Impacto do ambiente de trabalho na saúde dos profissionais de segurança pública
15 de agosto de 2024, 18h30
A saúde dos profissionais de segurança pública é um tema que raramente recebe a devida atenção. Quando falamos sobre isso, quase sempre nos limitamos à saúde mental, especialmente após algum episódio trágico ou marcante. Embora a saúde mental seja crucial, precisamos abrir o leque da discussão para outras questões que também afetam profundamente esses profissionais.
É claro que a abordagem da saúde mental dos profissionais da segurança pública no Brasil é muito importante, porém, existem outras vertentes da saúde que merecem igual atenção do público e dos governantes.
Neste artigo, vamos focar em um aspecto muitas vezes ignorado, qual seja: o ambiente de trabalho do profissional de segurança pública. Não é novidade que muitos policiais no Brasil enfrentam condições deploráveis no dia a dia. No entanto, a ligação entre essas condições e o adoecimento físico dos profissionais ainda é pouco explorada e nosso objetivo aqui é apenas iniciar esse debate e chamar a atenção para essa situação.
De acordo com Ray Kurzweil [1] “Os ambientes de trabalho […] podem causar impacto sobre a saúde de muitas maneiras. Por exemplo, os zeladores de campos de golfe apresentam maior incidência de linfoma não-Hodgkins, câncer de próstata e de cérebro e doença neurológica. Seu trabalho envolve exposição prolongada a pesticidas, fungicidas, herbicidas e fertilizantes[…]” [2].
Diante disso, indago: qual seria o impacto na saúde física dos profissionais da segurança pública no Brasil ao prestarem serviços nas seguintes situações?
“unidades policiais cheias de mofo, abarrotadas de bens apreendidos, sem iluminação adequada, banheiros fétidos, sem estrutura adequada para armazenamento de armamentos, munições e explosivos, com equipamentos de informática obsoletos, com ventilação comprometida (janelas que não abrem; ventiladores que não funcionam; ar-condicionado sem o mínimo de manutenção…), cadeiras quebradas e sem ergonomia, mesas improvisadas, mancas e sujas, paredes imundas, manutenção precária de limpeza (alguns dias da semana, apenas, quando muito), salas abarrotadas de documentos e pastas que só fazem acumular poeira, fornecimento de água precário e sem manutenção (quando existente), enfim, e isso é apenas o ambiente interno, se formos para o ambiente externo vamos explorar viaturas caindo aos pedaços, enferrujadas, antigas, muitas até com sistema de abertura de janelas e portas estragados, longo período de exposição ao sol sem fornecimento e uso de protetor solar, equipamentos de segurança individual vencidos e/ou ausentes, enfim, a lista é bastante longa…”
Por exemplo, qual seria o percentual de risco de desenvolver algum tipo de câncer por trabalhar exposto a substâncias químicas existentes em munições e explosivos? Qual seria o risco de contrair algum tipo de doença respiratória por trabalhar em ambientes insalubres? Qual seria o risco aumentado de apresentar diminuição da acuidade visual por ser submetido ao trabalho com equipamentos de informática obsoletos ou em ambientes sem iluminação adequada? Qual o percentual de aumento no risco de desenvolver câncer de pele por trabalhar exposto ao sol sem o fornecimento de protetor solar?
Infelizmente, quase não existem estudos que se dedicaram a responder essas questões. Não me entendam mal, mas embora a saúde mental dos policiais seja um tópico recorrente, pouco se fala sobre como o ambiente de trabalho contribui para doenças físicas dos profissionais de Segurança Pública.
Levantamento da UnB

Após muito pesquisar localizei um “estudo” denominado “Saúde na Segurança Pública: Indicadores e Diretrizes para Intervenções no âmbito do Programa Nacional de Qualidade de Vida para os Profissionais de Segurança Pública – Pró-Vida” [3] que foi conduzido pela Universidade de Brasília. No estudo é possível verificar alguns aspectos relacionados a óbitos de profissionais da segurança pública em decorrência de doenças mentais e físicas, tanto no âmbito do trabalho ou fora dele, porém em razão dele, mas não há qualquer correlação entre o ambiente de trabalho e o incremento de doenças e/ou óbitos decorrente dele.
Nesse estudo existem alguns levantamentos feitos com relação ao local de trabalho, tais como: I- acessibilidade para portadores de deficiência física, visual e auditiva; II – infraestrutura e manutenção do local de trabalho; III – Área para prática de atividade física… enfim, porém, não há qualquer levantamento feito entre essas circunstância e o potencial que elas têm em aumentar ou diminuir o risco de desenvolvimento de doenças e, a partir disso, qual conduta os governantes deveriam adotar para melhorar o ambiente e a condição de trabalho desses profissionais.
Passou da hora
Diante disso, concluímos: já passou da hora de o Estado, entidades de classe, entidades não governamentais e a própria sociedade se preocuparem com o adoecimento dos profissionais de segurança pública pois, da forma como as coisas estão se desenvolvendo, não demora chegar o dia em que teremos mais profissionais afastados do trabalho por alguma questão de doença desenvolvida por prestar serviço em condições adversas à saúde do que profissionais efetivamente trabalhando, e ninguém quer isso, ou será que quer?
[1] Diretor de engenharia do Google.
[2] KURZWEIL, Ray. GROSSMAN, Terry. A medicina da imortalidade, 3ª edição. São Paulo. Aleph, 2019. Pag.211.
[3] Disponível em https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/7366/3/sa%C3%BAde%20na%20seguran%C3%A7a%20p%C3%BAblica.pdf, acesso em 08/08/24 às 09:20h.
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