PREVENÇÃO DE DESASTRES

STF valida regra que limita uso de investigação de acidente aéreo em ações

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14 de agosto de 2024, 19h17

Para que acidentes aéreos sejam evitados, é necessário que as informações coletadas durante a investigação sobre as causas de um desastre sejam tratadas de forma segregada, sem que haja preocupações com possíveis implicações penais.

Prevaleceu no julgamento o voto do relator do caso, ministro Nunes Marques

Esse entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que considerou nesta quarta-feira (14/8) constitucionais os dispositivos do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86) alterados pela Lei 12.970/2014.

As alterações restringiram o uso de análises e conclusões do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) como provas em procedimentos judiciais e administrativos, condicionando essa utilização à autorização judicial.

Prevaleceu o voto do relator, ministro Nunes Marques, que considerou as alterações constitucionais. O ministro Flávio Dino divergiu parcialmente, mas ficou vencido.

Ação

A ação foi ajuizada por Rodrigo Janot quando ele era procurador-geral da República. Janot questionou a limitação ao uso como prova na Justiça dos dados de apurações de acidentes, além das restrições para a polícia e o Ministério Público acessarem os destroços das aeronaves.

Segundo a ação, as restrições violam o direito ao acesso à Justiça, à ampla defesa e ao contraditório, impedindo que advogados de pessoas afetadas por acidentes atuem e limitando o poder do MP.

Por fim, alegou Janot, as restrições impostas pela lei de 2014 configuram, na prática, uma negação da Justiça, já que colocam barreiras ao acesso a provas.

Voto do relator

Para Nunes Marques, a globalização e o aumento da utilização do transporte aéreo trazem a necessidade de estabelecimento de regras e padrões internacionais, a fim de garantir uniformidade, segurança e cooperação entre países na prestação de serviços aéreos.

“A circunstância de que os modelos de aeronaves e demais equipamentos aéreos são fabricados por poucas empresas no mundo também torna a padronização de procedimentos um fator de grande importância para a segurança aérea: o acidente que é bem investigado em um local pode resultar na aquisição de conhecimentos para a prevenção de outros acidentes semelhantes no futuro.”

O ministro destacou que o Brasil é signatário da Convenção de Chicago, que trata da aviação civil internacional e criou regramento sobre acidentes aéreos, privilegiando investigações que tenham como objetivo evitar novos desastres.

“De acordo com o item ‘5.4.1’, todo procedimento judicial ou administrativo para determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente da investigação de acidente aeronáutico. Essa norma orientou a introdução do modelo dualista de investigação de acidentes aeronáuticos, composto pelo sistema policial-judiciário e pelo sistema de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos.”

Nunes Marques também considerou constitucionais trechos da norma de 2014 segundo os quais a investigação do Sipaer tem precedência sobre as demais apurações. De acordo com o ministro, órgãos especializados em aviação devem ter preferência, levando em conta que as demais atuações podem até danificar provas por falta de conhecimento técnico sobre equipamentos aeronáuticos.

Por fim, o magistrado considerou constitucional o sigilo estabelecido em investigações do Sipaer. O objetivo, disse ele, é evitar que depoimentos importantes para solucionar acidentes acabem não sendo dados por medo de consequências no âmbito judicial.

“Os sigilos estabelecidos para a investigação do Sipaer têm por objetivo, essencialmente, evitar que depoimentos autoincriminatórios (que podem ter grande importância para a segurança aérea) sejam usados no processo penal. Ora, todo tipo de autoincriminação, não sendo uma confissão espontânea e consciente, viola, isso sim, o devido processo legal.”

Divergência

Flávio Dino abriu divergência quanto aos trechos que estabelecem que a investigação do Sipaer tem preferência sobre as demais. De acordo com ele, nada impede que o sistema faça seu trabalho simultaneamente à atuação da Polícia Federal e do Ministério Público. Para ele, os dispositivos acabam deixando de lado os direitos dos familiares de vítimas de acidentes aéreos.

“O acesso aos vestígios, ao material, pode ser concomitante. Por que o perito da PF tem de aguardar autorização do perito da aeronáutica? Creio que há uma perda de eficiência.”

Para Dino, esse tipo de subordinação contraria o princípio do devido processo legal, a inafastabilidade da jurisdição e os deveres do juiz da garantia, responsável por autorizar o acesso a provas.

Clique aqui para ler o voto de Nunes Marques
ADI 5.667

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