme escreveu a julgadora em sua decisão.

Entidade camaleônica

Ao longo do processo, a autora mudou de nome e de estatuto duas vezes. Em uma dessas ocasiões, logo após ter sido julgada, em um outro caso, sua ilegitimidade para atuar em defesa do consumidor por ausência de pertinência temática, assumiu a denominação de “Associação do Consumidor e de Defesa do Consumidor no Brasil”.

“[…] As constantes alterações em seu estatuto social só reforçam os vários indícios que põem em xeque sua credibilidade, além de evidenciar o oportunismo de sua criação”, completou Joyre Sobrinho na sentença.

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Processo 5276347-20.2023.8.09.0051

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