A base de cálculo da contribuição social ao Gilrat/SAT
27 de agosto de 2024, 16h22
A Constituição de 1988, não sem motivo, é denominada Constituição Cidadã. Em seu texto, ela assegura uma série de direitos aos cidadãos brasileiros. Os direitos dos trabalhadores, previstos no artigo 7º da Carta Maior, são considerados cláusulas pétreas. Alguns desses direitos são sustentados pela Seguridade Social.
Ainda no âmbito constitucional, o legislador originário estabeleceu, no artigo 149 [1] da Lei Maior, a competência da União para criação de três modalidades de contribuições. Uma das modalidades previstas é a das contribuições sociais, cuja finalidade é garantir o financiamento necessário para que os direitos sociais, outorgados pela Constituição, sejam exercidos.
Quando falamos de impostos e taxas, tem-se que a Carta Magna, ao distribuir suas competências legislativas tributárias entre as várias pessoas políticas (União, estados, municípios e Distrito Federal), tomou o cuidado de traçar as regras-matrizes às quais os legisladores, complementar e ordinário, devem justa observância. Já com relação às contribuições, de modo distinto, temos que o legislador, no referido artigo 149, limitou-se a indicar-lhes, tão somente, suas finalidades.
Roque Antônio Carrazza [2], ilustre doutrinador brasileiro, com propriedade, assim leciona:
“Notamos, pois, que as ‘contribuições’ ora em exame não foram qualificadas em nível constitucional, por suas regras-matrizes, mas, sim, por suas finalidades. Parece-nos sustentável que haverá este tipo de exação sempre que implementada uma de suas finalidades constitucionais.
[…]
A doutrina de Hugo de Brito Machado segue a mesma linha:
‘Diante da vigente Constituição, portanto, pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social…
[…]
Assim também pensa José Souto Maior Borges, verbis: ‘Diversamente ocorre com as contribuições em geral. Elas estão atribuídas por um critério funcional. Responde, esse critério, à indagação não sobre ‘o que são’, quais os seus pressupostos de fato (‘fatos geradores’), mas ‘para quê’ servem, qual a função a que elas estão constitucionalmente destinadas. As contribuições são tributos finalísticos ou teleológicos’.
[…]
Noutro dizer, a regra-matriz constitucional destas contribuições agrega, de modo indissociável, a ideia de destinação.
[…]
Em síntese, a vinculação do produto da arrecadação torna inconstitucional a norma jurídica que institui impostos em geral, mas é essencial, em tais contribuições.”
Dito isso, resta evidente que, o legislador ordinário, por força constitucional, ao editar as leis in concreto, instituidoras das contribuições sociais, deve ter o cuidado de fazer com que suas regras matrizes, necessariamente reflitam as finalidades de cada uma delas.
Das contribuições sociais, suas finalidades e regra matriz de incidência
Conscientes de que as regras matrizes das contribuições devem, necessariamente, guardar relação orientar suas finalidades, passemos a apreciar, em específico, os contornos das Contribuições Sociais.
Retornando ao âmbito constitucional, se faz imprescindível mencionar que os legisladores, originário e derivado, no artigo 195 [3] da Carta Maior, dispõem acerca do financiamento da Seguridade Social. Nestes termos, cumpre citar o doutrinador Eduardo Sabbag [4], que, no ponto, destaca o princípio da solidariedade, como traço indelével das contribuições sociais:
“O orçamento da seguridade social é composto de receitas oriundas de recursos dos entes públicos (financiamento indireto) – por meio dos impostos – e de receitas hauridas das contribuições específicas (financiamento direto). Estas últimas são instituídas por lei, com respaldo constitucional, para o custeio da seguridade social (art. 195 da CF c/c art. 11 da Lei n. 8.212/91).
Nesse diapasão, toda a sociedade, de forma direta ou indireta, financia a seguridade social, o que revela a concretização do princípio da solidariedade neste gravame.
A doutrina tem procurado associar as contribuições à ideia de solidariedade, como relevante vetor axiológico. Para Marco Aurélio Greco, as contribuições adstringem-se ao conceito de ‘solidariedade em relação aos demais integrantes de um grupo social ou econômico, em função de certa finalidade’”.
Com vistas a atender aos comandos constitucionais mencionados no referido dispositivo, o legislador editou a Lei 8.212/1991, denominada Lei Orgânica da Seguridade Social. Tal lei distribui a responsabilidade de financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade. Esta norma, em seu artigo 22, cria algumas contribuições distintas.
Uma é denominada Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), e está prevista no Inciso I do referido artigo. Uma outra, é a Contribuição Previdenciária Patronal para o SAT, que está no inciso II, cumprindo citar:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.”
Para o delineamento do objeto do presente estudo, o apontamento das diferentes finalidades de cada uma das referidas contribuições é de importância fundamental. Os recursos oriundos das arrecadações de cada uma delas busca atender a distintas finalidades.
A Contribuição Previdenciária Patronal (CPP, vinculada ao inciso I), tem como finalidade o financiamento/custeio de benefícios previdenciários do trabalhador/segurado, pela Seguridade Social em geral. Toda a arrecadação dessa contribuição social tem como finalidade custear os benefícios sociais previdenciários em geral, como por exemplo, o benefício da aposentadoria.
Já a Contribuição Previdenciária para o Gilrat/SAT, prevista no inciso II, tem como finalidade o custeio dos benefícios acidentários dos segurados da Seguridade Social. Toda a arrecadação desta contribuição está vinculada ao pagamento dos benefícios que decorrem da exposição do trabalhador segurado aos riscos de perda ou diminuição da capacidade laborativa. Como exemplo, citamos a aposentadoria especial e o benefício decorrente de acidentes de trabalho.
Delineadas as distintas finalidades das contribuições sociais sob análise, cumpre mencionar que as regras-matrizes de incidência das referidas contribuições previdenciárias, necessariamente, também são distintas. Tal distinção é, na medida em que as finalidades dos recursos captados por elas também são distintas. Por força de previsão Constitucional, a regra-matriz de incidência utilizada para instituir as Contribuições Previdenciárias in concreto, deve ter, necessariamente, relação sinalagmática com sua finalidade.
Nesse sentido, esclarece Paulo Ayres Barreto [5]:
“Fica evidente que a correlação entre o custo da atividade e a receita a ser obtida, mediante instituição da contribuição. Tal correlação nos permite traçar um paralelo entre as contribuições e as taxas. Nestas, como vimos, a base de cálculo da regra-matriz de incidência é o custo da atuação estatal. A alíquota é o critério legalmente estipulado para repartir esse custo. Nas contribuições, em que o critério material da regra-matriz de incidência é a descrição de um fato que independa de qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte, a base de cálculo será uma perspectiva dimensível do fato descrito no seu antecedente.” (grifamos)
Como é possível perceber, a relação sinalagmática entre a finalidade da contribuição e sua regra matriz deve ser entendida como critério de validade e controle da norma jurídica que institui a contribuição. Nesse ínterim, temos que o critério quantitativo deve refletir o antecedente da norma e, ambos, devem guardar correspondência sinalagmática com a finalidade da contribuição.
Isso posto, munidos da ferramenta de validade e controle necessária para identificar a regra-matriz de incidência das contribuições, passa-se a sua utilização sobre a contribuição social ao Gilrat/SAT, objeto do presente artigo.
Como já mencionado, a Contribuição Social Patronal ao Gilrat/SAT tem como finalidade o custeio dos benefícios sociais acidentários, decorrentes do grau de risco da atividade exercida pelo trabalhador. Isso posto, tem-se que, necessariamente, sua regra-matriz de incidência deve guardar íntima relação com o risco acidentário ao qual o trabalhador, no dia a dia de seu labor, é exposto.
Ao analisar o inciso II do artigo 22 da Lei 8.212/1991, denota-se que o critério material da hipótese de incidência da contribuição é, pagar ou creditar remuneração aos segurados, empregados ou trabalhadores avulsos. Quanto ao critério quantitativo, este é formado pela base de cálculo e alíquotas.
As alíquotas são descritas nas alíneas a) 1%, b) 2% e c) 3%. Já a base de cálculo, grandeza econômica que expressa o valor sobre o qual as alíquotas incidirão, é formada pelo total das remunerações pagas ou creditadas aos segurados, empregados ou trabalhadores avulsos, no decorrer do mês. Contudo, como mencionado, ela precisa refletir, necessariamente, a finalidade da contribuição como critério de validade. E é aqui que se encontra o cerne da questão posta.
Se a regra-matriz de uma contribuição previdenciária deve relação sinalagmática com sua finalidade, então, a base de cálculo dessa mesma contribuição deve, logicamente, refletir esta mesma finalidade. Se a finalidade é o custeio de benefícios acidentários, então, a base de cálculo deve ser composta, necessariamente, pelo total das remunerações pagas ou creditadas aos segurados que, exponham os segurados, de forma efetiva, aos riscos dos fatores acidentários cobertos pelo benefício.
Assim, tem-se que a contribuição ao Gilrat/SAT será justa na medida em que as verbas que compõem sua base de cálculo decorram da efetiva exposição do segurado ao grau de risco de incidência de incapacidade laborativa, presente na consecução da atividade fim da empresa empregadora. Ainda que apenas pelo tempo à disposição do empregador, se o segurado estiver exposto à tais riscos, também aí haverá o signo que corresponde à base de cálculo da referida contribuição.
Diante do exposto, tem-se que a inclusão de verbas estranhas à finalidade da contribuição em comento, em sua base de cálculo, deve ser afastada.
[1] Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
[2] Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário – 35.ed.,ver.,atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2024 – pg. 574 a 576.
[3] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 132, de 2023) Vigência
c) o lucro;
[4] Sabbag, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 16ª edição. – São Paulo: SaraivaJur, 2024. ePUB. 6.2.
[5] Barreto, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídico, Destinação e Controle. 3ª ed. rev. atual. – São Paulo: NOESES, 2020. pg. 146.
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