Necessidade de instauração de IDPJ nas execuções trabalhistas e fiscais
16 de agosto de 2024, 16h20
Após o ministro Dias Toffoli apresentar voto no julgamento do Tema nº 1.232 das repercussões gerais — no qual se discute a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, em fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico e que não participou do processo de conhecimento —, no que foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Gilmar Mendes, a solução da controvérsia no Supremo Tribunal Federal será reiniciada em razão de pedido de destaque formulado pelo ministro Cristiano Zanin, conforme noticiado recentemente por esta ConJur.
Apesar do leading case em questão não tratar de matéria de natureza tributária, entendemos que o julgamento deverá ser acompanhado com especial atenção pelos colegas que militam na área.
O STF se debruçará sobre a seguinte questão ao julgar o Tema nº 1.232 das repercussões:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal, acerca da possibilidade da inclusão, no polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em alegado afastamento do artigo 513, § 5º, do CPC, em violação à Súmula Vinculante 10, e, ainda, independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC).
Como se nota, apesar da natureza da discussão ser trabalhista, fato é que ela se apoia em dispositivos do Código de Processo Civil (aplicados de forma subsidiária às ações trabalhistas), em especial à regra disciplinada no artigo 513, § 5º, do CPC, que assim estabelece:
Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código. (…)
§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

Ora, da mesma forma que o Código de Processo Civil é aplicado de forma subsidiária às ações trabalhistas, também o é às execuções fiscais, por disposição expressa do artigo 1º da Lei nº 6.830/80, de modo que as conclusões que serão alcançadas pelo STF no julgamento do Tema nº 1.232 das repercussões gerais possivelmente afetarão as ações de cobrança ajuizadas pela Fazenda Pública.
Pois bem.
Como a execução fiscal não possui uma fase judicial prévia para formação do título executivo que será alvo do cumprimento de sentença, deve o artigo 513, § 5º, do CPC ser interpretado conforme o rito próprio das execuções fiscais/formação do crédito tributário.
Formação de sentença
Sabemos que a fase de conhecimento no processo civil destina-se a formar adequadamente o título executivo judicial — seja, a sentença —, fazendo-se necessária, portanto, para que tal título se revista dos seus requisitos / atributos formais, quais sejam: certeza, liquidez e exigibilidade.
Os conceitos de tais atributos são explicados por Fredie Didier Jr. da seguinte forma:
Segundo esclarece Pontes de Miranda, a ‘certeza do crédito é a ausência de dúvida quanto à sua existência, tal como está no título executivo’. Há, enfim, certeza ‘quando o sistema jurídico que incide, especial e intertemporalmente, tenha como criável tal crédito; que tal crédito possa ter o objeto que se diz ter”. (…)
Diz-se líquido o crédito quando, além de claro e manifesto, dispensa qualquer elemento extrínseco para se aferir seu valor ou para determinar seu objeto. (…)
Ao lado da certeza e da liquidez, cumpre que haja, ainda, a exigibilidade. Para que haja exigibilidade, é preciso que exista o direito à prestação (certeza da obrigação) e que o dever de cumpri-la seja atual. (…) [1]
Da compreensão dos conceitos de “certeza”, “liquidez” e “exigibilidade”, conclui-se com facilidade que o procedimento administrativo de lançamento (disciplinado no Código Tributário Nacional e no Decreto nº 70.235/72) é justamente o responsável por conferir tais atributos à CDA com relação ao crédito tributário.
O lançamento tributário como ferramenta necessária a conferir certeza e liquidez ao título executivo é disciplinado no artigo 142 do CTN:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável [certeza], calcular o montante do tributo devido [liquidez], identificar o sujeito passivo [certeza] e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Já a apuração de exigibilidade está disposta no artigo 9º do Decreto nº 70.235/72, senão vejamos:
Art. 9º A exigência do crédito tributário [exigibilidade] e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.
Execução fiscal
Por isso, uma interpretação do artigo 513, § 5º, do CPC à luz das regras que regem a formação do título que embasará a execução do crédito tributário leva a apenas uma única possível conclusão, qual seja: se a execução civil (e também a trabalhista, conforme será definido pelo Supremo no julgamento do Tema nº 1.232) não pode ser promovida contra o corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento, tampouco poderia a execução fiscal ser promovida contra o responsável tributário que não participou do procedimento administrativo de lançamento.

É bem da verdade que uma leitura dos votos apresentados até o momento no leading case revela uma tendência de que o STF chegue à orientação no sentido de que a não participação do executado na fase de conhecimento poderá ser suprida com a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ).
Vejamos, nesse sentido, o seguinte trecho do voto apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes, em que acompanha o entendimento perfilhado pelo relator:
Desse modo, é primordial que, considerando não ter a empresa executada participado do processo de conhecimento, a ela se abra a possibilidade de, no processo de execução, produzir provas para, ao menos, se contrapor à alegação de ser pertencente ao mesmo grupo econômico do empregador direto do reclamante. Aqui, não se trata de revolver toda a matéria já debatida na fase de cognição, mas sim de permitir àquele que pode ter os seus bens constritos para satisfazer à execução de demonstrar que não preenche os requisitos legais.
Corrobora esse entendimento a inclusão, na CLT, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho pela Lei 13.467/2017.
Entendemos que a instauração de IDPJ na execução fiscal é, sim, necessária para apuração de responsabilidade tributária, especialmente quando o terceiro apontado como responsável não participou da “fase de conhecimento”, ou seja, do processo de lançamento do crédito.
No entanto, devemos chamar atenção que a instauração do IDPJ para fins de responsabilidade tributária deverá necessariamente se atentar aos prazos decadenciais para lançamento e prescricionais para cobrança do crédito tributário, sob pena de eternizar no tempo a responsabilidade de terceiro, o que não é autorizado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Por fim, dos votos apresentados pelos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, devemos destacar o seguinte:
- Se o IDPJ poderá fazer as vezes do procedimento de lançamento tributário para fins de apuração de responsabilidade, ao terceiro apontado como responsável devem ser garantidas as mesmas prerrogativas que o sujeito passivo detém na esfera administrativa — ou seja, a suspensão da exigibilidade do crédito contra si enquanto tramita o IDPJ, sem que seja necessária a apresentação de qualquer garantia, afastando-se, assim, a possibilidade de medidas constritivas até a decisão final do incidente; e
- o racional do julgamento do Tema nº 1.232 das repercussões gerais poderá influenciar diretamente o julgamento, pelo STJ, do Tema nº 1.209 dos recursos repetitivos, no qual se definirá se os ritos da execução fiscal e do IDPJ são compatíveis.
[1] Curso de direito processual civil – Execução. Vol. 5. Editora JusPodivm, pp. 153/154
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