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Sem negligência, imprudência ou imperícia não há crime de lesão médica

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28 de agosto de 2024, 10h53

A ocorrência do crime de lesão corporal por médico exige a demonstração de que sua conduta foi negligente, imprudente ou imperita. É preciso que o profissional tenha se desviado do padrão de cuidado esperado da comunidade médica científica.

Perícia concluiu que procedimento médico foi condizente com a técnica esperada em situação de urgência

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou a ação penal ajuizada contra o médico Renato Kalil, acusado de violência obstétrica e lesão corporal no parto da influenciadora digital Shantal Verdelho.

O caso tornou-se público pela própria vítima, que afirmou nas redes sociais ter sofrido violência obstétrica praticada pelo médico. Os vídeos do parto de sua segunda filha mostram Kalil usando expressões grosseiras e machistas, além de xingamentos.

O episódio gerou denúncia pelo Ministério Público de São Paulo, tanto pelos xingamentos quanto pelas lesões que a influenciadora sofreu na região pélvica durante o parto.

Por maioria de votos, a 5ª Turma do STJ trancou as denúncias. No caso da violência obstétrica, a questão foi alvo de queixa-crime ajuizada pela influenciadora e que acabou resolvida com transação penal. Logo, não caberia processar o médico pelos mesmos fatos. Nesse ponto, não houve divergência.

Relator, o ministro Ribeiro Dantas propôs, todavia, manter a denúncia pelo crime de lesão corporal. Venceu o voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, que não encontrou indícios que evidenciem que o médico tenha se afastado da conduta correta.

Autonomia médica

O voto divergente parte da doutrina sobre responsabilidade médica segundo a qual o crime de lesão corporal exige a demonstração de que a conduta foi negligente, imprudente ou imperita. Ou seja, é preciso que exista algum desvio dos padrões esperados.

No caso, a investigação do hospital e resultado da perícia indicam que as lesões sofridas pela influenciadora são características do parto normal. A conduta do médico, por sua vez, seguiu as recomendações dos conselhos de medicina.

A influenciadora, diz o processo, recusou-se a autorizar a episiotomia — um procedimento cirúrgico que poderia ter facilitado a visualização e a passagem do feto. Em resposta a essa decisão, o médico optou por outra técnica.

Segundo a perícia, não há indícios de que esse procedimento, tomado no momento de urgência, tenha causado as lesões sofridas. A conduta do médico foi considerada apropriada, dentro do contexto descrito.

“Não se pode exigir que o médico, em situação de emergência, faça um juízo exaustivo de todas as hipóteses, em prejuízo da agilidade necessária para o tratamento adequado do paciente, situação aparentemente relatada no caso concreto”, disse Paciornik.

“Importante destacar que, embora a autonomia médica seja um princípio fundamental, ela não é absoluta. No caso em tela, a análise da documentação e da narrativa da própria parturiente não permitem concluir que o médico tenha extrapolado os limites da autonomia médica.”

Formaram a maioria os ministros Messod Azulay, Daniela Teixeira e Reynaldo Soares da Fonseca, que fundamentaram seus votos principalmente na conclusão pericial de ausência de indícios de imperícia, imprudência ou negligência médica.

AREsp 2.587.582

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