Juiz pode decidir sobre passaporte diplomático dado a líder religioso
23 de agosto de 2024, 16h52
Todos os atos administrativos sujeitam-se ao controle de legalidade feito pelo Poder Judiciário, inclusive o de concessão de passaporte diplomático a líder religioso, sob a justificativa de haver “interesse nacional”.

R.R. Soares teve direito a passaporte diplomático até junho de 2022
A conclusão é do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, na decisão em que reconheceu a perda do objeto de uma ação popular ajuizada pelo advogado Ricardo Nacle contra a benesse concedida ao missionário R. R. Soares.
O líder da Igreja Internacional da Graça de Deus e sua mulher receberam passaportes diplomáticos ainda em junho de 2016, no fim do governo de Dilma Rousseff. O documento venceu em junho de 2022 e não há pedido de renovação.
Por esse motivo, o relator reconheceu a perda do objeto. Ainda assim, avançou no mérito da ação em obiter dictum — a título de argumentação, mas sem que uma decisão seja efetivamente tomada nesse sentido.
A ação popular foi julgada procedente em primeiro grau, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reformou a decisão por considerar que é inviável a intervenção do Poder Judiciário na análise da concessão de passaporte diplomático a autoridades religiosas.
O tribunal entendeu que o Estado não pode, a pretexto de dar projeção pública à laicidade, restringir, para os crentes ou autoridades religiosas, utilidades e serviços disponibilizados à generalidade dos cidadãos.
Pode analisar
Ao analisar o recurso interposto pelo Ministério Público Federal, o ministro Herman Benjamin destacou que todo ato administrativo é passível de impugnação, pois este só é válido se for motivado e atender ao fim previsto pela norma.
Assim, o fato de a expedição de passaporte diplomático ser um ato discricionário do governo não confere liberdade para que seja justificado apenas com base no “interesse do país”. É possível averiguar se houve desvio de finalidade.
Segundo Benjamin, não é preciso debater se o Estado é laico, a aplicação do princípio da igualdade ou discutir o mérito da concessão do passaporte diplomático.
“O que se debate, no presente feito, é simplesmente se a concessão do passaporte diplomático atendeu ou não às normas estipuladas para tanto, ou seja, se o ato administrativo respectivo foi motivado adequadamente e se atende às finalidades legais.”
Desvio de finalidade
O tema é regulado no Brasil pelo artigo 6º do Decreto 5.978/2006 e pela Portaria 98/2011 do Ministério das Relações Exteriores, que estabelece normas e diretrizes para concessão de passaportes diplomáticos às pessoas que devam portá-lo.
O fato de a igreja liderada por R. R. Soares ter centenas de templos no Brasil e presença em mais de 30 países não basta para justificar a concessão do documento, segundo análise do ministro.
Trata-se de argumentação vaga, genérica e teórica acerca de suposto e eventual interesse do país que nem sequer é identificado ou especificado, a evidenciar a ausência de motivação adequada.
“Não se está a negar, com a presente decisão, que se possa conceder passaporte diplomático a líderes religiosos, inclusive ao próprio recorrido. O que se exige, contudo, é que o ato concessivo atenda às disposições legais a respeito do tema, especialmente que indique, concretamente, qual o ‘interesse do país’ que se protegerá com a concessão do documento.”
“Uma vez que o ato administrativo questionado (emissão de passaportes diplomáticos) se deu com desvio de finalidade e motivação deficiente, de rigor seria sua cassação, tal como decidido na sentença de primeiro grau”, concluiu, ainda em obiter dictum.
Clique aqui para ler a decisão
REsp 1.975.360
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