O Brasil é uma festa, sobretudo se é paga com dinheiro público
10 de agosto de 2024, 15h24
Por decisão pública atletas olímpicos e paralímpicos que em razão de conquistarem medalhas em Jogos Olímpicos ou Paralímpicos são agraciados com o pagamento a eles de prêmios em dinheiro pelos respectivos comitês a partir de verbas recordes a eles destinadas pela União.
Não há dúvida que o benefício é importante e estimulador. No entanto não se pode perder de vista que é pago com o dinheiro do cidadão e num país onde há carência de recursos para a educação, saúde, entre outros.
Torna-se, então, curioso verificar que neste ano, diferentemente do que ocorria antes, a Presidência da República, saiba-se lá com qual motivação, resolveu melhorar a premiação concedendo isenção do imposto de renda na fonte sobre os prêmios pagos aos atletas isto a partir do último dia 24 de julho (MPV 1.251/2024). Há informações de que dois deputados apresentaram proposta de criação de lei com o mesmo objetivo: .
Não há dúvidas que os atletas representaram o país e se destacaram em suas modalidades, sendo merecedores de aplausos e até mesmo de prêmios. Contudo, os atletas continuam sendo cidadãos submetidos à legislação brasileira que estabelece que os rendimentos recebidos por pessoas físicas ficam sujeitos ao pagamento de imposto de renda na fonte. Os prêmios pagos, ainda que por motivos nobres, configuram rendimento tributável, tanto que houve a necessidade de se instituir nova medida legal para conceder a isenção.
O que teria mudado, então, entre os dias 23 e 24 de julho?
Nada mudou. Quando a premiação foi estabelecida, e ela não é algo novo, a tributação já era prevista e de conhecimento geral. A justificativa para seu pagamento é o mesmo que já ocorreu em Jogos passados e tudo dentro de uma lógica comum.
O que mudou, então, foi a introdução de um ato de benesse da Presidência da República, com a coparticipação de seu ministro dos Esportes, aproveitando-se do momento. Ato, então, de oportunidade.
Sendo ato de oportunidade ele apresenta alguns vícios, a saber:
Trata os atletas de modo diferenciado ao cidadão comum por um critério que não é validável isto porque, apenas para comparação, o eventual brasileiro vencedor de um Prêmio Nobel não está isento de pagar o imposto de renda sobre seu prêmio isto porque não há previsão legal para tanto, o que significa que primado da igualdade (considerado a igualdade entre desiguais) não foi observado, o que gera um vício absoluto de ilegalidade da norma; e
A alegação de que “A relevância da medida está demonstrada pelo incentivo ao esporte brasileiro e ao reconhecimento dos atletas olímpicos e paralímpicos. A urgência da medida decorre da necessidade de viabilizar imediatamente os efeitos pretendidos nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos em curso. não tem razoabilidade jurídica, seja porque, conforme já indicado acima, a definição da premiação antecede a decisão por conceder a isenção e a justificativa “A medida tem o condão de ser elemento indutor para aprimoramento do esporte olímpico e paralímpico brasileiro, a fim de que os recursos que seriam empregados para pagamento de imposto de renda sejam usufruídos pelos próprios atletas, viabilizando o aprimoramento de suas atividades desportivas. A medida valoriza e reconhece o esforço realizado por atletas de alto de rendimento que representam o Brasil em competições internacionais” é igualmente não válida porque já houve premiações no passado sem que isso fosse considerado. Em outras palavras, não se verificam aqui a urgência e relevância da MPV editada em 08.08.24 e que são exigências para sua edição conforme artigo 62 da Constituição.
A MPV 1.251/2024, portanto, deve ser tida como ato destituído de legalidade, populismo feito com dinheiro público e que não pode gerar efeitos e, se gerarem, devendo ter seus idealizadores responsabilizados na esfera judicial por danos ao erário.
Isto lembra o que ocorreu em 1970, quando o Brasil conquistou o tricampeonato mundial de futebol e o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, decidiu presentear os jogadores e comissão técnica dando a cada um deles um automóvel Fusca zero quilômetro.
Mas aí temos outra festa. Levado aos tribunais, o STF (Supremo Tribunal Federal) absolveu o então prefeito, em decisão baseada em aspectos formais.
É sabida a dificuldade na formação de atletas em geral (exclua-se o futebol), mas já há inúmeras medidas nesse sentido, como o Bolsa Atleta, inclusão de atletas em postos militares, entre outros. No entanto, qual o estímulo que há para a prática esportiva no âmbito escolar?
Parabéns aos atletas pelos seus resultados, mas não podem eles passarem de vitoriosos a privilegiados.
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