Opinião

O regime societário da SAF para os clubes de futebol (parte 2)

Autores

  • é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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  • é ex-árbitro da Fifa e comentarista dos canais ESPN.

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17 de agosto de 2024, 6h04

Continuação da parte 1

TEF (Regime de Tributação Específica do Futebol)

O artigo 31º da lei prevê a solução do grande problema da Lei Pelé, que inicialmente exigiu a constituição de clube empresa com tributação plena, contra a associação civil, sem tributação. Neste artigo há a previsão do regime tributário específico para as SAFs, ou seja, para os clubes de futebol:

Art. 31. A Sociedade Anônima do Futebol regularmente constituída nos termos desta Lei fica sujeita ao Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). (Promulgação partes vetadas)

§ 1º O regime referido no caput deste artigo implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições, a serem apurados seguindo o regime de caixa:

I – Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);

II – Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep);

III – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);

IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e

V – contribuições previstas nos incisos I, II e III do caput e no § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Lei da Seguridade Social.

O artigo 32º determina a alíquota do imposto e a base de cálculo para o devido recolhimento aos cofres público sem guia única, na modalidade do já existente Simples Nacional:

Art. 32. Nos 5 (cinco) primeiros anos-calendário da constituição da Sociedade Anônima do Futebol ficará ela sujeita ao pagamento mensal e unificado dos tributos referidos no § 1º do art. 31 desta Lei, à alíquota de 5% (cinco por cento) das receitas mensais recebidas.   (Promulgação partes vetadas)

§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, considera-se receita mensal a totalidade das receitas recebidas pela Sociedade Anônima do Futebol, inclusive aquelas referentes a prêmios e programas de sócio-torcedor, excetuadas as relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas.

§ 2º A partir do início do sexto ano-calendário da constituição da Sociedade Anônima do Futebol, o TEF incidirá à alíquota de 4% (quatro por cento) da receita mensal recebida, compreendidos os tributos referidos no § 1º do art. 31 desta Lei, inclusive as receitas relativas à cessão dos direitos desportivos dos atletas.

A lei prevê o recolhimento de 5% do total da receita bruta mensal nos primeiros cinco anos e depois a alíquota é reduzida para 4%.

Trata-se de mais um benefício fiscal ao futebol, pois nenhuma outra atividade empresarial com porte de faturamento dos clubes de futebol tem uma tributação tão baixa. Comparando, entretanto, com a tributação das associações civis, há um ganho ao Estado, com recebimento maior de tributos do que o que recebe das associações civis e previsão da responsabilidade tributária das SAFs.

Espera-se com isso que os clubes de futebol, através das SAFs, possam cumprir com suas obrigações tributárias e não precisem mais do socorro do Estado em questões fiscais.

PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional e Social)

A Lei da SAF exige uma contrapartida para todas as sociedades que são constituídas ou convertidas para este regime societário, com benefício de tributação baixa.

Os artigos 28 e 29 regulamente quais são as contrapartidas sociais das SAFs:

Art. 28. A Sociedade Anônima do Futebol deverá instituir Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE), para, em convênio com instituição pública de ensino, promover medidas em prol do desenvolvimento da educação, por meio do futebol, e do futebol, por meio da educação.

§ 1º A Sociedade Anônima do Futebol poderá investir, no âmbito das obrigações do Plano de Desenvolvimento Educacional e Social, mas não exclusivamente:

I – na reforma ou construção de escola pública, bem como na manutenção de quadra ou campo destinado à prática do futebol;

II – na instituição de sistema de transporte dos alunos qualificados à participação no convênio, na hipótese de a quadra ou o campo não se localizar nas dependências da escola;

III – na alimentação dos alunos durante os períodos de recreação futebolística e de treinamento;

IV – na capacitação de ex-jogadores profissionais de futebol, para ministrar e conduzir as atividades no âmbito do convênio;

V – na contratação de profissionais auxiliares, especialmente de preparadores físicos, nutricionistas e psicólogos, para acompanhamento das atividades no âmbito do convênio;

VI – na aquisição de equipamentos, materiais e acessórios necessários à prática esportiva.

§ 2º  Somente se habilitarão a participar do convênio alunos regularmente matriculados na instituição conveniada e que mantenham o nível de assiduidade às aulas regulares e o padrão de aproveitamento definidos no convênio.

§ 3º  O Programa de Desenvolvimento Educacional e Social deverá oferecer, igualmente, oportunidade de participação às alunas matriculadas em escolas públicas, a fim de realizar o direito de meninas terem acesso ao esporte.

Ives Gandra da Silva Martins

Sobre a obrigação de firmar convênios com o setor público, visando à formação escolar dos jovens, vale destacar a importância que o futebol tem de estar muito além do campo de jogo. Por ser o Brasil popularmente conhecido como o país do futebol, é necessário o atendimento aos jovens que sonham em se tornar jogadores profissionais de futebol e, haja vista a ilusão de ganhar dinheiro e dar uma condição financeira melhor para a família, torna-se necessário que eles sejam preparados para a sociedade, mesmo diante da frustração de não se profissionalizarem no futebol.

Art. 29. Além das obrigações constantes da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, para as entidades de práticas desportivas formadoras de atletas e das disposições desta Seção, a Sociedade Anônima do Futebol proporcionará ao atleta em formação que morar em alojamento por ela mantido:

I – instalações físicas certificadas pelos órgãos e autoridades competentes com relação à habitabilidade, à higiene, à salubridade e às medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres;

II – assistência de monitor responsável durante todo o dia;

III – convivência familiar;

IV – participação em atividades culturais e de lazer nos horários livres; e

V – assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças.

No artigo 29º, a lei manteve as obrigações dos clubes de futebol na formação de atletas, conforme previsto na Lei Pelé, 9.615/98, transferindo as mesmas obrigações para as SAF e exigiu qualificação do centro de treinamento e alojamento para os jovens jogadores.

Portanto, a Sociedade Anônima de futebol tem responsabilidade total na formação dos jovens jogadores, proporcionando ao atleta em formação que morar no alojamento, que ela mantém, as condições adequadas de moradia. Busca-se, assim, evitar alojamentos inadequados como é possível encontrar em algumas associações civis.

Dívidas da associação civil

Este é o ponto crítico da Lei da SAF para clubes que se convertem de associação cível para o regime de Sociedade Anônima do Futebol, principalmente após passados quase três anos da promulgação da lei e com várias adesões de alguns clubes que estavam endividados. Os credores criticam o prazo alongado e a dificuldade de recebimento.

A lei prevê a execução centralizada, disponibilizando em um único Juízo as dívidas em execução para otimizar e simplificar o cumprimento dos acordos judiciais. É sabido que as más gestões do passado, com contratações de jogadores, períodos de crise, financiamentos com juros altos, despesas superiores ao arrecadado, sempre geraram endividamento e não cumprimento das obrigações por parte dos clubes.

Houve, pois, um divisor de águas: antes e depois da Lei da SAF, concedendo um prazo para pagamento das dívidas do passado, sem interferir no dia a dia das finanças da nova sociedade.

Sálvio Spínola, ex-árbitro de futebol, comentarista de arbitragem e advogado

As SAFs concedem uma oportunidade a muitos clubes para tentar se reestruturar e sair da crise. A transformação em clube empresa traz a possibilidade de os clubes recorrerem à recuperação judicial ou extrajudicial, instituto já previsto no ordenamento jurídico brasileiro e que concede prazo para sanear as finanças, sem impacto nos negócios e sem afetar o caixa diário, evitando bloqueio judicial e cobrança total da dívida.

Para os clubes é uma solução, mas para os credores é um problema, por alongar demais o prazo para recebimento, mesmo a lei definindo prioridades para recebimento, como idosos, gestantes e outros.

Financiamentos das SAFs

Outra grande vantagem para a Sociedade Anônima de Futebol foi a possibilidade de captar recursos por meio de emissão de debêntures, denominadas “debêntures-fut”, e com características próprias, conforme previsto no artigo 28º da lei.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que regula o mercado de capitais, já normatizou as SAFs, emitindo o Parecer de Orientação nº 41 com orientações ao mercado e aos investidores.

O importante é ser mais uma opção para captação de recurso com investidores, onde estes aplicariam seu capital quando enxergarem governança na sociedade e perspectiva de retorno no investimento.

Modelos no exterior

A comunidade europeia já opera com clube empresa e investidores estrangeiros, permitindo aporte de capitais para incremento do elenco de jogadores de renome com valor patrimonial elevado.

A SAF criada no Brasil é similar ao modelo adotado em Portugal, onde foi criada a SAD (Sociedade Anônima Desportiva), com o objetivo de salvar os principais clubes portugueses que estavam endividados no fim do século passado, regime societário que foi implantado no ordenamento jurídico português em 1997.

Atualizações na Lei da SAF

Está em tramitação no Senado o PL 2978/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, que usou da experiência dos modelos de SAF adotados e das primeiras decisões judiciais para justificar alguns ajustes na lei, com seguintes objetivos: i) dirimir dúvidas para atrair investimentos e permitir o desenvolvimento do futebol; ii) conciliar os interesses envolvidos; e iii) reforçar a segurança jurídica dos contratos.

As alterações propostas buscam, portanto, aperfeiçoar a governança das entidades desportivas e resguardar os investidores, trazendo mais segurança jurídica no mercado de capitais.

Conclusões

Passados quase três anos da nova legislação das Sociedades Anônimas do Futebol, mais de 50  clubes aderiram a este novo regime societário e inúmeros outros de grande, médio e pequeno porte também desejam fazê-lo, demonstrando, assim, que a lei, que atende a todos, foi aceita pela comunidade do futebol.

Também é notório o interesse de investidores, aportando mais capital na indústria do futebol e tendo um incremento de pessoas que nunca atuaram no ramo, participando com aporte de capital.

Com esta mudança não há outro caminho que não seja a governança profissional, modelo de gestão que também pode ser implantado no clube constituído em forma de associação civil pela concorrência entre eles no campo de jogo. Ter um time de futebol constituído na forma de SAF não é uma obrigação; tem suas vantagens e desvantagens, sendo o interessado quem vai optar pelo melhor modelo societário.

Vale ressaltar, entretanto, que ter gestão profissional nos times de futebol, com normas rígidas de governança, é uma obrigação em qualquer modelo societário, sob pena de o clube não ganhar jogos e nem campeonatos.

Por ser uma atividade com especificidades próprias, se faz necessário a administração pública ter uma agência reguladora da indústria do futebol ou departamento de fiscalização integrado entre a Receita Federal e o Banco Central, com criação de obrigações acessórias que possam ser auditados de forma eficiente a movimentação financeira e o resultado contábil das SAFs.

Autores

  • é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de S. Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

  • é ex-árbitro de futebol credenciado pela Fifa, advogado com especializações em Direito Desportivo e em Direito Tributário, pós-graduado em gestão do Futebol pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), professor na ESA (Escola Superior da Advocacia) e conselheiro no Conselho Superior de Direito da Fecomércio–SP.

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