Opinião

Papel do coordenador de sustentabilidade em empréstimos sindicalizados

18 de agosto de 2024, 15h26

A integração e sopesamento de aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG) na análise e concessão de crédito por instituições financeiras é uma das recentes novidades do mercado de crédito.

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Especialmente no mercado de empréstimos internacionais de alto valor, comumente celebrados de forma sindicalizada, nota-se a crescente popularização de sustainability linked loans (empréstimos ligados à sustentabilidade), modalidade que se diferencia de instrumentos como empréstimos verdes (green loans) ou títulos verdes (green bonds) por não consistir necessariamente no financiamento de projetos sustentáveis, mas sim por vincular as condições econômicas do contrato ao atingimento de indicadores de performance ASG pré definidos.

Empresas brasileiras que, ao buscarem crédito no exterior, optarem pela celebração de um mútuo ligado à sustentabilidade, devem se familiarizar com a figura do coordenador de sustentabilidade e/ou agente de estruturação sustentável, uma das novidades presentes nessa modalidade de empréstimo.

Empréstimos sindicalizados ligados a sustentabilidade

Empréstimos sindicalizados ligados à sustentabilidade possuem, como característica principal, o condicionamento dos termos econômico-financeiros do contrato ao atingimento de objetivos predeterminados de desempenho de sustentabilidade.

Em suma, indicadores de performance — key performance indicators (KPI) — e objetivos de performance sustentável (sustainability performance targets) são delimitados pelo devedor e sindicato de credores. Caso estes sejam atingidos pelo mututante, as condições econômicas do contrato são mantidas.

Buscando guiar os integrantes do mercado e atribuir maior consistência aos instrumentos contratuais que vêm sendo celebrados nos últimos anos, a Loan Market Association, publicou os Sustainability Linked Loan Principles e, em 2023, um modelo próprio de contrato de empréstimo sindicalizado sustentável , que passarou a guiar os integrante do mercado de crédito e consolidou a figura do coordenador de sustentabilidade.

Coordenador de sustentabilidade e/ou agente de estruturação sustentável

Cerca de 50% dos empréstimos sindicalizados vinculados à sustentabilidade celebrados entre 2017-2021 incluíram um coordenador de sustentabilidade.

Trata-se de função que pode ser exercida por um ou mais bancos credores mediante indicação do devedor, não sendo obrigatória a aceitação, em que pese haver certa pré-disposição dos mutuários para exercício do cargo diante da taxa de remuneração pelo desempenho da função.
Em tese, o coordenador/agente de sustentabilidade não é parte do contrato de empréstimo, costumeiramente exercendo o cargo até a assinatura do termo e sendo indicado por meio de carta de nomeação.

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Alguma das provisões comumente previstas nos termo de mandato são: as funções e deveres do coordenador; os valores e modo de remuneração; eventuais indenizações oferecidas pelo mutuante ao coordenador por perdas decorridas do exercício da função; obrigação de cooperação do devedor com o coordenador de sustentabilidade, principalmente no tocante à divulgação de informações; declarações de fato do mutuante com o coordenador, inclusive mas não limitadas as informações apresentadas anteriormente a celebração do mútuo; os termos de encerramento do mandato de coordenador; regras de confidencialidade e sigilo; restrições à divulgação/marketing do contrato sem o devido consentimento do devedor.

O termo de nomeação é amplamente negociado entre as partes e possui minutagem bastante protetiva ao coordenador, assemelhando-se com o termo de nomeação de arranjador à medida que visa descaracterizar qualquer tipo de relação de fidúcia, agência ou atuação unicamente com base nas informações passadas pelo coordenador.

Os deveres e funcões podem variar dependendo da operação e da negociação entre as partes, mas é comum que o termo de nomeação inclua disposições como:

(a) auxílio na seleção de KPIs (key performance indicator ou indicadores de performance) e na calibração de SPTs (sustainability performance targets ou objetivos de performance de sustentabilidade);

(b) auxílio na estruturação do contrato; assessoramento as partes para que a transação esteja alinhada aos princípios de sustentabilidade;

(c) intermediação do diálogo com o sindicato;

(d) saneamento de dúvidas específicas do sindicato em relação ao caráter ASG do empréstimo, especialmente diante dos receios de possível existência de greenwashing; e

(e) preparação de pacotes de informações e apresentações aos mutuantes, abordando as características e termos do empréstimo ligado à sustentabilidade.

O coordenador de sustentabilidade também pode ter atribuições durante a duração do contrato, por exemplo, caso seja necessário recalibrar os KPI/SPT durante o empréstimo, além de possuir postura ativa, não somente na organização do empréstimo, principalmente quando acumular as funções de arranjador e coordenador, mas também na análise e cálculo dos indicadores de sustentabilidade do devedor.

Em que pese a postura mais ativa na fase pré-contratual, isto é, de negociação do contrato diante da necessidade de mitigação da assimetria informacional entre mutuantes e mutuário, nada impede que o agente de sustentabilidade cumule as funções de arranjador ou de agente convencional do sindicato, atuando ativamente também durante a execução do mútuo no desempenho de outras funções.

Conclusão

Com o desenvolvimento das práticas comerciais e a maior utilização de empréstimos sindicalizados ligados à sustentabilidade, espera-se que as funções e responsabilidades do coordenador de sustentabilidade tornem-se mais claras, assim como o modo de documentação.
Não obstante, resta claro que coordenador de sustentabilidade é essencial para a caracterização do empréstimo como sustentável, posto que atua ativamente na delimitação dos objetivos e indicadores de performance, além de fazer uma análise preliminar do perfil de sustentabilidade do mutuário, por isso atenção no momento de escolha do coordenador e delimitação de suas funções é essencial.

 


Referências

ASSOCIATION OF CORPORATE TREASURERS. A Borrower’s Guide to Sustainability-Linked Loan Principles. Londres. 2023. Disponível em: https://www.slaughterandmay.com/media/etda2jpf/act_borrower_s_guide_to_sustainability_linked_loan_terms_4541pdf.pdf . Acesso em: 30 de jul. de 2024

LOAN MARKET ASSOCIATION. Guidance on Sustainability-Linked Loans Principles. Londres. 2023, p.2. Disponível em: https://www.lsta.org/content/sustainability-linked-loan-principles-sllp/. Acesso em: 30 de jul. de 2024

LOAN MARKET ASSOCIATION. LMA publishes model provisions for sustainability-linked loans. Londres, 04 Mai 2023. Disponível em: https://www.lma.eu.com/news-publications/press-releases?id=204, acesso em 28 de mar. de 2024

LOAN MARKET ASSOCIATION. Sustainability-linked Loans Principles. Londres. 2021. Disponível em: https://www.lsta.org/content/sustainability-linked-loan-principles-sllp/. Acesso em: 30 de jul. de 2024.

LOUMIOTI, M.; SERAFEIM,G. The Issuance and Design of Sustainability-linked Loans. Harvard Business School Working Paper Nº 23-027. Nov. 2022. Disponível em: https://www.hbs.edu/ris/Publication%20Files/23-027_4b09d278-4051-468e-a5d9-eb0e7c50c25d.pdf. Acesso em: 30 de jul. de 2024.

ZHANG,C; GARVEY,P. Big swings in 2023, but global sustainable finance remains in rude health. Banco ING. Londres, 8 ago. 2023. Disponível em: https://think.ing.com/articles/big-swings-in-2023-but-global-sustainable-finance-remains-in-rude-health/#:~:text=Global%20sustainable%20finance%20product%20issuance,potential%20to%20exceed%202022%27s%20volume.. Acesso em: 16 de mar. de 2024.

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