Opinião

Publicada a segunda cautelar do STF sobre os cursos de medicina

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16 de agosto de 2024, 15h23

Em agosto de 2024, logo após o recesso do STF (Supremo Tribunal Federal) e após recurso de embargos feito pela associação que havia proposto uma ação constitucional, foi publicada a segunda cautelar da ADC 81-DF. Esta decisão, proferida pelo relator, ministro Gilmar Mendes, em dezembro de 2023, foi ratificada pelo plenário apenas em julho de 2024, motivo pelo qual foi publicada agora.

Estácio

Foi publicada, como dito, logo após um recurso que abordou a necessidade da divulgação do acórdão, aparentemente com a intenção de validar uma norma já revogada. O texto do recurso, tecnicamente bem redigido, revela um ressentimento contra aqueles que, segundo a associação, “agem de forma ladina para obter aquilo que não têm direito”. Ironicamente, o próprio recurso parece ser uma tentativa astuta de validar algo que já não existe mais.

Defesa da norma revogada

Na abertura, os embargos abordam uma questão de ordem, solicitando a publicação do acórdão referente a uma segunda medida cautelar na ADC 81-DF, proferida em dezembro de 2023, que mencionou que “a Portaria Seres/MEC 397/2023, com redação dada pela Portaria Seres/MEC 421/2023, se adequa à primeira [primeira] cautelar proferida”. O objetivo desse pedido seria defender uma nova norma que, paradoxalmente, revogou a norma em questão.

O tema é um pouco complexo, por isso vale aqui uma explicação: a Portaria 397, editada em outubro de 2023, introduziu uma restrição ilegal que o STF considerou superada devido às modificações introduzidas pela Portaria 421. Entretanto, no mesmo dia da publicação desta decisão, o MEC revogou aquelas normas e estabeleceu uma nova barreira regulatória: a Portaria Seres/MEC 531/2023. Agora, a associação embargante busca a publicação da segunda cautelar do STF para tentar aplicá-la aos processos que discutem a abertura de novos cursos de medicina.

Embora a associação tenha o direito de levantar essa questão de ordem, é notável que ela negligencia o fato de que as normas discutidas pelo Supremo já foram revogadas, o que torna inócua a publicação da segunda cautelar no que tange àquelas portarias específicas. De fato, a decisão acabou sendo publicada em 15 de agosto de 2024, mas nada mudou.

Essa interpretação é consistente com a jurisprudência consolidada do STF, que afirma que “nos termos da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, a revogação ou alteração substancial da norma impugnada e o exaurimento dos efeitos de normas temporárias conduzem à extinção do processo de controle normativo abstrato por perda superveniente de seu objeto (STF. Trecho da ementa da ADPF: 717 DF, relator: Dias Toffoli, Data de Julgamento: 10/10/2022, Tribunal Pleno). Assim, a primeira parte do recurso parece se assemelhar a um pedido vazio, que, em princípio, não produziria qualquer resultado prático.

Conteúdo da segunda decisão cautelar do STF

A medida cautelar publicada é, na verdade, uma decisão complexa e bem fundamentada. Nela, o STF reconheceu as competências do MEC, mas fez questão de sublinhar a necessidade de uma análise “caso a caso”, com respeito ao contraditório, ao princípio da duração razoável do processo e ao devido processo legal administrativo.

Spacca

Entretanto, na mesma data em que este julgado foi publicado, o MEC publicou a Portaria 531, que nada dizia sobre o contraditório e claramente buscava uma padronização no lugar da análise “caso a caso”. Nesse sentido, a decisão recentemente publicada não confirma, mas de fato afasta a norma criada pelo Ministério da Educação. De fato, a norma tem problemas relativos à definição do objeto da necessidade social (cidade ou região de saúde) e à limitação de vagas, o que a torna discrepante, senão afrontosa, em relação ao que foi decidido na ADC 81-DF.

Em um trecho, parcialmente destacado nos embargos, o ministro Alexandre de Moraes dá evidências de que deve ser respeitada a aplicação das normas no tempo. Enquanto a embargante destaca que o ministro cita apenas a Portaria 531, o importante seria frisar que houve menção a várias normas, de períodos diferentes. Isso demonstra sensibilidade para com o princípio do tempus regit actum, valorizando-se cada regra em seu tempo, não apenas a norma nova.

Segundo Moraes, em seu voto de vista:

A regulamentação infralegal do tema é estabelecida pela Portaria Normativa 2/2013, do Ministério da Educação, que estabelece ‘procedimentos e o padrão decisório para os pedidos de autorização dos cursos de graduação em medicina ofertados por Instituições de Educação Superior – IES’. Pela Portaria 523/2018, regulando pedidos de aumento de vagas apresentados por instituições que ‘ofertem cursos de Medicina autorizados no âmbito dos editais de chamamento público em tramitação ou concluídos, segundo o rito estabelecido no art. 3º da Lei nº 12.871, de 2013, ou ofertem cursos de Medicina pactuados no âmbito da política de expansão das universidades federais’. Pela Portaria 1.061/2022, que dispõe sobre ‘fluxo, os procedimentos e o padrão decisório dos atos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores de medicina’; pela Portaria 1.771/2023, também regulando o processamento de pedidos de ampliação de vagas, e a Portaria SERES 531/2023, que visa a ajustar a regulamentação do tema ao conteúdo da decisão cautelar proferida nos presentes autos.”

Essas portarias, que tratam de temas correlatos, só podem ter sido mencionadas para demonstrar que não há uma regra única aplicável. Pensar de outra forma é reduzir o voto a interesses casuísticos. Além disso, é preciso considerar que a segunda cautelar do STF tratou de preocupações reais com o devido processo legal, não sendo, de forma alguma, um libelo a favor de normas restritivas.

Uma parte do julgado, por exemplo, é uma ordem direta ao MEC: “A análise, pelo MEC, da existência de interesse social no âmbito dos processos administrativos de instalação/aumento de vagas cujo trâmite foi assegurado por força de decisão judicial deve ocorrer à luz das características particulares de cada caso concreto, garantido o contraditório, a razoável duração do processo e todos os demais consectários da cláusula do devido processo legal administrativo”. Este excerto da ementa não denota qualquer validação de procedimentos; ao contrário, impõe retidão que aparentemente não estava ocorrendo.

O final da ementa da nova publicação também trata de procedimento, mas desta vez dirigindo-se ao Poder Judiciário. Na decisão está escrito: “A apreciação de demanda judicial relativa a curso de medicina que veio a ser instalado, no curso da tramitação da presente ação direta[…] deve necessariamente levar em consideração o decidido nestes autos, em especial os termos da medida cautelar concedida em 7.8.2023 e, sobretudo, a decisão final a que chegar este Tribunal na apreciação definitiva das ações”.

Esta ordem foi importante porque já existiam decisões judiciais inovando, especialmente para determinar arquivamento ou discutir a vigência da decisão do STF. Agora, todos os cursos que decorrem de processos judiciais deverão seguir até a análise final, utilizando em parte as regras do programa Mais Médicos, e o Judiciário deverá resguardar esse direito.

Conclusão

A segunda cautelar do STF não reforça normas restritivas nem valida regras que ainda não foram apreciadas pela Suprema Corte. Diante disso, os recentes embargos apresentados na ADC 81-DF representam uma tentativa deliberada de reinterpretação das normas e da decisão do STF, com o objetivo de criar obstáculos adicionais à abertura de novos cursos de medicina. Porém, o recurso teve, sim, um efeito relevante: a publicação do julgado.

A decisão publicada é, enfim, uma questão de ordem, um necessário ajuste processual. Judiciário e MEC devem tratar de garantir os direitos de todos os envolvidos, inclusive das instituições que possuem pedidos de autorização pendentes de análise. Até porque, a cautelar ratificada não se trata de uma modulação para contenção, mas de uma garantia dos direitos daqueles que foram afetados pela moratória e pela inércia do MEC e da AGU, citadas no acórdão principal da ADC 81-DF.

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