Opinião

Polêmica exigência do IR sobre ganho de capital na herança e doação

Autor

  • Deonísio Koch

    é advogado tributarista professor de Direito Tributário ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

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22 de agosto de 2024, 17h18

Muito já se discutiu e escreveu sobre a possibilidade de exigir Imposto de Renda (IR) sobre ganho de capital no caso de transmissão de bens e direitos pela herança ou doação, fato tributado pelo ITCMD, imposto de competência estadual.

Spacca

A discussão acionou o Poder Judiciário, cujas decisões não são convergentes; há decisões da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) a favor do contribuinte, como no ARE 1.387.761, que afastou a exigência do tributo federal, com fundamentos na bitributação do IR com o ITCMD.  Em outra decisão, essa corte, agora na 2ª Turma, decidiu pela incidência, considerado ocorrido o ganho de capital.

Está em julgamento o RE 1.439.539, iniciado em março, que já tem quatro votos pelo não reconhecimento da incidência do IR nestas transmissões de bens e direitos.

Julgamos oportuno levar o debate para outro patamar, para além da discussão da bitributação, que normalmente é o ponto de divergência de entendimento, mas que não nos parece a questão central para definir a questão.

Questão do acréscimo patrimonial

A bitributação não nos parece bem clara, visto que poder-se-ia visualizar dois fatos geradores distintos, independentes: o da transmissão dos bens e direitos, para efeito do ITCMD, e o do suposto acréscimo patrimonial, que ensejaria a cobrança do imposto de renda. O que se quer explicar, é que não haveria bitributação se admitíssemos a ocorrência deste acréscimo patrimonial como fato de incidência do Imposto de Renda.

A questão que  pretendemos demonstrar é que não se reúnem os critérios necessários para a formulação da hipótese de incidência desse acréscimo patrimonial nos termos definidos em lei para a exigência do imposto de competência federal.

Spacca

Antes de adentrar na análise do fato gerador, necessário abordar a questão nebulosa da definição do contribuinte do Imposto de Renda nessa circunstância.

O ganho de capital está previsto no artigo 21, da Lei nº 8.981/95, com redação dada pelo artigo 1º, da Lei nº 13.259/16.

“ Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas.”

Pela disposição legal, o contribuinte é a pessoa física que auferiu, ele próprio, um ganho no  período compreendido entre a aquisição e venda do bem. Ele é detentor da capacidade contributiva que respalda a exigência tributária. E esse acréscimo patrimonial deve ser verificado na alienação dos bens ou direitos. Não é isso que ocorre exatamente, tanto nas doações como na sucessão hereditária, em que o doador ou o de cujus, não experimentam nenhum acréscimo patrimonial incorporado ao seu patrimônio, que pudesse atrair a incidência do imposto de renda.

Por outro lado, o donatário ou o herdeiro, também não terão a experiência de um ganho de capital, nos termos em que é definido na lei, pois estão recebendo o bem ou o direito, no momento da transição, por um valor originariamente determinado. Não ocorreu nenhum ganho de capital sobre os bens recebidos enquanto no seu domínio.

Esse é o primeiro ponto controvertido. É necessário clarear todos os aspectos da sujeição passiva para suportar a incidência do Imposto de Renda nestas transferências, matéria que até  hoje não mereceu a devida atenção pela doutrina e pela jurisprudência. Portanto, quem terá a capacidade contributiva para suportar o ônus desta incidência?

Fato gerador

A segunda questão está relacionada à materialidade da incidência tributária (fato gerador), sempre com inspiração no texto legal de sua instituição.

E a análise desse tópico aproveita as mesmas incursões feitas na investigação dos elementos para a caracterização da condição de contribuinte do imposto federal. Ou seja, até que ponto esse ganho de capital, segundo os contornos jurídicos da lei, que deve ser auferido pela pessoa física na alienação de bens e direitos, é capaz de acomodar a situação fática em que seria verificada a valorização de bens e direitos no momento da transmissão de sua propriedade na doação ou herança, sem uma venda efetiva? Até que ponto a verificação de valorização de um bem no momento da transmissão se ajustaria à situação hipotética descrita na lei como suficiente para exigir o Imposto de Renda sobre ganho de capital?

Ganho de capital?

O terceiro ponto não se circunscreve à polêmica tributação do IR nessas transmissões, mas à investigação do conceito de ganho de capital numa perspectiva de real incremento patrimonial, com habilidade de suportar a incidência deste imposto.

A depuração de diferença de valor de um bem entre um determinado período, chamada de ganho de capital, sempre decorre de dois fatores: a) valorização real, em acompanhamento do mercado, produzindo um real incremento no patrimônio do proprietário, fenômeno apto a subsumir-se à incidência do imposto;  e b) desvalorização da moeda pelo processo inflacionário do período determinado, parcela que em nada incrementa o patrimônio do proprietário, apenas recompõe o valor para a expressão econômica atual, que não pode ser objeto de incidência do imposto.

Tomando um exemplo concreto, no caso de um apartamento que foi adquirido por R$ 300 mil e após dez anos for alienado por R$ 600 mil, certamente a diferença verificada não corresponde exclusivamente à valorização de mercador do imóvel; parte desta diferença deve ser atribuída à inflação do período, e por isso não sujeita à incidência do tributo.

Conclusão

Portanto, todas essas questões, no mínimo nebulosas, militam contra a tributação do IR sobre o ganho de capital que seria verificado nas transmissões de bens e direitos com incidência do ITCMD, de competência estadual.

Lembrando que a hipótese incidência tributária deve ser descrita na lei de forma clara precisa, com contornos jurídicos bem definidos, tipificação fechada, de maneira a não exigir malabarismos interpretativos para o ajuste de uma situação fática à norma de incidência, como parece ser o caso da cobrança do IR juntamente com o ITCMD nas transmissões de bens e direitos enfocadas, o que sugere que a análise desta matéria não deve se conter na simplicidade da existência ou não de bitributação.

Autores

  • é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

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