Opinião

Oferta de seguro-garantia para suspensão do crédito não tributário

Autores

  • é sócio responsável pelas áreas de Direito Público e Tributário do Figueiredo e Velloso Advogados e ex-procurador-geral da Fazenda Nacional.

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  • é advogada associada sênior do escritório Figueiredo & Velloso Advogados especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

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  • é advogada associada do escritório Figueiredo & Velloso Advogados bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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24 de agosto de 2024, 15h19

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) retirou de pauta o julgamento que colocaria fim à discussão quanto à possibilidade de a oferta de seguro-garantia ou de fiança bancária suspender a exigibilidade de crédito não tributário. Os recursos representativos da controvérsia, afetados em 30/6/2023 e de relatoria do ministro Herman Benjamin, foram cadastrados como Tema 1.203/STJ, e o julgamento estava marcado para o dia 14/8/2024.

Os créditos não tributários da Fazenda Pública, como intuitivamente se extrai da própria nomenclatura, são todos os não provenientes de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas — tais como os oriundos de algumas contribuições estabelecidas em lei e multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias [1].

Sobre o assunto, a jurisprudência já foi sólida no sentido de que a fiança bancária e o seguro-garantia não seriam equiparáveis ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito – entendimento, até então, aplicado aos créditos tributários e também aos não tributários.

Em 2014, foi publicada a Lei nº 13.043, que deu nova redação ao artigo 9º, II, da Lei de Execução Fiscal, para facultar expressamente ao executado a possibilidade de oferecer fiança bancária ou seguro-garantia como meio de se assegurar a efetividade da execução, o que deu margem ao debate sobre a possibilidade de que a oferta de tais modalidades de garantia também suspendessem a exigibilidade do crédito não tributário.

Importante destacar que os créditos tributários não constituem objeto da presente avaliação em razão da previsão legal expressa no artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN). Tal artigo define como causas suspensivas do crédito tributário, especificamente, a moratória, o depósito do montante integral do débito, as reclamações e recursos nos processos tributários administrativos, a concessão de liminar em mandado de segurança, a concessão de tutela antecipada ou liminar em outras espécies de ações judiciais e o parcelamento. E a doutrina interpreta de forma majoritária que o rol do artigo 151 do CTN é taxativo, não podendo ser ampliado por interpretação ou aplicação analógica.

Em 2019, em decisão que recebeu muito destaque, a matéria atinente à suspensão da exigibilidade do crédito não tributário a partir da apresentação de fiança bancária ou de seguro-garantia judicial foi analisada por meio do julgamento do REsp 1.381.254/PR, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Na oportunidade, entendeu-se pelo cabimento da suspensão a partir do oferecimento das mencionadas garantias, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30% [2]. E, no momento, a questão aguarda nova manifestação do STJ, ora para análise sob a sistemática do recurso repetitivo, com vista à definição da tese a ser obrigatoriamente aplicada, de maneira uniforme, aos demais processos nos quais se esteja discutindo a mesma questão de direito.

Alegações

No ponto, a Fazenda Pública alega ser inviável a equiparação do seguro-garantia ou da fiança bancária ao dinheiro, para efeito de suspensão de exigibilidade do crédito não tributário, sob o fundamento de que sua realização se daria em sentido contrário justamente àquele prescrito expressamente apenas para o crédito tributário, no artigo 151 do CTN [3]. Entende-se, no caso, que a mesma ratio deveria ser aplicada também ao crédito não tributário, observando-se a taxatividade do rol do mencionado artigo.

Spacca

De outro lado, os contribuintes defendem que, diante da inexistência de previsão legal no ordenamento jurídico, deveria haver uma aplicação extensiva do artigo 151 do CTN, em consonância com o artigo 835, § 2º e artigo 848, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC), os quais disciplinam a possibilidade de substituição da penhora por fiança ou por seguro-garantia judicial.

Como argumento adicional, os pretensos devedores apresentam também como argumento o disposto no artigo 9º, § 3º, da Lei nº 6.830/1980, com a redação que a ele foi dada pela Lei nº 13.043/2014 e que expressamente prevê que a garantia da execução — por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro-garantia — produz os mesmos efeitos da penhora. Assim, sendo tais figuras (dinheiro, fiança bancária e seguro-garantia) equiparados para os fins de substituição da penhora e garantia do valor da dívida ativa (não tributária), deveriam sê-lo também para fins de suspensão de exigibilidade, porquanto, no momento em que a Fazenda Pública exige o pagamento da dívida ativa, tanto o dinheiro depositado como o montante decorrente da fiança ou do seguro-garantia judicial são colocados à sua disposição.

Como se sabe, o seguro-garantia, no caso, tem como escopo assegurar o fiel cumprimento de obrigações que eventualmente sejam confirmadas, após a devida apreciação judicial. Nessa hipótese, o credor das obrigações garantidas é o segurado (no caso, a União), sendo o tomador do seguro o contribuinte. Ou seja, na prática, a seguradora se obriga ao pagamento da indenização, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida.

Seguro-garantia harmoniza princípios

Sobre a temática, o ministro Villas Bôas Cueva, no julgamento do REsp 1.691.748, já teve a oportunidade de destacar que “o seguro-garantia judicial harmoniza o princípio da máxima eficácia da execução para o credor com o princípio da menor onerosidade para o executado, conferindo proporcionalidade aos meios de satisfação de crédito[4]. Ou seja, ao lado de constituir meio alternativo idôneo ao do depósito em espécie, reduz a onerosidade ao alegado devedor, que também busca perante o Poder Judiciário o resguardo de seus direitos.

Sem prejuízo da relevância do tema, a matéria, como se disse, não pôde ser apreciada em 14 de agosto, e a questão ficará sob relatoria da ministra Maria Thereza, considerando-se a assunção, pelo ministro Herman Benjamin, da presidência da corte.

O debate, como se vê, ainda deve se estender por mais algum tempo, remanescendo a perspectiva de que o STJ coloque fim, em definitivo,  à questão controvertida, sensível tanto à Fazenda Pública como aos contribuintes.

 


[1] Art. 39, §2º da Lei n° 4.320/1964.

[2] Informativo n° 652/STJ. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@cnot=017114. Acesso em 08/08/2024, às 15h46.

[3] “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I – moratória;

II – o depósito do seu montante integral;

III – as reclamações e os recursos, nos têrmos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

VI – o parcelamento”.

[4] Trecho retirado do Portal do STJ. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28032021-Seguro-garantia-traz-mais-eficiencia-e-tranquilidade-ao-processo-de-execucao.aspx. Acesso em 15/08/2024, às 15h22.

Autores

  • é sócio do Escritório Figueiredo & Velloso Advogados e ex-procurador-geral da Fazenda Nacional.

  • é advogada associada sênior do escritório Figueiredo & Velloso Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e pós-graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

  • é advogada associada do escritório Figueiredo & Velloso Advogados, bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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