Mantido modelo de demissão sem justa causa no julgamento da ADI 1.625
27 de agosto de 2024, 20h54
Desde 1997, a Ação Direita de Inconstitucionalidade 1.625 aguardava posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade ou não do Decreto nº 2.100/1996, através do qual o presidente da República declarou, sem a participação do Congresso, que o Brasil não observaria mais a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho.
A sobredita convenção trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador e impõe a existência de justo motivo para dispensa válida (artigo 4º, Convenção 158, OIT):
Parte II
Normas de Aplicação Geral
SEÇÃO A
Justificação do Término
Artigo 4º
Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
A aplicação da Convenção 158, OIT, alteraria os parâmetros da lei brasileira acerca da dispensa de empregado, que não requer justo motivo, em regra, exceto quando há prática de falta grave pelo trabalhador. Nesta hipótese a dispensa se aplica como punição, pois o empregado não recebe a totalidade das verbas rescisórias como ocorre na dispensa imotivada.
Destaca-se que a Convenção 158, além de exigir justo motivo para a dispensa, traz procedimentos para que ela seja aplicada, inclusive a possibilidade de o empregado se defender das acusações:
SEÇÃO B
Procedimentos Prévios ao Término por Ocasião do Mesmo
Artigo 7º
Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.
A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, pois a Convenção 158 havia sido aprovada pelo Congresso em setembro de 1992 através do Decreto Legislativo 68 e posteriormente promulgada pelo Decreto 1.855/1996, de iniciativa do presidente da República.
Alteração três décadas depois
Contudo, no mesmo ano, em 20 de dezembro, o presidente da República editou o Decreto 2.100, denunciando o texto da Convenção 158, da OIT, e determinando que ela deixasse de vigorar no território brasileiro a partir de 20 de novembro de 1997:
DECRETO Nº 2.100, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996
Torna pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nº 158 relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, torna público que deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de novembro de 1997, a Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta última, a 20 de novembro de 1996.
Brasília, 20 de dezembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Luiz Felipe Lampreia
Portanto, a discussão travada na Corte referiu-se à necessidade de manifestação do Congresso para que o Decreto 2.100/1996, que denuncia um tratado internacional, tivesse validade, haja vista dois dispositivos da Constituição:
- O artigo 49, I, que prevê a competência do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados internacionais (EC 19/1988);
- O artigo 84, VIII, que prevê a competência privativa do presidente para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos, contudo, a referendo do Congresso Nacional (EC 23/99 e 32/2001)
Destaca-se que os dispositivos acima decorrem de emendas constitucionais posteriores ao decreto presidencial de 1996 denunciando a Convenção 158.
Com base nisso, os ministros aplicaram no julgamento da ADI 1.625 o entendimento já consolidado pela Corte na ADC 39, segundo o qual a denúncia unilateral de tratados internacionais pelo presidente da República era a praxe adotada no país há muitos anos, de modo que o novo entendimento pela inconstitucionalidade da denúncia desacompanhada de aprovação pelo Congresso Nacional só deveria ser aplicado para o futuro.
Deste modo, resta mantida a denúncia da Convenção 158, da OIT, bem como os procedimentos atualmente aplicados para rescisão de contratos de trabalho.
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