Infra e Controle

A subcontratação na Lei das Estatais

Autores

  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

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  • Fernanda Leoni

    é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC) especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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14 de agosto de 2024, 11h20

A questão da subcontratação nos contratos administrativos sempre foi uma matéria controversa, na medida em que envolve a delegação, a terceiro não integrante da relação principal, da execução de parcela do objeto de contrato obtido por meio de um procedimento licitatório, sem que esse terceiro muitas vezes passe pelos mesmos rígidos procedimentos de seleção empregados pela Administração Pública. Nesse sentido, questões relacionadas à isonomia e à moralidade permeavam o debate sobre o tema de forma concomitante a uma classificação sobre serem (ou não) os contratos administrativos de natureza personalíssima, empregando a taxonomia da Teoria Geral dos Contratos.

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As disposições legais sobre a matéria também não ajudavam muito na solução da controvérsia, visto que a Lei Federal nº 8.666/1993 não regulava adequadamente a situação, apenas indicando a possibilidade de subcontratação nos limites autorizados pela Administração Pública [1], bem como esclarecendo que a subcontratação total ou parcial, formalizada sem a autorização do contratante, poderia ser causa de rescisão do contrato administrativo [2]. Atualmente, as normas da Lei Federal nº 14.133/2021 são mais claras quanto aos limites e providências de formalização da subcontratação, ainda que reservem boa parte das soluções sobre a temática à discricionariedade do Poder Público [3].

Ocorre que relativamente aos contratos firmados com empresas estatais, à luz das disposições do Estatuto aprovado pela Lei Federal nº 13.303/2016, as disposições relacionadas à subcontratação são, em alguma medida, bem mais restritivas do que aquelas previstas na legislação sobre licitações públicas. A redação das diretrizes normativas sobre o tema chama a atenção pelo fato de que os contratos celebrados pelas estatais — embora ainda não tenham perdido tal viés na prática cotidiana das relações firmadas com essas pessoas jurídicas — não são propriamente contratos administrativos [4].

As regras gerais acerca da subcontratação em contratos firmados com estatais estão contidas no artigo 78 da Lei nº 13.303/2016, sendo eventualmente complementadas pelos regulamentos internos de licitações e contratações editados com base nessa legislação [5]. De acordo com o dispositivo, a subcontratação é permitida nos limites estabelecidos pela estatal em edital, seguindo-se, a princípio, o mesmo racional empregado pela Lei Geral de Licitações.

Análise

Por outro lado, de acordo com o §1º do artigo 78 da Lei das Estatais, a empresa subcontratada deve atender “as exigências de qualificação técnica impostas ao licitante vencedor”, relativamente ao objeto subcontratado, de forma que, pelo menos em termos de comprovação da experiência técnica, as exigências técnicas impostas ao contratado principal — responsável direto perante a contratante — e ao subcontratado serão exatamente as mesmas [6], respeitado o alcance do próprio objeto. A norma não traz disposições adicionais acerca dos demais requisitos de habilitação — jurídica, econômico-financeira e fiscal —, cuja análise fica a critério da estatal contratante.

Não há dúvida de que a disposição legal visa garantir que a subcontratação não comprometa a qualidade do serviço prestado ou o cumprimento do objeto contratual. No entanto, considerando que não há isenção da contratada originária quanto à responsabilidade que mantém pelo escopo principal, exigência tão restritiva em termos de comprovação da qualificação técnica parece um exagero legal, pelo menos quando interpretada de forma literal.

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Outro ponto que chama a atenção é a vedação, trazida pelo artigo 78, §2º, inciso I, de que empresa ou consórcio que tenha participado da licitação seja subcontratado pela licitante vencedora. Essa proibição, que não se mostra muito clara em termos finalísticos [7], aparentemente objetiva impedir o conluio nas contratações realizadas pelas estatais [8], mas poderia ter sido melhor idealizada, ao invés de impor uma presunção de ilegalidade sobre o tema de forma genérica.

É sabido que a subcontratação, se mal gerida, pode afetar negativamente a governança das estatais, seja pelo risco de exposição a práticas escusas do mercado, seja porque a transferência de parte da execução contratual para terceiros pode levar à perda de controle sobre os processos internos e à dificuldade em garantir a qualidade dos serviços prestados. Por outro lado, esses pretensos problemas podem ser superados a partir do fortalecimento de seus mecanismos de controle interno, garantindo que os processos de subcontratação sejam conduzidos com transparência e responsabilidade, não parecendo justificáveis tantas restrições abstratas à figura da subcontratação, que apresenta benefícios atrelados.

Por fim, apesar de alocado no dispositivo que trata das subcontratações, o §3º do artigo 78 da norma está bastante deslocado da temática, determinando que “as empresas de prestação de serviços técnicos especializados deverão garantir que os integrantes de seu corpo técnico executem pessoal e diretamente as obrigações a eles imputadas, quando a respectiva relação for apresentada em procedimento licitatório ou em contratação direta”. Cuida-se, em verdade, de regra geral às empresas que prestem serviços técnicos especializados, não adstrita à hipótese da subcontratação.

Verifica-se, portanto, que a subcontratação na Lei das Estatais representa um desafio significativo para a gestão pública, exigindo uma abordagem crítica e proativa por parte das empresas públicas e sociedades de economia mista, posto que a legislação, a par de enquadrar o instituto como uma ferramenta de eficiência, acabou por restringir sua aplicação, perdendo uma importante oportunidade para que as próprias estatais aprimorassem seus mecanismos de controle e transparência e, por consequência, melhorassem sua gestão e governança.

 

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[1] Cf.: “Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração”.

[2] Cf.: “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (…) VI – a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato (…)”.

[3] Vide, nesse sentido, principalmente as disposições do artigo 122, da NLLC.

[4] Cf.: “As empresas estatais, como pessoas jurídicas de direito privado, em princípio celebram apenas contratos de Direito Privado, desprovidos de cláusulas exorbitantes, salvo no que essas consubstanciarem poderes contratuais unilaterais constantes dos próprios contratos de direito privado (ex.: o poder de denúncia vazia – rescisão unilateral – nos contratos de locação)” (ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Empresas estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 185).

[5] Cf. previsão do artigo 40, da Lei nº 13.303/2016.

[6] Embora a finalidade da análise não seja comparativa, não se pode deixar de mencionar que a NLLC é bem menos restritiva, apenas indicando que “o contratado apresentará à Administração documentação que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos do processo correspondente” (artigo 122, §1º). Inexiste, portanto, obrigatoriedade de que as exigências técnicas sejam as mesmas.

[7] Nesse sentido: Não pode haver subcontratação de quem tenha participado do certame nem de quem tenha participado direta ou indiretamente da elaboração do projeto básico ou executivo do objeto licitado, o que a lei consigna – sem muita objetividade nem precisão, numa espécie de moralismo cego que está tão em moda – para coibir possível mancomunação de interesses entre os licitantes. O objetivo dessa proibição, repita-se, não é muito compreensível, na medida em que, se o preço do contratado está bom para a estatal; se a responsabilidade pela execução é sempre do contratado, e se o subcontratado – participante ou não do certame – está tão habilitado quanto o contratado, então por que tanto cuidado com a pessoa do subcontratado ? Que diferença faz para a estatal quem seja ele ? Trata-se de uma espécie de caça às bruxas antecipada”. (RIGOLIN, Ivan Barbosa. Contratos nas estatais – Lei nº 13.303/2016. Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo , v. 30, n. 9, p. 840-846, set. 2017).

[8] Apesar de bastante restritiva, há, na doutrina, quem defenda tratar-se de regra insuficiente, cujo alcance poderia, inclusive, ser ampliado. Nesse sentido: “Embora seja louvável tal previsão, parece ainda não ser o bastante para lidar com a questão em toda a sua complexidade. Afinal, a Lei nº 13.303/2016 foi silente em também proibir a subcontratação de empresas que, ainda que não tenham efetivamente disputado o contrato, estivessem aptas a fazê-lo e tenham optado por deixar de concorrer. Aparentemente a nova legislação preocupou-se apenas com as empresas que apresentam propostas de cobertura nos procedimentos licitatórios, deixando de trazer solução, no entanto, para aquelas que deliberadamente se omitem de concorrer por já haverem acordado uma subcontratação no futuro” (CARVALHO, Victor Aguiar. O Estatuto das Estatais sob a ótica da Teoria dos Leilões: alguns aprimoramentos para a prevenção à corrupção e aos cartéis nas licitações. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 16, n. 64, p. 175-203, out./dez. 2018).

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

  • é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura, bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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