Processo administrativo, paridade e projeto de novo contencioso tributário
18 de agosto de 2024, 8h00
A Emenda Constitucional 132/2023, que vem sendo chamada de emenda da reforma tributária, apresentou mudanças significativas no sistema tributário pátrio, o que, consequentemente, afeta diretamente o subsistema processual administrativo.
A existência de um contencioso administrativo tributário regido por normas gerais, apesar de assegurado no artigo 24 da Constituição [1], nunca havia sido formatada no sistema processual tributário brasileiro [2]. No entanto, a ausência da edição de norma dessa natureza gerou lacuna no campo tributário, fazendo com que cada ente político editasse suas regras em seus moldes e especificações.
Importância da paridade
Em nosso sentir, normas gerais de contencioso administrativo, porque suas instâncias possuem a atribuição de verificar a legalidade do auto de infração e exigência do crédito tributário, devem fixar meios de protocolo, instâncias de defesa, recursos cabíveis, uniformizar prazos e, especialmente, tratar do tema da paridade na composição das turmas dos conselhos ou tribunais administrativos tributários.
Pensamos que a paridade na composição dos órgãos julgadores dos conselhos ou tribunais administrativos é instrumento de concretização do pacto federativo [3], além do fato de que a composição variada das câmaras fomenta um debate de melhor qualidade técnica, produzindo decisões mais direcionadas à realidade fática dos casos concretos tributários.

Rodrigo Dalla Pria anota em sua obra que 96% dos contenciosos administrativos brasileiros possuem representantes do sujeito passivo, enquanto somente 77% destes são paritários [4].
Ao analisar a composição dos contenciosos estaduais, dentre aqueles que possuem previsão de uma instância superior somente Amazonas, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina permitem presidente de origem classista. Contudo, somente Santa Catarina [5] e Rio Grande do Sul possuem presidentes em posição equidistantes, Rio de Janeiro [6] e São Paulo [7] possuem previsão de presidente podendo ter origem em representantes do fisco ou dos contribuintes e Amazonas prevê alternância anual. Por sua vez, Pernambuco [8] possui especificidade, uma vez que possui julgadores concursados, cabendo ao Secretário de Fazenda a escolha do presidente.
Note-se que dentre os 27 contenciosos estaduais, somente seis têm presidência de câmara superior ocupada por representante não fazendário. A relevância de tal constatação diz com o fato de, tradicionalmente, a instância superior do órgão de contencioso administrativo tributária possuir competência dúplice, isto é, de uniformização de jurisprudência e de instância revisora. Logo, no caso de empate de votos, o desempate caberá ao presidente, o que causa certa perplexidade. Isso porque limitar o desempate a ato de representante fazendário implica violação ao tratamento isonômico que se deve dispensa tanto ao contribuinte quanto ao fisco no controle de legalidade dos atos administrativos. Por que a decisão final nessa específica hipótese deve ser sempre em favor do Fisco? Na dúvida, por que não deve prevalecer o princípio in dubio pro reo?
Comitê gestor
A formatação de um contencioso administrativo tributário constituído por profissionais equidistantes, cientes de sua responsabilidade no exercício do controle de legalidade dos atos que promovem a exigência tributária, exige que sejam dotados de conhecimento técnico. É isso, exatamente, que se espera para o novo contencioso que vem sendo formatado à luz da reforma tributária com a formatação do Comitê Gestor do IBS, mas que, contudo, parece que não consolidar-se-á.
Segundo o substitutivo apresentado na Câmara dos Deputados ao PLP 108 de 2024, a instância superior do Comitê Gestor, que inicialmente seria composta exclusivamente por representantes dos entes políticos tributantes, também terá representantes dos contribuintes. Essa alteração mostra-se importante, pois os julgamentos dos incidentes de uniformização e pedido de retificação de julgado serão realizados por representantes de todos os sujeitos envolvidos na obrigação tributária oriunda do IBS, pronunciamentos esses que assumirão caráter vinculante.
A riqueza técnico-jurídica dos julgamentos paritários no ambiente do processo administrativo tributário se concretiza na experiência prática dos representantes do fisco e do contribuinte, no diálogo que promovem ao discutir as questões postas nas discussões sobre o crédito tributário, daí ter andado bem a Câmara dos Deputados em promover a inclusão de representantes dos contribuintes na Câmara Superior do contencioso do IBS.
[1] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico
[2] Admitimos, como Rodrigo Dalla Pria preleciona, que processo administrativo tributário é subsistema de direito tributário, fundamento esse suficiente para concluir no sentido da edição de normas gerais para o tema. Vejamos suas lições:
“Diante disso, a competência para dispor sobre “direito tributário processual” é estabelecida pelas regras veiculadas nos arts. 24, inciso I §1º a 4º e 146, inciso III, da CF/88, que atribuem poder legiferante concorrente aos entes políticos para dispor sobre a matéria de tributos, incluídas, neste escaninho, as regras atinentes ao controle interno da atividade impositiva, isto é, normas sobre processo administrativo-tributário”. DALLA PRIA, Rodrigo. In Direito Processual Tributário. 3 edição. São Paulo: Noeses, 2024.
[3] A presença desse valor pode ser verificada nos regramentos específicos de cada órgão. Trata-se de importante característica, refletindo, inclusive os ideais do Princípio Republicano, ao passo que possibilita a participação da sociedade civil e do fisco na composição das câmaras de julgamentos, trazendo à mesa elementos que enriquecem o debate com núcleos de preferência diversos para o ato de decidir. TELES, Galderise Fernandes. A nova formatação do Contencioso Administrativo Tributário: Breve Comentários ao Artigo 156-B da Constituição Federal. In CARVALHO, Paulo de Barros, Coord. A reforma do Sistema Tributário Nacional sob a perspectiva do Constructivismo Lógico-Semântico: o texto da Emenda Constitucional 132/2023 São Paulo: Noeses, 2024.
[4] DALLA PRIA, Rodrigo. In Direito Processual Tributário. 3 edição. São Paulo: Noeses, 2024, p. 746.
[5] Art. 14. O Presidente e o Vice-Presidente do TAT/SC serão livremente escolhidos e nomeados pelo Chefe do Poder Executivo entre pessoas equidistantes da Fazenda Pública e dos contribuintes, bacharéis em Direito e de reconhecido saber jurídico tributário.
[6] Art. 19. O Presidente do Conselho será nomeado pelo Governador do Estado por indicação do Secretário de Estado de Fazenda e Controle Geral.
Parágrafo único. O Presidente do Conselho age em nome do órgão, nas funções administrativas de caráter interno e o representa oficialmente perante as demais autoridades e repartições, de acordo com as normas constantes da legislação
[7] Artigo 10. O Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal serão designados pelo Secretário da Fazenda, dentre os juízes, por proposta do Coordenador da Administração Tributária.
[8] Art. 8°. O Presidente do TATE será designado pelo Secretário da Fazenda, dentre os titulares efetivos e estáveis do cargo de JATTE, lotados definitivamente no referido Tribunal.
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