Licitações e Contratos

Licitação: como transpor a jurisprudência da Lei 8.666 para a 14.133

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

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25 de agosto de 2024, 8h00

A transposição de jurisprudência entre legislações possui grande relevância no que concerne à licitação pública. A Lei nº 8.666/1993, que regeu as licitações e contratos administrativos por três décadas, acumulou vasta jurisprudência, a qual ainda possui grande valor interpretativo, mesmo com a promulgação da Lei nº 14.133/2021.

A essência de muitos dispositivos e entendimentos jurisprudenciais pode ser transferida para casos com a nova legislação, desde que observadas as especificidades e inovações do novo regime jurídico.

Continuidade normativo-típica e transposição de jurisprudência

O conceito de continuidade normativo-típica se aplica de forma eficaz para entender como a jurisprudência consolidada sob a égide da Lei nº 8.666/1993 pode ser transposta para a Lei nº 14.133/2021. Este conceito é utilizado para indicar que, apesar das alterações legislativas, o núcleo essencial das normas permanece, possibilitando a aplicação de entendimentos anteriores na nova legislação.

A lógica da transposição de jurisprudência já foi utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao artigo 89, caput, da antiga Lei nº 8.666/1993, que tipificava como crime a dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais, causando prejuízo ao erário. Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021, o dispositivo correspondente passou a ser o artigo 337-E do Código Penal, mantendo a tipicidade e a essência do crime.

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 183.906/SP, relatado pelo ministro Ribeiro Dantas, a 5ª Turma do STJ decidiu pela continuidade normativo-típica, afirmando que a nova lei não descriminalizou a conduta anteriormente prevista no artigo 89 da Lei nº 8.666/1993.

Esse entendimento reforça a possibilidade de transposição da jurisprudência consolidada sob a lei antiga para a nova legislação, sem que haja prejuízo à segurança jurídica.

Spacca

Uma situação sobre a qual se pode antever a elevação de número de casos, por exemplo, vem de casos de não entrega de documentos solicitados durante a licitação. Isso porque, na época do sistema da Lei nº 8.666/1993, o artigo 7º da Lei nº 10.520/2002 estabelecia possibilidade de penalidades para licitantes que deixassem de entregar documentos exigidos dentro do prazo estipulado.

Entretanto, no voto do ministro Francisco Falcão, do STJ, no julgamento do RMS 23.088/PR, ficou ressaltado algo elementar: “o não envio da documentação no prazo exigido de 24 horas, não gera como penalidade a suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração Pública, mas apenas a desclassificação.” Isso significa que o licitante tem a perda de negócio com o governo, mas não existe base para uma penalidade, até porque isso seria incoerente com o restante das normas da lei que tratam de habilitação de licitante e de classificação de proposta.

Agora, o mesmo núcleo de “conduta” foi replicado na Lei nº 14.133/2021, especificamente no artigo 155, inciso IV, sobre a situação de “deixar de entregar” a documentação exigida na licitação. O entendimento de que a desclassificação da proposta do licitante seria a consequência típica para a não entrega de documentos no prazo, ao invés de sanções, pode ser aplicado à nova legislação, dado que o núcleo da conduta permanece o mesmo.

Enfim, a jurisprudência formada pelo STJ sob a vigência da Lei nº 8.666/1993, sobre os mais diversos temas, continuará relevante e será objeto de transposição para casos com as regras da nova lei que possuem mesmos trechos de núcleo dos artigos da antiga lei.

Conclusão

A transposição de jurisprudência da Lei nº 8.666/1993 para a Lei nº 14.133/2021 é não apenas viável, mas também necessária, para garantir a continuidade interpretativa e a aplicação justa das normas de licitação, isso valendo para agentes públicos, licitantes e contratados. Ela será uma ferramenta estratégica para a defesa de interesses em processos licitatórios e contratuais sob o novo regime.

Autores

  • é advogado, sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia, ex-assessor da Presidência da República, especialista em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e autor de cinco livros, incluindo "Licitação Pública Internacional no Brasil".

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