Opinião

Advocacia e Iasp entre revoluções e paulistanidades: cenário do início dos anos 1930

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11 de agosto de 2024, 6h38

Desde o ponto de vista da advocacia de São Paulo, os anos 1930 podem ser vistos de diferentes maneiras. Foram, de um lado, pioneiros, gloriosos e alvissareiros, em especial com a almejada criação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por outro, em que pese o fato de terem sido memoráveis, foram também sangrentos e sofridos, particularmente com a ditadura getulista e a brava oposição vista na Revolução Constitucionalista de 1932. Em ambos os momentos foi marcante a atuação da advocacia e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), então tido como Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo (Ioasp).

A busca da conquista de uma Ordem dos Advogados havia sido, desde o Império, uma das razões de criação dos Institutos dos Advogados. A partir dali diversas foram as tentativas, sempre vãs, a esse respeito. Foi, no entanto, com a Revolução de 1930 que veio o êxito esperado. Em 1930, ainda nos primeiros dias do novo regime, deu-se o que o desembargador André de Faria Pereira chamou de verdadeiro milagre. Apresentada a proposta, Oswaldo Aranha, encarregado da Justiça, a princípio, se mostrara contra. Não lhe parecia adequado conceder privilégios a qualquer setor. Informado de que a Ordem não seria privilégio, mas, sim, restrição destes, autorizou sua criação, sendo estabelecido que caberia, também ao Ioasp, auxiliar nos trabalhos de seus estatutos.

E assim foi feito, cabendo-lhe a designação da primeira Diretoria da Seccional paulista, em 22 de janeiro de 1932, com tantos membros do Instituto, como Plínio Barreto (presidente do Ioasp, em 1931-1934), Henrique Bayma (Presidente do Ioasp, em 1933), Francisco Morato (presidente do Ioasp, em 1917-1921, 1925-1927), Vicente Ráo (presidente do Ioasp, em 1934), além de Ernesto Leme, Christovam Prates da Fonseca, José Joaquim Cardoso de Melo Neto e José Bennaton Prado. Um digno, reconhecido e altaneiro exemplo de paulistanidade.

Ioasp na Guerra Paulista

Existe, como se disse, um outro lado da moeda. E esse pode ser visto na paulistanidade nascida da luta e do espírito cívico visto na Revolução de 1932 (também conhecida como Revolta Constitucionalista ou a Guerra Paulista). E lá também estava o Ioasp, e a advocacia, a exercer seu protagonismo. Para uma ideal compreensão dessa perspectiva, faz-se necessário voltar um pouco mais no tempo. Tenha-se em mente, antes de tudo, que os fatos de 1932 foram, a seu modo, uma decorrência direta dos eventos de 1930. Naquele ano, ao se opor à perenização das oligarquias de sempre no poder, e, em especial ao se aproveitar do rompimento, por parte de Washington Luís, com a política do café com leite (pela qual alternavam-se candidatos de São Paulo e Minas Gerais), políticos dos mais diversos, além de militares e tenentistas de 1924, uniram-se ao gaúcho Getúlio Vargas no intento revolucionário. O repúdio à tentativa de levar outro paulista, Júlio Prestes, à presidência, acabou, enfim, por derrubar a própria República Velha.

Como se sabe, Getúlio, bom discípulo de Júlio de Castilhos, arquitetou (junto a tantos militares e civis), o rompimento daquele estado de coisas. O Ioasp voltava, então, a exercer curioso protagonismo. Francisco Morato, seu antigo presidente e professor da Faculdade de Direito de São Paulo, era, então, líder do Partido Democrático. Mesmo sendo Júlio Prestes o candidato da pauliceiacom apoio do Partido Republicano Paulista (PRP) —, ele, na verdade, representava os interesses das recorrentes oligarquias. Nesse sentido, o Partido Democrático (que abrigava a burguesia mais esclarecida, bem como profissionais liberais de classe média, como advogados, professores e jornalistas), junto com Morato, apoiava as mudanças propostas por Vargas. E foi assim que, quando da questionada eleição, do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba partiu-se para a Revolução. Depois de tomar os principais estados, foi ela consumada em 3 de outubro daquele ano.

Apoio e rompimento

Marrey Júnior, membro do Ioasp, propôs, desde logo, moção de solidariedade ao Governo Provisório. Também hipotecaram apoio, em primeiro momento, os mesmos consócios Plínio Barreto, José Carlos de Macedo Soares, Vicente Ráo e José Joaquim Cardoso de Mello Neto, os quais passaram a exercer algumas funções de Estado. Contudo, várias lideranças tenentistas externalizaram sua desconfiança sobre São Paulo. Foi essa desconfiança, aliás, que explicou a indicação de um “forasteiro” para o comando do estado e, mesmo, o alijamento de importância posta a Francisco Morato em tantos momentos.

Renato Silveira, presidente do Iasp

De todo modo, é de se ver que o instituto (sempre com seu espírito liberal) participou empolgado dos primeiros dias da Revolução de 1930. Ele entendia que ela podia trazer verdadeiro progresso ao país. Trouxe, entretanto, o autoritarismo, e daí os primeiros sentimentos de embuste. Estes, por sua vez, acabaram sendo evidenciados, de forma mais gritante, nos anos que se seguiram, e com o suceder de tantas restrições democráticas. Nesse sentido, logo o Ioasp, junto com outras entidades, veio, rapidamente, a elaborar uma proclamação que objetivava a restauração do regime constitucionalista, coisa que não mais se via. O consócio e professor de Direito Penal, Noé de Azevedo, apresentou, quase que simultaneamente, tese em que indagava se “os tribunais de exceção e os confiscos prévios de bens podem ser admitidos pelos juristas, mesmo em tempos revolucionários”. Tudo, enfim, a fomentar a oposição ao que se dava no Catete.

MMDC, guerra civil e os batalhões acadêmicos

Em 9 de julho de 1932, após as manifestações nas quais se deram as mortes de Martins, Miragaia, Drausio e Camargo, o levante se iniciou. O propósito: derrubar o governo Vargas e convocar uma Assembleia Constituinte. E foi assim que veio a guerra civil. Do lado paulista, milhares de voluntários. Cerca de 200.000. Efetivamente, foram 50 mil combatentes, arregimentados em tantos batalhões, como, por exemplo, o Borba Gato (em que heroicamente serviram, entre outros, José de Abreu Prado e Edgard Silveira Bueno); o Batalhão de estudantes; a Legião Negra (os “Pérolas Negras”) ou a Coluna Romão Gomes, todos juntos com a legião de idealistas (do lado paulista), bateram-se em oposição às forças federais, muitíssimo mais numerosas.

Obelisco aos paulistas no entorno do Parque Ibirapuera, em São Paulo

Também lá estavam as mulheres de São Paulo, em participação variada. Contaram-se mais de 72 mil na retaguarda, e outras tantas, como Maria Sguassábia, Nhá Chica, Maria José Bezerraou Francisca Messias, empunhando armas no front, sempre com novidades. Mas, novamente, deu-se a traição. São Paulo, com a exceção honrosa de Mato Grosso, praticamente ficou sozinho no campo de batalha. Sem maiores apoios, a luta durou apenas 87 dias. Ainda assim, houve momentos de pura valentia e disposição, enfrentando balas com as matracas, e armas com imaginação, invenção e disposição.

Logo, a velha Academia do Largo de São Francisco foi transformada em posto de alistamento. E foi assim que tantos jovens, como um segundo anista Miguel Reale, ou um futuro estudante (e depois também professor), Goffredo da Silva Telles Júnior, por igual ingressaram nos Batalhões Acadêmicos. No comando das forças paulistas, a advocacia em peso. Vários de seus ícones, como Francisco Morato e o tão destacado Waldemar Martins Ferreira (presidente do Ioasp, em 1923 e 1927), ombreavam-se na liderança de São Paulo. A eles também se somavam figuras conhecidas e mencionadas, como Vicente Ráo, Plínio Barreto, Armando Prado, Aureliano Leite, Prudente de Morais Neto, Percival de Oliveira ou Alcides da Costa Vidigal (este último, Secretário Executivo da campanha Ouro para o bem de São Paulo).

Campanha pela anistia

No total, contabilizaram-se baixas, na ordem de 2 mil  combatentes, infindáveis civis e feridos. Derradeiramente, em 2 de outubro, foi assinada a rendição. São Paulo capitulara. Os principais líderes do movimento acabaram por ter seus direitos políticos cassados. Em 30 de outubro, muitos foram deportados ao exílio. Outros tantos ficaram presos no Rio de Janeiro.

Ao fim e ao cabo, contudo, deu-se a vitória dos derrotados. Logo após o revés de 1932, veio, afinal, em 1934, a nova Constituição. Ao Ioasp, no entanto, foi incumbida outra missão (esta vitoriosa, mas nem sempre lembrada). Depois de enviar aos companheiros no estrangeiro forçado “um voto de admiração e louvor a todos os advogados que tomaram parte na Revolução Constitucionalista”, cabia-lhe mais. Da mesma forma com que havia atuado nos processos da Revolta de 1924, agora era hora de requerer, promover e sustentar a campanha pela anistia dos paulistas envolvidos na insurreição. Em 1933, por fim, Vargas acabou por sancionar o perdão. Os agraciados puderam, dessa maneira, enfim, se candidatar às eleições que se aproximavam, participando da Constituinte esperada (apresentando, então, as ideias bem exploradas por Fernando Dias Menezes de Almeida, em artigo intitulado O corpo de doutrina jurídico da Revolução de 1932 e sua influência sobre o regime constitucional brasileiro de 1934).

Legado

De todo modo, nos festejos do Dia do Advogado, no ano do sesquicentenário do Iasp, essas são lições de paulistanidade a serem lembradas. A Advocacia de São Paulo, que nunca faltou ao chamado do dever, auxiliou na construção da Ordem, na busca da democracia, na sustentação e defesa do Judiciário e na luta propriamente dita. Aliás, muito do que hoje se tem por Direito, e garantias, são frutos, sim, daqueles embates travados nos conturbados anos de 1930. Anos onde aquela ditadura, e seus desmandos, foram também enfrentados pelo instituto e seus membros (ao mesmo tempo em que estes edificavam a OAB). De se recordar, enfim, as palavras de Paulo Bonfim, quando dizia que “o idealismo paulista não cansa, não prescreve, não envelhece e jamais caducará”. Um orgulho iaspiano ter, junto da advocacia, feito parte dos passos também dessa paulistanidade. Tudo, enfim, a lembrar e comemorar, em mais um Dia do Advogado, uma advocacia tão altiva e sempre presente.

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