Opinião

Prescrição em casos de acidente de trabalho e produção antecipada de provas

Autor

  • Sebastião Barbosa Gomes Neto

    é advogado inscrito na OAB-GO graduado pela Universidade Federal de Goiás pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC-MG.

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22 de agosto de 2024, 9h24

A prescrição é um instituto jurídico fundamental que estabelece o prazo máximo para que o direito de ação seja exercido. Ensina Sebastião Geraldo de Oliveira que “o ordenamento jurídico assegura ao lesado a faculdade de se insurgir contra a violação do seu direito e propor judicialmente sua pretensão de ressarcimento dos danos sofridos” [1]. Diz ainda que: “o exercício desta pretensão deverá ser feito dentro de determinado prazo fixado em lei, findo o qual ocorrerá a prescrição” [2].

No contexto de acidentes de trabalho, esse tema ganha especial importância, pois define o período dentro do qual o trabalhador pode buscar judicialmente a reparação pelos danos sofridos.

A legislação brasileira prevê dois tipos principais de prescrição: a bienal e a quinquenal, previstas no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição. A primeira refere-se ao prazo de dois anos para o trabalhador ingressar com ação após a extinção do contrato de trabalho, enquanto a segunda dispõe sobre o período de cinco anos para a reclamação de créditos resultantes das relações de trabalho, a contar da data em que o direito foi violado.

Quando o assunto é acidente de trabalho, a contagem do prazo prescricional se torna mais complexa, especialmente em razão da necessidade de determinar o momento exato em que o trabalhador teve ciência inequívoca da incapacidade laboral, ou seja, a consolidação da lesão que resulta na redução ou perda da capacidade para o trabalho.

Entendimento dos tribunais

A jurisprudência do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e a Súmula 278 do STJ (Superior Tribunal de Justiça) oferecem diretrizes essenciais nesse sentido. Sebastião Geraldo de Oliveira em seu livro observa: “que a súmula do STJ menciona corretamente ‘ciência inequívoca’ e não ciência da doença; a reparação será avaliada não pela doença ou pelo acidente em si, mas a partir dos efeitos danosos verificados ou incapacidade total ou parcial da vítima” [3].

Nessa linha de raciocínio, a jurisprudência do TST tem reiteradamente afirmado que o prazo prescricional para ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho começa a ser contado a partir da data em que o trabalhador tem ciência explícita e compreensível da incapacidade laboral, seja física ou mental.

Aldo Dias/TST
Prédio do TST, sede do Tribunal Superior do Trabalho

Esse entendimento, conforme observado em diversos julgados, é crucial para garantir que o trabalhador tenha o tempo necessário para avaliar a extensão do dano e buscar a reparação judicial. Um exemplo emblemático desse posicionamento pode ser encontrado na decisão do TST no Agravo de Instrumento em Recurso de Revista 93100-21.2014.5.13.0005 [4], onde o tribunal confirmou que a prescrição é contada a partir da concessão da aposentadoria por invalidez, momento em que o trabalhador toma ciência da extensão do dano que sofreu.

Em outro julgamento, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, ao tratar da prescrição em casos de acidentes de trabalho, reafirmou que o termo inicial do prazo prescricional é a data da ciência inequívoca da incapacidade laboral, aplicável a todas as modalidades de indenização, sejam elas por danos morais, estéticos ou materiais.

Esse entendimento está presente na decisão proferida no processo 0010969-37.2016.5.18.0083:

“…o termo inicial do prazo prescricional é a data da alta previdenciária ou da aposentadoria por invalidez, momento em que se consolidam a extensão e a gravidade da lesão, permitindo ao trabalhador ter ciência inequívoca do dano sofrido” [5].

Ainda no mesmo sentido, a jurisprudência do TST reconhece que, no caso de pensão mensal vitalícia decorrente de acidente de trabalho, não há prescrição do fundo de direito, mas apenas das prestações anteriores ao período prescricional. Isso ocorre em razão da natureza continuativa do direito à pensão, o que foi ratificado no julgamento dos Embargos em Recurso de Revista 2687-85.2011.5.12.0007:

“…Trata se de indenização constitucional mente definida como um crédito de natureza alimentar, consoante o disposto no art. 100 § 1º, da Constituição da República. Inviável, na espécie, cogitar se de lesão única, ainda que o direito à indenização tenha em sua gênese lesão física com resultados instantâneos, como no caso da perda de um membro, pois o referido dispositivo diz com a hipótese de dano material e o que se visa a reparar, como ressaltado, não é o dano físico em si, mas o prejuízo patrimonial daí decorrente, o qual, decerto, protrai se no tempo. Assim, enquanto durar a incapacidade, exigível será sua reparação. 2 Cuida se, pois, de relação jurídica de natureza continuativa, que não se esgota em lesão única, podendo, inclusive, sobrevir alteração no estado de fato, a justificar, inclusive, redução ou aumento da prestação Desse modo, e ante a natureza alimentar constitucionalmente definida da pensão mensal devida em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional, da qual acarrete impossibilidade de a vítima exercer o seu ofício ou profissão ou diminuição da sua capacidade laborativa, não há falar em prescrição do fundo de direito, mas, tão somente, das prestações anteriores ao lapso prescricional que antecede o ajuizamento da ação” [6].

Produção antecipada de provas

Situação prática ocorre em casos em que o trabalhador não tenha pleiteado benefício previdenciário. Dessa forma não haverá essa ciência inequívoca decorrente da concessão de algum benefício.

Surge então nesses casos a possibilidade de ajuizamento de ação de produção antecipada de provas, conforme previsto no artigo 381 do Código de Processo Civil (CPC), que é aplicado subsidiariamente na Justiça do Trabalho.

Essa medida pode ser essencial tanto para o trabalhador quanto para o empregador. O artigo 381 do CPC permite a produção antecipada de provas nos casos em que: (1) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; (2) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e (3) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.

A 5ª Turma do TST já discutiu a aplicação da produção antecipada de provas, destacando que:

“Com a entrada em vigor do CPC de 2015, a produção antecipada de provas tornou-se tão somente uma ação probatória autônoma e, por isso, prescindível a demonstração de perigo da demora, mantida apenas na hipótese contida no inciso I do artigo 381. Na hipótese dos autos, a pretensão de produção antecipada de prova pericial, a fim de perquirir a existência de nexo de causalidade entre a doença de que padece o autor e as atividades desempenhadas para a empresa, tem amparo no art. 381, III, do CPC, o que afasta, de plano, o fundamento contido no acórdão regional quanto à necessidade de demonstração de periculum in mora . A possibilidade de prévio conhecimento dos fatos que possam justificar ou evitar o ajuizamento da ação, por si só, constitui hipótese em que admitida a ação de produção antecipada da prova. É o que dispõe o artigo 381, III, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, nos termos do artigo 769 da CLT. Precedentes desta corte. Demonstrada violação do artigo 381, III, do CPC. Recurso de revista conhecido e provido” [7].

Portanto, essa antecipação probatória pode ser decisiva para aferir o grau e a temporariedade da incapacidade, definindo assim o início correto do prazo prescricional, bem como demonstrar que não há incapacidade. De toda forma ela pode viabilizar um acordo ou evitar ajuizamento de reclamação trabalhista.

Percebe-se que a utilização da produção antecipada de provas permite uma maior segurança jurídica para ambas as partes. No caso do trabalhador, essa medida pode ser vital para garantir que seus direitos sejam adequadamente resguardados, uma vez que a definição do momento exato da incapacidade pode influenciar diretamente no reconhecimento de seus direitos indenizatórios.

Já para o empregador, a produção antecipada de provas pode evitar o ajuizamento de ações desnecessárias ou mesmo possibilitar a resolução do conflito de forma mais célere, por meio de um acordo, antes que se estabeleça uma contenda judicial prolongada.

Conclusão

Nessa esteira, é evidente que a prescrição em casos de acidentes de trabalho exige uma abordagem cuidadosa e estratégica. A correta delimitação do prazo prescricional depende, muitas vezes, da análise minuciosa do momento em que o trabalhador tomou ciência inequívoca de sua incapacidade. Assim, o ajuizamento de ação para produção antecipada de provas pode ser uma ferramenta essencial para clarificar essas questões temporais e garantir que os direitos sejam devidamente preservados, evitando o risco de prescrição, bem como aventuras jurídicas.

 


[1] Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 13 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Juspdivm, 2022, p. 515.

[2] Idem.

[3] Idem, p. 546.

[4] Ag-AIRR-93100-21.2014.5.13.0005, 5ª Turma, relator ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 16/12/2022

[5] TRT-GO-0010969-37.2016.5.18.0083, relator desembargador Aldon do Vale Alves Taglialegna, DEJT 03/07/2019

[6] TST SBDI I E ED RR 2687 85 2011 5 12 0007 relator ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 13 10 2017

[7] Ag-RR – 823-15.2020.5.09.0513. Orgão Judicante: 5ª Turma. Relatora: Morgana de Almeida Richa

Julgamento: 4/10/2023. Publicação: 6/10/2023

 

 

 

 

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