O artigo 85, §1º, do Código de Processo Civil prevê que são devidos honorários advocatícios “na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente”. Com base nisso, em 2020, no REsp nº 1.845.536/SC, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao abordar a condenação do ônus sucumbencial em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), concluiu pelo seu descabimento [1].
A ministra relatora Nancy Andrighi concluiu que, no caso lá analisado (encerramento irregular da pessoa jurídica), (1) apesar de a parte ter obtido êxito na improcedência do IDPJ, teria sido ela quem motivou a instauração do incidente, (2) a credora apenas utilizou-se das ferramentas processuais que estão à sua disposição para recebimento de seu crédito; e (3) por mais que a condenação ao pagamento de honorários advocatícios esteja diretamente relacionada aos princípios da sucumbência e da causalidade (uma vez que objetiva reparar ou diminuir o dano gerado pela necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para o reconhecimento de direito, além de responsabilizar aquele que deu causa ao ajuizamento da demanda), a causalidade deve prevalecer sobre a sucumbência.
O voto vencedor do ministro Marco Aurélio Bellizze, porém, apesar de estar em consonância com a conclusão acima, divergiu do fundamento utilizado, sob justificativa de que é dispensável a análise da causalidade e sucumbência, uma vez que a decisão de extinção de incidente não está presente no rol do artigo 85, caput e §1º do CPC, bem como que não há natureza sentencial, nos termos do artigo 136 do CPC.
Virada
Esse entendimento jurisprudencial prevaleceu nos últimos anos, tendo sido aplicado de forma recorrente no STJ e nos tribunais estaduais [2]. Contudo, em 2023, no REsp nº 1.925.959/SP, a 3ª Turma do STJ revisitou seu entendimento e concluiu pelo cabimento de fixação de honorários advocatícios sucumbenciais no IDPJ [3].

Assim o fez por entender que o IDPJ foi incluído no capítulo das intervenções de terceiros, tendo como principal objetivo a formação de litisconsórcio, com ampliação subjetiva da lide para incluir terceiro no polo passivo (podendo ser exercitado na petição inicial, nos termos do artigo 134, §2º do CPC, ou em outras fases processuais).
Dessa forma, a improcedência do pedido formulado em sede de IDPJ resultaria na não inclusão do terceiro, o que foi equiparado à exclusão da parte em situação que integrava a relação processual desde o início, ensejando, assim, a fixação de verba sucumbencial em favor daquele que foi indevidamente chamado a litigar em juízo (caso contrário, o advogado do terceiro, a quem se pretendia estender a responsabilidade, não faria jus a honorários sucumbenciais, apesar de ter obtido êxito em sua defesa).
Já em caso de procedência do IDPJ, o vencido responderá pelos honorários como litisconsorte da empresa que teve sua personalidade jurídica desconsiderada, conforme artigo 87 do CPC; ou seja, trata-se de entendimento similar ao que se aplica às exceções de pré-executividade [4].
Taxatividade
Por fim, concluiu o STJ que o rol previsto no artigo 85, §1º não é exaustivo, mas apenas exemplificativo, ante o entendimento de que princípio da sucumbência responsabiliza o vencido ao pagamento dos honorários do advogado do vencedor em todas as ações ou incidentes resolvidos conclusivamente.
Conclusão
Apesar de não se tratar de entendimento definitivo, considerando que o acórdão do caso em referência foi objeto de embargos de divergência, e não ter efeito vinculante, essa alteração do entendimento jurisprudencial do STJ é muito relevante e, como não poderia deixar de ser, já impactou o Poder Judiciário, inclusive porque trouxe diferentes frentes para discussões acerca da aplicação do CPC e seus princípios, inclusive na perspectiva da “litigiosidade responsável”; que é essencial para seu devido funcionamento do Poder Judiciário [5].
[1] REsp nº 1.845.536/SC (2019/0322178-0). Após o voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhando a divergência, a 3ª Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do ministro Marco Aurélio Bellizze, que lavrou o acórdão. Vencida a ministra Nancy Andrighi. Votaram com o ministro Marco Aurélio Bellizze os ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro (presidente).
[2] Exemplos: (1) TJ-SP, AI nº 2146433-07.2021.8.26.0000, Des. Rel. Theodureto Camargo, 8ª Câmara de Direito Privado, j. 21/9/22, publ. 22/9/22; (2) TJ-DF; Ed no AI nº 0704079-43.2022.8.07.0000, des. rel. Fátima Rafael, 3ª Turma Cível, j. 18/8/22; publ.: 5/9/22; (3) TJ-RS, AI nº 5081698-30.2023.8.21.7000, des. rel. Liege Puricelli Pires, 17ª Câmara Cível; j. 2/10/2023, publ.: 9/10/23; (4) TJ-RN, AI nº 0807618-67.2019.8.20.0000, des. rel. Homero Lechner de Albuquerque; 1ª Câmara Cível; j. 5/2/21; publ. 5/2/21.
[3] REsp nº 1.925.959/SP (2021/0065960-5). Após o voto-vista do ministro Moura Ribeiro, decide a 3ª Turma, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do ministro relator. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva lavrou o acórdão. Votou vencida a ministra Nancy Andrighi. Os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o ministro relator.
[4] “Segundo a orientação jurisprudencial pacífica desta Corte Superior, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais pelo exequente quando acolhida exceção de pré-executividade, ainda que parcialmente” (STJ, AgRg no REsp 1.192.233/GO, min. rel. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 16/2/16, publ. 19/2/16).
[5] Prof. Flávio Luiz Yarshell assinala que: “Naturalmente, ao incluir pessoas no polo passivo da demanda, o autor atrai para si potenciais encargos correspondentes: o demandante responderá não apenas pelo reembolso de custas, mas pelos honorários de advogado dos demandados; isso sem falar em eventuais multas e até indenização por prejuízos. Portanto, não sirva a prerrogativa trazida pela lei para confusão indevida entre débito e responsabilidade; nem inchaços insensatos do polo passivo da relação processual. O autor deve agir de forma séria e apresentar demanda fundada – quer no tocante ao débito, quer no tocante à responsabilidade” (Comentários ao novo Código de Processo Civil / coordenação Antonio do Passo Cabral, Ronaldo Cramer. – 2ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 235; grifei).