Condição dos candidatos com contas rejeitadas na irretroatividade da LC 184/2021
13 de agosto de 2024, 13h27
As eleições de de 2024 não consolidarão apenas os representantes eleitos dos quase 5.570 municípios brasileiros, mas enfrentarão questão relevante e ainda não elucidada pelos tribunais: trata-se acerca da possibilidade de retroatividade da Lei Complementar nº 184 de 2021 — que alterou a LC nº 64/1990 para excluir da incidência de inelegibilidade responsáveis que tenham tido contas julgadas irregulares sem imputação de débito e com condenação exclusiva ao pagamento de multa — incidindo em casos consumados anteriormente à sua vigência.
De plano, lembremos que o artigo 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei Complementar nº 64 de 1990 — Lei das Inelegibilidades —, assim define que são inelegíveis para qualquer cargo “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.
Assim, temos, pois, que um dos requisitos indispensáveis para a incidência da causa de inelegibilidade é a ocorrência de decisão irrecorrível do órgão competente para julgar as contas referentes ao exercício de cargos ou funções públicas, competência esta, no caso, exercida pelo Poder Legislativo Municipal.
E tal competência decorre da Carta Magna, especialmente nos seus artigos 49, inciso IX, e 71, inciso I, além da norma específica contida no artigo 31, parágrafo primeiro, relacionada à competência para julgamento das contas, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, à Câmara Municipal.
Consigne-se, ainda, que o supracitado parecer prévio do Tribunal de Contas não vincula — pois, opinativo — a decisão do Legislativo acerca das contas do Chefe do Executivo.
Assim, conclui-se que as contas anuais de prefeito, como gestor e ordenador de despesas, devem ser apreciadas pelo Tribunal de Contas e julgadas pela Câmara Municipal, de modo que a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90, além dos demais requisitos previstos no dispositivo supra elencado, ocorre mediante a rejeição das contas anuais de prefeito — como gestor e ordenador de despesas — pela Câmara Municipal, após exauridos as vias recursais deste órgão.
Contudo, a Lei Complementar nº 184/2021 alterou a supracitada Lei das Inelegibilidades, publicada em 29 de setembro de 2021, conferindo nova redação ao dispositivo legal em comento, bem como propiciando, in totum, o desvio finalístico do próprio legislador originário, senão vejamos:
“(…)
Art. 2º O art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º-A:
“Art. 1º (…)
§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.” (NR)
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”
Note-se que a alteração legislativa em tela propiciou não apenas a “flexibilização” do instituto jurídico constante na norma legal de 1990 — especificamente acerca da rejeição de contas —, mas fez com que, além dos requisitos consignados na alínea ‘g’, a inelegibilidade ali prevista somente será alcançada se as contas forem julgadas irregulares com imputação de débito e desde que não haja sanção exclusiva com pagamento de multa.
Dessa forma, inexistindo determinação quanto ao pagamento de valores, resta afastada a inelegibilidade em questão, bem como torna prejudica a análise dos demais requisitos previstos na alínea ‘g’ do artigo 1o, inciso I, da LC no 64/1990, ressalvando-se o tempo do ato cometido, de modo que a alteração legislativa somente incidirá, s.m.j., nos casos ocorridos após a entrada em vigor da supra norma.
Frise-se que a norma em discussão é recente em nosso ordenamento, razão pela qual a apreciação pelos tribunais e o posicionamento adotado em casos da espécie ainda não ocorreram.
Análise do caso concreto
Analisando específico caso concreto, sob a ótica da norma inserida na LC nº 64/1990, temos que na apreciação das contas do exercício de 2012 do município de Salto, o TCE-SP opinou pela rejeição das contas, emitindo parecer prévio desfavorável à aprovação das contas da Prefeitura de Salto relativas ao exercício de 2012.
Tal apreciação pela corte de contas tão somente determinou “recomendações’, mediante expedição de ofício ao Executivo Municipal, não havendo imputação de débito, menos ainda de sanção relativa ao pagamento de multa.
Contudo, o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, prevê que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, ou seja, a regra em nosso ordenamento jurídico pátrio é que a norma não poderá retroagir, de forma que a nova norma não poderá contemplar as situações constituídas sob a égide da lei modificada.
In casu, promulgado decreto legislativo, em procedimento de análise de contas de gestão do Poder Executivo que desaprovou as contas do exercício financeiro de 2012, houve o ingresso, pelo então mandatário da época, de medida judicial anulatória em 8 de junho de 2016, havendo concessão de liminar a fim de suspender dos efeitos do decreto legislativo em questão em 22 de agosto de 2016, havendo sua revogação, in totum, em 9 de setembro de 2016; sobreveio sentença de improcedência em 26/09/2017, confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, interpostos os respectivos instrumentos às vias recursais, não há, até a presente data, qualquer efeito modificativo da sentença de improcedência, esta prevalecendo no prisma jurídico e produzindo seus efeitos na prática, nos termos da sentença prolatada.
Igualmente, conclui-se que as contas anuais de prefeito, como gestor e ordenador de despesas, devem ser apreciadas pelo Tribunal de Contas e julgadas pela Câmara Municipal, de modo que a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea ‘g’, da LC 64/90, além dos demais requisitos previstos no dispositivo supra elencado, ocorre mediante a rejeição das contas anuais de prefeito – como gestor e ordenador de despesas — pela Câmara Municipal, após exauridos as vias recursais deste órgão.
Ressalte-se, ainda, que um dos requisitos indispensáveis para a incidência da causa de inelegibilidade é a ocorrência de decisão irrecorrível do órgão competente para julgar as contas referentes ao exercício de cargos ou funções públicas, competência esta, no caso, exercida pelo Poder Legislativo Municipal, ou seja, a decisão proferida pela Casa de Leis Municipais está, assim, sob o manto da coisa julgada administrativa.
Incontroverso o fato que em 2012 encontrava-se vigente a versão anterior da aludida Lei Complementar 64/1990, sem a redação do § 4º-A, que não considera como inelegível o gestor que teve suas contas rejeitadas sem imputação de débito e com aplicação somente de multa, previsão esta somente introduzida com a alteração dada pela Lei Complementar 184, de 29 de setembro de 2021.
Aliás, a Lei Complementar nº 184/2021, conforme dispôs expressamente em seu artigo 3º, entrou em vigor na data de sua publicação, em 29 de setembro de 2021, não havendo qualquer menção em seu teor acerca da possibilidade de sua retroatividade.
Outrossim, o trâmite administrativo junto à Câmara Municipal de Salto, além da apreciação pelo TCE-SP, tendo nesta corte de contas decisão com trânsito em julgado ocorrida em 26 de janeiro de 2015, operou-se durante a vigência da Lei Complementar nº 64/1990, inexistindo a alteração estabelecida pela atual Lei Complementar 184 de 2021.
Oportuno esclarecer que o caso concreto supra analisado, embora notório e sendo público o acesso aos respectivos autos — administrativo e judicialmente —, o presente artigo não possui como escopo, especificamente no tocante à situação fática retro analisada, atribuir eventual juízo de valor acerca dos reflexos, eleitoral ou de qualquer outra esfera, aos atos do gestor público em tela ou de qualquer outro indivíduo em situação análoga.
Assim, após consignados os fatos trazidos para análise frente ao novo texto legal objeto deste artigo, conclui-se, e tão somente pela interpretação da norma introduzida, bem como frente à ausência de amparo legal, que a Lei Complementar nº 184/2021 não pode retroagir a fim de salvaguardar atos pretéritos que foram consumados sob a vigência da Lei anterior, que não previa a exclusão da incidência de inelegibilidade aos gestores cuja contas foram rejeitadas sem imputação de débito e nem mesmo sanção de multa.
Processos relacionados
1616/026/12 – TCE/SP
1003336-13.2016.8.26.0526 – TJ/SP
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