Prática Trabalhista

Enquadramento sindical de empresas ligadas do ramo financeiro

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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22 de agosto de 2024, 10h20

Um assunto que sempre desperta muitas discussões refere-se aos critérios de representação sindical, principalmente nas empresas que têm atividades ligadas ao ramo financeiro. Isto porque, em certas situações, pode haver relativa confusão acerca das atividades realizadas pelas companhias.

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Dito isso, questiona-se: a Consolidação das Leis do Trabalho possui dispositivos específicos para tratar da questão em torno do enquadramento sindical? Quais os parâmetros que devem ser observados? Existe diferenças nos critérios para fins de enquadramento sindical quanto às empresas ligadas ao ramo financeiro? Qual o posicionamento jurisprudencial sobre o tema?

Por certo que, em razão das controvérsias e dúvidas que acometem não só os operadores de direito, como também os departamentos jurídicos e de recursos humanos, para além dos trabalhadores, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, a CLT dispõe em seus artigos 511 [2] e 581 [3], §1º [4] e §2º [5], que deve ser observada a atividade preponderante do empregador para que seja feito o correto enquadramento sindical, de sorte que o legislador estabeleceu uma regra para aquelas empresas que exerçam atividades simultâneas em várias partes e em diversos segmentos.

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Além disso, de um lado, a Lei nº 4.595, de 31.12.1964, dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, assim como cria o Conselho Monetário Nacional [6]. Lado outro, a Lei nº 12.865, de 9.out.2013 [7], estabelece em seu artigo 6º que as instituições de pagamento passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro.

Diretrizes do Banco Central

A Resolução BCB nº 96, de 19.mai.2021 [8], dispõe sobre a abertura, a manutenção e o encerramento de contas de pagamento, cujo artigo 1º faz uma distinção entre instituições financeiras, instituições de pagamentos e outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central. Vale dizer, independente de serem empresas ligadas do ramo financeiro, existe, por força de lei, diferenças significativas em suas atividades preponderantes.

 Lição de especialista

A propósito, no que tange aos critérios de representação sindical, oportunos são os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite [9]:

“O Brasil adota, como regra, o sindicalismo por categorias econômicas e profissionais, admitindo, excepcionalmente, o sindicato por profissão, também chamada representativo de categoria profissional diferenciada (CLT, art. 511, § 3º).

(…) De lege lata,não há que se falar em sindicato por empresa no nosso país, na medida em que o enquadramento sindical elaborado pelo Estado foi mantido, embora passível de sofrer modificações em virtude do princípio da liberdade de constituição de sindicatos previsto no art. 8º da Carta Suprema. O sindicato por profissão é tradicional e, em face da sua disposição horizontal, permite homogeneidade de interesses coletivos a serem defendidos”.

Nesse diapasão, pode-se dizer que, muito embora um trabalhador possa desenvolver suas funções laborais numa empresa ligada do ramo financeiro, e apesar de haver certa semelhança nas atividades comparadas a de outras instituições, conclui-se que não necessariamente existirá identidade de categoria profissional, justamente por força da diferença existente entre o objeto social da empresa empregadora e das atividades desempenhadas.

Posicionamento jurisprudencial

O Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a emitir juízo de valor em um caso no qual uma trabalhadora pretendia o enquadramento sindical e os direitos normativos da categoria dos financiários, por entender que a empresa seria uma instituição financeira [10]. Contudo, o TST entendeu que, por não ser a empresa uma financeira, não poderia haver o enquadramento na condição de financiária, rejeitando, portanto, os pedidos consectários.

Em outra situação, a Corte Superior Trabalhista reverteu uma decisão do Tribunal Regional local que deferiu o enquadramento de uma trabalhadora como financiária, garantindo-lhe as vantagens inerentes à categoria [11].

Em seu voto, a relatora ponderou:

“Da análise do referido dispositivo, constata-se que a autora não desempenhava nenhuma atividade privativa das instituições financeiras, previstas no art. 17 da Lei nº 4.595/1964 – como coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, mas somente o serviço de cobrança, que não é privativo de uma instituição bancária, como aqueles enumerados no referido dispositivo. Dessa forma, a simples função de cobrança de crédito não se insere no rol das atividades do bancário, de forma a autorizar o enquadramento da autora nessa categoria.”

Outrossim, é importante destacar que, nos termos da Súmula 374 do TST [12], nas situações em que a empresa não tenha participado da negociação coletiva da categoria em que se busca o enquadramento sindical, não haveria como se conceder os benefícios normativos a seus empregados.

Conclusão

Por todo o exposto, do cotejo entre a legislação vigente, as informações do Banco Central e o entendimento jurisprudencial, verifica-se que nas empresas ligadas ao ramo financeiro existe significativa diferença em suas atividades comerciais. Por conseguinte, o enquadramento sindical deve levar em consideração as atividades desempenhas e aquelas descritas no objeto social, assim como as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores. Aliás, através da consulta do cadastro nacional da pessoa jurídica (CNPJ/MF), é possível extrair o código e a descrição das atividades principal e secundária da pessoa jurídica.

Ora, é sabido que algumas categorias profissionais proporcionam aos seus empregados melhores condições de trabalho e maiores benefícios. Contudo, para que esse empregado possa ser beneficiado com tais direitos, torna-se imprescindível o correto e adequado enquadramento sindical, levando-se em consideração a atividade preponderante do empregador.

Em arremate, há que se recordar que no sistema jurídico existe uma classificação brasileira de ocupações [13], segundo a qual é possível também identificar a exata descrição das atividades desenvolvidas pelo trabalhador.

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[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2]  CLT, Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

[3] CLT, Art. 581. Para os fins do item III do artigo anterior, as empresas atribuirão parte do respectivo capital às suas sucursais, filiais ou agências, desde que localizadas fora da base territorial da entidade sindical representativa da atividade econômica do estabelecimento principal, na proporção das correspondentes operações econômicas, fazendo a devid a comunicação às Delegacias Regionais do Trabalho, conforme localidade da sede da empresa, sucursais, filiais ou agências.

[4] CLT, Art. 581, § 1º – Quando a empresa realizar diversas atividades econômicas, sem que nenhuma delas seja preponderante, cada uma dessas atividades será incorporada à respectiva categoria econômica, sendo a contribuição sindical devida à entidade sindical representativa da mesma categoria, procedendo-se, em relação às correspondentes sucursais, agências ou filiais, na forma do presente artigo

[5] CLT, Art. 581, § 2º – Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional.

[6]Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4595.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%204.595%2C%20DE%2031%20DE%20DEZEMBRO%20DE%201964&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20Pol%C3%ADtica%20e,Nacional%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias. Acesso em 20.8.2024.

[7] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12865.htm. Acesso em 20.8.2024.

[8]Disponível em https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=96. Acesso em 20.8.2024.

[9] Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. – São Paulo: Saraiva: 2022. Página 879.

[10]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1122&digitoTst=13&anoTst=2012&orgaoTst=5&tribunalTst=02&varaTst=0013&submit=Consultar. Acesso em 20.8.2024.

[11]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=170&digitoTst=05&anoTst=2015&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0012&submit=Consultar. Acesso em 20.8.2024.

[12] NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA. Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.)

[13] Disponível em https://cbo.mte.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf. Acesso em 20.8.2024

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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