Departamento de Justiça tenta salvar processos criminais contra Trump na Justiça federal dos EUA
29 de agosto de 2024, 14h17
O procurador especial do Departamento de Justiça (DoJ), Jack Smith, foi à luta para tentar salvar dois processos criminais movidos contra o ex-presidente Donald Trump, em tribunais federais diferentes, que encontraram obstáculos consideráveis em seus percursos.
Em um dos casos, Smith recorreu ao Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região contra a decisão da juíza federal nomeada por Trump, Aileen Cannon, de um tribunal federal na Flórida, que, em 15 de julho, trancou o processo com 34 acusações contra o ex-presidente por desvio de documentos sigilosos da Casa Branca.
A juíza se baseou apenas em seu entendimento de que a nomeação de Smith para atuar como procurador especial do DoJ foi irregular porque não teve aprovação do Senado. O procurador especial contesta esse entendimento com base em decisões de outros juízes, em um precedente da Suprema Corte, em autorização do Congresso e em fatos históricos.
Em outro caso — o que apresenta quatro acusações contra Trump por suas tentativas de reverter o resultado das eleições de 2020 e por incitar a invasão do Congresso — Smith protocolou em um tribunal federal em Washington, D.C., uma “denúncia substitutiva” (superseding indictiment) à denúncia anterior.
Smith justificou a medida alegando que ela é necessária para ajustar a denúncia à decisão de 1º de julho da Suprema Corte (em Trump v. United States) sobre a imunidade presidencial contra processos criminais: 1) ex-presidentes têm imunidade absoluta por seus atos no exercício de seus poderes constitucionais; 2) têm presunção de imunidade por quaisquer outros atos oficiais; 3) não têm imunidade por seus atos não oficiais.
Assim, o objetivo da denúncia substitutiva é esvaziar, em parte, uma audiência marcada pela juíza Tanya Chutkan para, junto com as partes, separar o joio do trigo — isto é, eliminar do processo alegações que envolvem atos oficiais do ex-presidente e manter apenas as que se referem a atos não oficiais. Tal audiência foi considerada um “minijulgamento” (que, de qualquer forma, deverá acontecer).
DoJ tenta ressuscitar caso
No caso em que Trump foi acusado de se apropriar de documentos classificados como confidenciais, secretos e ultrassecretos do governo, em violação de uma seção (Section 702) da Fisa (Foreign Intelligence Surveillance Act of 1978), e de tentar obstruir o esforço de recuperação dos documentos pelo FBI, a juíza Aileen Cannon citou o ministro da Suprema Corte Clarence Thomas para sustentar sua decisão de trancar o processo.
Thomas questionou a validade da nomeação de Jack Smith como procurador especial do DoJ, ao escrever um voto concorrente no caso da imunidade presidencial — sem que a questão tenha sido provocada por qualquer parte do processo.
“Escrevo separadamente para destacar outra forma em que esse processo pode violar nossa estrutura constitucional. Nesse caso, o procurador-geral pretendeu nomear um cidadão privado para processar um ex-presidente em nome dos Estados Unidos. Não estou seguro se qualquer nomeação de um procurador especial tenha sido estabelecida por lei, como a Constituição requer. Permanece a questão se o procurador-geral fez tal nomeação em conformidade com a Cláusula de Nomeações”, questionou Thomas, sem oferecer qualquer opinião.
Historicamente, o Departamento de Justiça nomeia procuradores especiais — assim chamados por não integrarem o quadro de procuradores do órgão — para evitar conflitos de interesse, especialmente em casos de ampla repercussão política. Muitas nomeações desse tipo já foram feitas e mantidas pelos juízes quando contestadas, diz Smith em sua petição.
A mais importante foi a nomeação de um procurador especial para processar o ex-presidente Richard Nixon, em relação ao escândalo de Watergate. Em 1974, a Suprema Corte decidiu, em U.S. v. Nixon, que “o Congresso concedeu autoridade ao procurador-geral para nomear um procurador especial para lidar com deveres essenciais do departamento”.
Smith escreveu que Cannon errou ao tomar a decisão, observando que os juízes que decidiram o caso de Nixon não fizeram qualquer advertência para sustentar o entendimento da juíza de que “a nomeação de procuradores especiais não tem força legal”.
“O procurador-geral Merrick Garland nomeou validamente o procurador especial, que também é devidamente financiado. Ao decidir de outra forma, o tribunal de primeira instância desviou-se do precedente vinculante da Suprema Corte, interpretou mal os estatutos que autorizaram a nomeação do procurador especial e levou em conta inadequadamente o histórico de longa data de nomeações de procuradores especiais pelo procurador-geral”, diz a petição da equipe de Smith.
Se o Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região reverter a decisão de Aileen Cannon (como já reverteu no passado outra decisão da juíza favorável a Trump), o processo poderá ter dois destinos: se Trump for eleito em novembro, ao tomar posse ele vai mandar seu Departamento de Justiça desistir do processo; se ele perder a eleição, irá recorrer à Suprema Corte.
Para juristas dos EUA, esse é o caso com maior probabilidade de o Departamento de Justiça obter uma condenação de Trump.
DoJ oferece denúncia substitutiva
No caso das tentativas de Trump de reverter o resultado das eleições de 2020 a seu favor e de incitar a invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021, a denúncia substitutiva não retira qualquer das quatro acusações contra o ex-presidente: 1) conspiração para fraudar os EUA; 2) conspiração para obstruir um processo oficial; 3) tentativa de obstruir um processo oficial; 4) conspiração contra direitos dos eleitores.
Na nova versão, que reduz a denúncia de 45 para 36 páginas, o procurador especial apenas reformulou as alegações apresentadas contra Trump e refinou as descrições dos crimes que o ex-presidente é acusado de cometer, para adaptá-las à decisão da Suprema Corte sobre a imunidade presidencial.
Entre as alegações retiradas estão a de que Trump tentou obrigar o Departamento de Justiça a conduzir uma investigação (forjada) para comprovar fraudes eleitorais e a de que tentou convencer autoridades eleitorais em alguns estados a escolher delegados favoráveis a ele para o colégio eleitoral, em substituição aos que foram escolhidos com base nos resultados do voto popular.
Além disso, foi suprimido do documento um dos seis coconspiradores do processo, porque ele trabalhava no Departamento de Justiça e seu caso pode estar na esfera de um “ato oficial” do governo. Os cinco coconspiradores mantidos são “advogados e consultores jurídicos privados” que colaboraram com o ex-presidente. Todos teriam agido em “suas capacidades não oficiais”, alega Smith.
A denúncia substitutiva mantém intactas as alegações de que Trump convocou seus seguidores para irem a um comício em 6 de janeiro e os incitou a invadir o Congresso para impedir a oficialização da vitória do presidente Joe Biden. Mas eliminou alegações de que ele ignorou, por horas, a insistência de seus assessores para pedir a retirada dos invasores do Congresso.
A denúncia alega que Trump agiu como cidadão privado, candidato à Presidência, e não como presidente. E que, portanto, foram atos não oficiais de interferência eleitoral, como descrito nas acusações contra ele.
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