Opinião

A advocacia republicana

Autor

  • Luiz Gonzaga Belluzzo

    é doutor em economia e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e de Ciência e Tecnologia de São Paulo.

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22 de agosto de 2024, 6h31

O filósofo-sociólogo Richard Sennet nos ofereceu um livro admirável, o Declínio do Homem Público. Em suas digressões, Sennet se arrisca a palmilhar o labirinto da modernidade. Nessas veredas  se entrechocam os impulsos do individualismo agressivo e a incontornável submissão às regras e instituições das sociedades que se pretendem inspiradas em Rousseau, Montesquieu e outros arquitetos do Iluminismo.

Montesquieu dizia que há insanidade na substituição da força da lei pela presunção de virtude auto alegada. Jean-Jacques, o Rousseau, escreveu no Discurso sobre a Economia Política:

“O corpo político, tomado individualmente, pode ser considerado como um corpo organizado, vivo, assemelhando-se ao do homem. O poder soberano representa a cabeça; as leis e costumes são o cérebro, a fonte dos nervos e sede do entendimento, vontade e sentidos, dos quais os juízes e magistrados são os órgãos: comércio, indústria e agricultura são a boca e o estômago que preparam a comum subsistência; a renda pública é o sangue, que uma economia prudente, na execução das funções do coração, faz com que se distribuam através de todo o corpo nutrição e vida…”

Nosso Brasil tem sido protagonista de episódios que espantam e inquietam o Espírito Iluminista- Republicano. Hoje o país se defronta com demandas dos respeitáveis representante do povo que habitam o Parlamento. As emendas de deputados e senadores destinadas a realizar projetos individuais afronta os princípios que deveriam governar a gestão do Orçamento Público. Daí é derramada a renda pública, o sangue, que uma economia prudente, na execução das funções do coração, faz com que se distribuam através de todo o corpo nutrição e vida…”.

Sinto-me constrangido e devo confessar pejo diante de tão abusivo desrespeito aos princípios construídos ao longo de séculos para governar a construção e utilização do assim chamado dinheiro público.

Ideais individualistas

Os mesmos “ideais individualistas” — aqueles que circulam nas mídias corporativas com intensa repercussão nas redes antissociais e alimentam a privatizar os recursos públicos — não raro atiram às costas da Constituição de 1988 a responsabilidade por uma alegada crise estrutural das finanças públicas.

Na visão reacionária, os direitos econômicos e sociais acolhidos na Constituição excedem a capacidade de financiamento do Estado Brasileiro. As demandas das camadas subalternas e dependentes, dizem eles, não cabem no Orçamento.

Divulgação

Há quem diga, no entanto, que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. É uma avaliação equivocada. Submetidos ao longo de mais de quatro séculos, à dialética do obscurecimento, aos paradoxos grotescos que regiam e ainda comandam a vida política e as relações de poder numa sociedade oligárquica, os brasileiros, incluídos os subalternos, deram na Constituinte os primeiros passos para alcançar os direitos do indivíduo moderno. Hoje os brasileiros aspiram à liberdade não só porque têm direito a escolher seu presidente mas, sobretudo, porque anseiam exercer sua cidadania, o que ultrapassa a simples condição de eleitor.

No exercício da Advocacia Republicana, Warde Advogados assinou a Ação Direta de Inconstitucionalidade com Medida Cautelar patrocinada pelo PSOL  contra as Emendas Constitucionais nº 86/2015, nº 100/2019, nº 105/2019 e nº 126/2022 (doc. 04).

Não posso deixar de mencionar os advogados que assinaram a ADI republicana: Walfrido Jorge Warde Júnior, Rafael Valim, Pedro Serrano, Gustavo Marinho de Carvalho, Valdir Moysés Simão e Diana Carolina Biseo Henriques.

Estes senhores republicanos afirmam:

“[a] captura do orçamento público obsta a concretização do planejamento e coordenação de políticas públicas e de alocação de recursos públicos, de forma eficiente e efetiva, na dinâmica democrática e republicana, e, portanto, para o alcance dos objetivos fundamentais da República, expressos, por exemplo, nos artigos 3º e 43 do texto constitucional.”

Registra, ainda, que “a captura do orçamento alcançou níveis recordes e, para 2024, a previsão é de que o volume de emendas corresponda a 20,03% do total de discricionárias e com ela todos os seus efeitos nocivos: dificulta o ajuste fiscal, o planejamento e execução de políticas públicas, o equilíbrio das contas públicas e, até mesmo, o desempenho da economia no longo prazo”.

Autores

  • é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990). Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século 20 no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. Em 2005, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano (Prêmio Juca Pato).

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