Opinião

Implementação do Drex exige marco regulatório robusto e abrangente

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  • Gilmara Nagurnhak

    é advogada especializada em Direito Civil e Processo Civil com pós-graduação pela PUC-RS em Direito Tributário e fundadora do escritório Gilmara Nagurnhak Advocacia & Assessoria Empresarial.

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22 de agosto de 2024, 16h17

O Drex, ou real digital, é a versão digital da moeda brasileira, desenvolvida pelo Banco Central. O projeto visa à digitalização do real, permitindo transações financeiras mais rápidas, seguras e programáveis através de uma tecnologia de registro distribuído (DLT). Utiliza a plataforma Hyperledger Besu, escolhida por sua robustez e adaptabilidade para atender às necessidades do sistema financeiro nacional.

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A criação do Drex é motivada por diversas razões estratégicas e econômicas. O BC busca modernizar o sistema financeiro brasileiro, promovendo a inclusão financeira e a digitalização de transações. Além disso, é uma resposta às crescentes demandas por soluções financeiras mais ágeis e seguras que possam integrar-se a contratos inteligentes e suportar a crescente economia digital. A motivação inclui ainda a necessidade de competir com outras moedas digitais globais e manter a relevância do real em um cenário financeiro cada vez mais digitalizado.

O Drex se diferencia de outras moedas digitais, como o Bitcoin e o Ethereum, por sua natureza centralizada e governamental. Enquanto criptomoedas, como o Bitcoin, operam em um modelo descentralizado, o Drex é emitido e controlado pelo Bacen, garantindo estabilidade e segurança regulamentar.

Comparado a outras moedas digitais de bancos centrais (CBDCs), o Drex visa a uma maior programabilidade e integração com tecnologias emergentes como contratos inteligentes, oferecendo uma solução que une a segurança da regulamentação estatal com a inovação tecnológica.

Os objetivos principais do Drex incluem a promoção da inclusão financeira, a facilitação de transações financeiras seguras e eficientes e o suporte a novos produtos financeiros através de contratos inteligentes. Contudo, o projeto enfrenta desafios significativos, como a necessidade de resolver o trilema da privacidade, programabilidade e descentralização. A implementação tecnológica, a aceitação do mercado e a adaptação regulatória são obstáculos que o Banco Central deve superar para garantir o sucesso do Drex.

Sucesso do Pix e seus impactos

O Pix, sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido pelo BC, foi lançado em novembro de 2020 como uma resposta à necessidade de um sistema de pagamento rápido, seguro, barato e inclusivo. Inspirado nas demandas de jovens gamers que já estavam acostumados a transações digitais ágeis, foi desenvolvido para revolucionar o mercado financeiro brasileiro. A simplicidade de uso, combinada com a sua capacidade de operar 24 horas por dia, fez do Pix um sucesso imediato, transformando a forma como os brasileiros realizam pagamentos.

Desde o seu lançamento, o Pix teve uma adoção extraordinária, superando as expectativas iniciais do BC. Em junho de 2024, o sistema registrou 5,3 bilhões de transações, demonstrando um crescimento contínuo e robusto. Este sucesso deve-se à sua facilidade de uso, rapidez nas transações e ausência de taxas para pessoas físicas, o que incentivou a ampla adoção por parte da população. O Pix também facilitou a inclusão financeira, permitindo que pessoas sem acesso a serviços bancários tradicionais pudessem realizar transações digitais de maneira simples e eficiente.

O sucesso do Pix coloca o Brasil na vanguarda dos sistemas de pagamento instantâneo. Comparado a sistemas similares de outros países, o Pix destaca-se por sua programabilidade, permitindo a integração com contratos inteligentes e futuras moedas digitais. Enquanto sistemas como o Fast Payment System (FPS) da Inglaterra registram maiores taxas de fraude, o Pix mantém uma segurança elevada, com apenas 7 fraudes a cada 100 mil operações, em comparação com 30 fraudes nos cartões de crédito. Este nível de segurança e eficiência coloca o Pix como um modelo a ser seguido por outros países.

O sucesso do Pix oferece valiosas lições para a implementação do Drex. Primeiramente, a importância de desenvolver um sistema que atenda às necessidades dos usuários finais é crucial. A programabilidade e a capacidade de integrar contratos inteligentes, que foram fatores chave no sucesso do Pix, devem ser mantidas e aprimoradas no Drex. Além disso, o foco na segurança e na inclusão financeira são aspectos que não podem ser negligenciados. O Banco Central deve garantir que o Drex seja um sistema robusto, seguro e acessível a toda a população, aprendendo com os desafios e as vitórias do Pix.

Implicações jurídicas e regulatórias

A implementação do Drex exige um marco regulatório robusto e abrangente, capaz de abordar as complexidades e os riscos associados a uma moeda digital estatal. O BC, em conjunto com outras autoridades reguladoras, precisa estabelecer diretrizes claras sobre a emissão, circulação e utilização do real digital, garantindo que ele opere dentro de um ambiente seguro e regulado. Este marco deve incluir normas sobre a proteção de dados dos usuários, combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, e medidas de segurança cibernética.

O Projeto de Lei 80/23, atualmente em debate no Senado, é uma peça central para a regulamentação do Drex. Este PL propõe a criação de uma estrutura legal que aborde os aspectos técnicos e operacionais do real digital. Entre suas principais disposições estão a definição dos direitos e responsabilidades dos usuários, mecanismos de supervisão e controle, e medidas para garantir a transparência e a segurança das transações. As implicações são vastas, afetando desde instituições financeiras até usuários finais, exigindo um equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais.

A legislação deve garantir que os dados pessoais e financeiros sejam protegidos contra acessos não autorizados e usos indevidos. Medidas como a anonimização de dados e o uso de criptografia avançada são essenciais para manter a confidencialidade das transações. Além disso, a segurança jurídica deve ser assegurada através de normas claras que definam as responsabilidades das partes envolvidas e os mecanismos de resolução de disputas, garantindo a confiança dos usuários no sistema.

Spacca

Além do do BC, outros órgãos reguladores, como a CM (Comissão de Valores Mobiliários) e a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), também têm um papel importante na supervisão do Drex, assegurando que ele opere em conformidade com as leis e regulamentos vigentes. A cooperação entre essas entidades é fundamental para o sucesso e a segurança do real digital.

Drex na prática

A implementação do Drex segue um plano estratégico que inclui diversas fases de testes piloto. Esses testes têm como objetivo avaliar a viabilidade técnica e operacional antes de seu lançamento definitivo. Em abril de 2023, iniciou-se a primeira fase do piloto, com instituições financeiras selecionadas para participar dos testes. Durante essa fase, foram realizados experimentos controlados para analisar o desempenho do sistema, a segurança das transações e a usabilidade da plataforma.

Na segunda fase, iniciada esse mês, as instituições participantes estão ampliando o escopo dos testes, incluindo casos de uso mais complexos, como transferências de ativos e contratos inteligentes. Esta etapa é crucial para identificar possíveis falhas e realizar ajustes necessários, garantindo que o Drex seja robusto e confiável antes de sua implementação em larga escala.

A participação das instituições financeiras é fundamental para o sucesso do Drex. Bancos, fintechs e outras entidades financeiras desempenham um papel crucial na implementação e adoção da moeda digital. Durante os testes piloto, essas instituições foram responsáveis por testar e validar diferentes aspectos do sistema, fornecendo feedback valioso para o BC.

Outrossim, a cooperação entre o setor público e privado é essencial para a criação de um ecossistema financeiro integrado e eficiente. As instituições financeiras estão colaborando com o Banco Central para desenvolver novas soluções e produtos financeiros baseados no Drex, promovendo a inovação e a competitividade no mercado.

O feedback dos usuários finais é uma parte integral do processo de desenvolvimento do Drex. Durante os testes piloto, os participantes foram incentivados a compartilhar suas experiências e sugestões de melhoria. Esse feedback é analisado pelo BC e pelas instituições financeiras envolvidas, resultando em ajustes e aprimoramentos contínuos no sistema.

Entre as melhorias propostas estão a otimização da interface do usuário, a melhoria da escalabilidade do sistema para suportar um maior volume de transações e a implementação de medidas adicionais de segurança para proteger os dados dos usuários. Essas melhorias são essenciais para garantir que o Drex atenda às expectativas dos usuários e se torne uma ferramenta eficaz no sistema financeiro brasileiro.

IA e monetização de dados

A inteligência artificial pode ser utilizada para aprimorar a segurança, a eficiência e a personalização dos serviços financeiros. Em termos de segurança, algoritmos de IA são capazes de detectar padrões de comportamento suspeito e prevenir fraudes em tempo real. Esse tipo de monitoramento contínuo é essencial para garantir a integridade das transações realizadas com o Drex.

Ainda, a IA pode otimizar a experiência do usuário ao oferecer serviços personalizados. Com base na análise de dados financeiros, a IA pode sugerir produtos financeiros adaptados às necessidades específicas de cada usuário, melhorando a inclusão financeira e a satisfação dos clientes. Outro benefício importante é a automação de processos financeiros, que reduz custos operacionais e aumenta a eficiência do sistema.

A monetização de dados financeiros é uma oportunidade estratégica para o BC com o Drex. Dados gerados a partir das transações podem ser analisados para oferecer insights valiosos sobre comportamentos de consumo, tendências de mercado e riscos financeiros. Essas informações podem ser comercializadas para instituições financeiras, empresas de tecnologia e outras partes interessadas, criando novas fontes de receita.

No entanto, a monetização de dados deve ser realizada com responsabilidade, garantindo a privacidade dos usuários e a conformidade com as leis de proteção de dados. A transparência sobre como os dados são coletados, armazenados e utilizados é crucial para manter a confiança dos usuários no sistema. O BC precisa estabelecer diretrizes claras sobre a monetização de dados, equilibrando o potencial econômico com a proteção dos direitos individuais.

A implementação bem-sucedida dessas tecnologias requer uma infraestrutura robusta, investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento, e uma colaboração estreita entre o setor público e privado. Além disso, a rápida evolução das tecnologias de IA e de big data exige uma atualização constante das capacidades técnicas e regulatórias para acompanhar as inovações e mitigar riscos emergentes.

Os desafios incluem a necessidade de proteger a privacidade dos dados, garantir a segurança cibernética e desenvolver modelos de IA que sejam transparentes e justos. O BC deve adotar uma abordagem proativa para enfrentar esses desafios, promovendo a inovação ao mesmo tempo em que protege os interesses dos usuários e a estabilidade do sistema financeiro.

Críticas e controvérsias

Enquanto as criptomoedas tradicionais, como o Bitcoin, operam de forma descentralizada, oferecendo maior autonomia aos usuários, o Drex é controlado pelo BC. Críticos argumentam que essa centralização pode levar a um aumento do controle estatal sobre as finanças dos cidadãos, potencialmente limitando a liberdade individual e a privacidade financeira.

Os opositores da centralização destacam que o controle centralizado pode ser usado para monitorar e até mesmo restringir transações, impondo políticas que podem não estar alinhadas com os interesses dos usuários. Há também preocupações de que o governo possa utilizar o Drex para implementar políticas monetárias de forma mais direta, como a imposição de juros negativos ou a restrição de acesso a fundos em situações de crise.

A possibilidade de abusos de poder e controle é uma preocupação significativa associada ao Drex. A capacidade do governo de monitorar e controlar todas as transações financeiras pode ser vista como uma ferramenta poderosa, mas também perigosa. Em regimes autoritários, por exemplo, esse controle pode ser utilizado para suprimir a dissidência política, bloquear contas de opositores e manipular o sistema financeiro para manter o poder.

Adicionalmente, a centralização do Drex pode facilitar a imposição de políticas monetárias que afetam negativamente a população, como a implementação de impostos ou taxas adicionais sem a devida consulta pública. Para mitigar esses riscos, é essencial que existam mecanismos robustos de governança e supervisão, garantindo que o Drex seja utilizado de forma transparente e justa, respeitando os direitos dos cidadãos.

Quando comparado a sistemas descentralizados, o Drex apresenta vantagens e desvantagens distintas. As criptomoedas descentralizadas oferecem maior privacidade e autonomia aos usuários, mas muitas vezes carecem de estabilidade e regulamentação, o que pode levar à volatilidade e riscos financeiros. O Drex, por outro lado, beneficia-se da supervisão do Banco Central, garantindo maior estabilidade e segurança.

No entanto, a falta de descentralização pode ser vista como uma limitação, especialmente para aqueles que valorizam a privacidade e a autonomia financeira. Sistemas descentralizados, como o Ethereum, permitem a criação de aplicativos financeiros inovadores sem a necessidade de intermediários, enquanto o Drex opera dentro de um quadro regulatório mais restrito. A escolha entre centralização e descentralização depende das prioridades de cada usuário, seja a segurança e a estabilidade ou a autonomia e a inovação.

Especialistas e entidades de defesa do consumidor têm opiniões variadas sobre o Drex. Alguns veem a moeda digital como uma evolução necessária do sistema financeiro, capaz de trazer inovação, eficiência e inclusão financeira. Eles destacam os benefícios da integração de tecnologias avançadas e a capacidade do Banco Central de garantir a segurança e a estabilidade do sistema.

Por outro lado, há aqueles que expressam preocupações sobre os riscos de centralização e os potenciais abusos de poder. Entidades de defesa do consumidor enfatizam a necessidade de proteção robusta da privacidade e a garantia de que os direitos dos usuários sejam respeitados. O equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos direitos individuais é um tema central nas discussões sobre o Drex, exigindo uma abordagem cuidadosa e inclusiva por parte do BC.

Futuro do Drex

O objetivo é criar um ecossistema financeiro digital que ofereça não apenas transações seguras e eficientes, mas também serviços financeiros avançados, como contratos inteligentes e pagamentos programáveis. O desenvolvimento contínuo de inovações tecnológicas é crucial para o futuro do Drex.

Isso inclui a implementação de soluções avançadas de segurança cibernética, o aprimoramento da escalabilidade do sistema para suportar um maior volume de transações e a integração de tecnologias como a IA e a blockchain. Essas inovações não só melhorarão a funcionalidade do Drex, mas também aumentarão a confiança dos usuários no sistema, posicionando o Brasil como um líder em tecnologia financeira.

O Drex está em constante evolução, com melhorias contínuas sendo implementadas com base no feedback dos usuários e nas necessidades do mercado. Futuras evoluções podem incluir a expansão do uso de contratos inteligentes, a introdução de novos produtos financeiros baseados no Drex e a melhoria da interoperabilidade com outros sistemas de pagamento digital. Essas melhorias visam tornar o real digital mais versátil e acessível, promovendo sua adoção ampla e eficaz.

Para garantir o sucesso do Drex, é essencial que o BC continue a adotar uma abordagem proativa e colaborativa, envolvendo todos os stakeholders no processo de desenvolvimento e implementação. Recomenda-se que a autoridade monetária mantenha um foco constante na proteção dos direitos dos usuários, na transparência das operações e na promoção da inovação tecnológica. Além disso, a colaboração internacional e a troca de experiências com outros países que implementam moedas digitais pode fornecer insights valiosos e contribuir para o aprimoramento contínuo do Drex.

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  • e advogada especializada em Direito Civil e Processo Civil, com pós-graduação em Direito Tributário pela PUC-RS, fundadora do escritório Gilmara Nagurnhak Advocacia & Assessoria Empresarial.

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