Descendente de Carlos Drummond, advogada monta memorial em escritório
12 de agosto de 2024, 7h44
Quem chega ao escritório Tourinho Leal Drummond de Andrade, em Brasília, é recepcionado em um local diferente. Em parte há tudo o que se espera: poltronas, água, máquina de café e uma mesinha de centro. Já a estante, em vez de guardar livros de Direito de capas sem graça, abriga um pedaço da história do poeta, escritor, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade.

Escritório em Brasília homenageia Carlos Drummond de Andrade
Todo o espaço foi feito para isso: há autorretratos de Drummond, fotografias, cartas e um pouco da intimidade do escritor, que nasceu em Minas Gerais, em 1902, e morreu em agosto de 1987 no Rio de Janeiro.
A mesinha de centro abriga obras assinadas de punho próprio pelo poeta e uma raridade: uma edição de Amor, Amores, livro de poemas eróticos de Drummond de Andrade, ilustrado por Carlos Leão, junto com o artístico convite para o lançamento.
A ideia de criar o espaço vem de longa data e partiu da advogada tributarista Rebeca Drummond de Andrade, sobrinha-bisneta do poeta — Flaviano, irmão de CDA, é o bisavô de Rebeca. O altar foi erigido em janeiro deste ano, quando ela abriu a banca com Saul Tourinho Leal, seu sócio e marido.
“Quando chegamos, essa separação, onde agora fica o memorial, já existia. Nós contamos para a arquiteta do nosso desejo de fazer um espaço dedicado ao Drummond e ela disse: ‘Vai ser aqui’”, conta a advogada. Desde então, ela passou a reunir itens da família.
Também pediu ao fotógrafo Rogério Reis cópias de fotos feitas durante uma entrevista dada pelo escritor ao Jornal do Brasil em 1982. Ganhou de brinde a foto em que Drummond aparece sentado em um banco, de frente para a calçada e de costas para o mar. A imagem inspirou a icônica estátua do poeta instalada no calçadão de Copacabana.
A fotografia, afirma Rebeca, ilustra bem quem era o Drummond escritor. Segundo ela, o poeta era menos afeito a abstrações e mais interessado em contar história de gente. “Ele dizia: ‘o mar eu estou ouvindo, mas minha inspiração vem das pessoas’”.
José amava Lili, que amava Sebastião
Uma dessas histórias de gente envolve “José”, um dos mais famosos poemas do escritor, conta a advogada. José existiu, era irmão de Drummond e se apaixonou por sua prima Amarylles Andrade, a Lili.
Havia uma paquera entre os dois e a expectativa da família era que acabasse em casamento. Mas Lili era muito “pra frentex”, não queria corresponder às expectativas de ninguém, e logo dispensou José.
Se no poema “Quadrilha” é contado sobre uma Lili “que não amava ninguém”, a Lili de José começou a gostar de um rapaz de nome Sebastião, com quem noivou, para a tristeza do irmão de Drummond.
“A tia Lili um dia chegou e disse: ‘Cansei do José. Não vou casar com o José. Vou me casar com quem eu quiser. E eu digo mais, sabe o Sebastião? Estou namorando com ele e, se eu casar, vou casar com ele’. Todo mundo ficou: ‘meu Deus, coitado do José. Vai estragar a reputação da família, tem que avisar o José’”, prossegue Rebeca.
A partir daí, a confusão estava feita. “Quando ela anuncia que não vai casar com José, mandam uma mensagem para ele. Aí o José fica doido, pega o cavalo e vai à Itabira (cidade natal de Drummond). Deixaram a Tia Lili em um lugar, e distraíram o José para ele ficar em outro, para que não houvesse esse encontro entre eles e o novo namorado da Lili”, conta a advogada.
Dessa situação, diz, vem o poema “José. “É baseado em um fato. E me arrisco a dizer que quase toda a obra do Drummond retrata algo que realmente aconteceu”.
Tia Lili acabou não se casando com Sebastião. Casou-se com Francisco Lage. Já José nunca mais amou ninguém. Ele não se casou e, ao que consta, também nunca teve filhos.
“A tia Lili é muito famosa na família. Sempre que tem uma mulher que é à frente de seu tempo, nós falamos: ‘olha lá a Lili’. Tia Lili era pianista, culta, muito moderna. Já José era muito bonito, se cuidava, era letrado e tinha uma grande paixão por Lili. Mas eles eram muito diferente. José, dizem, era muito taciturno. O oposto da tia Lili, que era festeira e bem humorada”, diz Rebeca.
Drummond de Andrade
Rebeca não nasceu com o sobrenome do mais proeminente membro de sua família, nem conheceu Drummond — ela nasceu em 1989, dois anos depois da morte do poeta —, mas conhece as histórias que circulam entre os parentes. A mãe conviveu com o poeta e trocava cartas com ele. Uma delas está exposta no espaço dedicado ao escritor.
Rebeca era apenas Müller porque os pais acharam que o nome ficaria muito grande e virou Rebeca Drummond de Andrade depois de se tornar maior de idade, quando pediu a alteração do nome. Enquanto advogada, no entanto, só passou a usar o nome da família em meados de 2019, por dica do ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, um grande fã do poeta.
“Eu assinava Rebeca Müller. Um dia fui despachar com o ministro, ele pegou a capa dos autos e no registro tinha meu nome completo. Aí ele falou assim: Drummond de Andrade? Você é algo dele? Você não tem que assinar Rebeca Müller, tem que assinar Rebeca Drummond de Andrade. Até o nome do escritório foi pensando nisso.”
Manter a memória do escritor ultrapassa o espaço dedicado a Drummond. Estão expostos numa sala próxima, por exemplo, cópia das 21 telas de Candido Portinari baseadas na obra Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Cada tela é acompanhada de um soneto de Drummond.
As telas foram feitas a pedido do editor José Olímpio. Foram feitas em lápis de cor, porque o pintor estava doente, vítima de intoxicação pelas tintas que usava. Depois da morte de Portinari, Olímpio contou para Drummond sobre os desenhos e o poeta resolveu fazer os sonetos que acompanham as telas. O livro foi lançado e hoje é uma obra rara.
Em alta voz
Além do acervo que já está no escritório, Rebeca compartilhou com a reportagem da ConJur dois áudios em que Drummond lê dois de seus poemas. São eles: “Boitempo” e “O lutador”. Ouça:
Boitempo:
O lutador:
STF
Não é segredo que o poeta é admirado por personalidades importantes do Direito. Ele é frequentemente citado pela também mineira Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal, por exemplo.
É menos conhecida, no entanto, a história de quando uma ação de Drummond chegou ao Supremo e ajudou a formar jurisprudência sobre direitos autorais.
O caso envolve uma antologia que reuniu, entre outros, textos de Drummond. O escritor, no entanto, não autorizou e nunca recebeu nada pela coletânea. O caso foi parar no STF depois de Drummond perder nas primeiras instâncias.
A 1ª Turma da corte entendeu que o autor tinha direito a receber remuneração pela reprodução de sua obra. A decisão foi dada no Recurso Extraordinário 83.294. O acórdão pode ser lido clicando aqui.
“Ele se incomodava muito com essa questão de direitos autorais, que não era muito regulada. A partir do julgamento, há uma nova interpretação sobre o tema e a legislação começa a mudar”, conta Rebeca.
O escritório da advogada fica no Lago Sul, em Brasília. Atua em casos que tramitam nas cortes superiores e no Supremo Tribunal Federal, em especial em casos envolvendo Direito Tributário e Direito Constitucional.
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