O tema ainda é muito incipiente no Judiciário brasileiro, o que demonstra a relevância dessa primeira manifestação por parte do Tribunal Regional da 1ª Região.
Em julgamento marcado por grande debate sobre a matéria, a 2ª Seção do (TRF-1), por maioria, entendeu pelo reconhecimento da extinção da punibilidade (pela morte do agente) em razão da extinção da pessoa jurídica acusada. Trata-se da incidência do artigo 107, I, do Código Penal. Dessa forma, o fez em sede de mandado de segurança impetrado por empresa incorporadora, ratificando o entendimento de ser esse meio viável de se buscar o trancamento de uma ação penal em face de pessoa jurídica. Tal como o Habeas Corpus o é para a pessoa física.
O debate tratou, em sua origem, de denúncia em desfavor da empresa incorporada, por suposta incorrência em crime ambiental previsto nos artigos 54, §2°, V, c/c artigo 56, caput, ambos da Lei nº 9.605/98.
No caso, como a empresa incorporada teve sua personalidade jurídica regularmente extinta, por consequência, perdeu sua capacidade de estar no polo passivo da ação penal por suposto crime ambiental ocorrido antes da incorporação, o que foi reconhecido por maioria pelo colegiado. Mesmo porque, a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público Federal em face da empresa incorporada, regularmente extinta há três anos.
Cumpre destacar que, na esfera cível, a equiparação dos efeitos legais da extinção da personalidade jurídica da empresa aos da morte da pessoa física ou natural não é novidade, como se verifica abaixo em julgado do STJ:
Processual civil. Incorporação. Sucessão processual. Agravo regimental interposto por terceiro (incorporador). Sociedade recorrida (incorporada) extinta. Demonstração posterior ao ato de interposição. Inteligência da súmula nº 115 do STJ, aplicada por analogia. Conforme disciplina a Lei nº 6.404, de 15/12/1976 (Lei das Sociedades por Ações), a incorporação — operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra — enseja a extinção da personalidade jurídica da sociedade incorporada, equiparando-se, para efeitos legais, à morte da pessoa física ou natural. (…) 4. Agravo regimental não provido” (STJ — 2ª T. — AgRg no REsp 89.557/RS — relator ministro Mauro Campbell Marques — DJe 27/10/2010)
Mas o questionamento que exsurge é: Quais os efeitos da “morte da PJ” na esfera criminal? Sobre o tema, é salutar o posicionamento de Bertolino ao dizer:
(…) de acordo com o princípio da pessoalidade (ou intranscendência), a reprimenda penal jamais ultrapassará o limite da pessoa do agente (artigo 5º, XLV, CF/88), sendo vedada, de maneira expressa, a transposição/transferência de penas e de responsabilidade penal.
(…)Em se tratando de Direito Penal, deve-se observar o princípio da estrita legalidade, o qual obsta a utilização de analogia jurídica para criação de tipos penais incriminadores e/ou em malefício ao réu/acusado.
Ainda no entendimento do autor supracitado, considerando que a Lei nº. 9.605/98 — marco legal sobre os crimes e delitos contra o meio ambiente — nada trata em relação à extinção da punibilidade de agentes em caso de morte, atrai-se a aplicação subsidiária, por extensão, das normas previstas no CP e no CPP (artigo 79), sendo cabível a incidência, por analogia, do artigo 107, I, do CP.
Não existe sucessão corporativa na esfera penal
Diferente da esfera cível — em que se permite a transferência de responsabilidade propter rem., relacionada à coisa em si —, a reprimenda penal se limita à pessoa do agente, e a ninguém mais. Não cabendo, portanto, a sucessão corporativa na esfera penal, a não ser que haja a demonstração de fraude na forma de extinção da empresa.
Referida tese já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar, em sua 3ª Seção, o REsp nº 1.977.172/PR , em aresto assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE POLUIÇÃO (ART. 54, § 2º, V, DA LEI 9.605/1998). CONDUTA PRATICADA POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA POSTERIORMENTE INCORPORADA POR OUTRA. EXTINÇÃO DA INCORPORADA. ART. 1.118 DO CC. PRETENSÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA INCORPORADORA. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DA PENA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 107, I, DO CP. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE MANTIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A conduta descrita na denúncia foi supostamente praticada pela sociedade empresária AGRÍCOLA JANDELLE S.A., posteriormente incorporada por SEARA ALIMENTOS LTDA.
2. A incorporação gera a extinção da sociedade incorporada, transmitindo-se à incorporadora os direitos e obrigações que cabiam à primeira. Inteligência dos artigos 1.116 e 1.118 do CC, bem como do art. 227 da Lei 6.404/1976.
3. A pretensão punitiva estatal não se enquadra no conceito jurídico-dogmático de obrigação patrimonial transmissível, tampouco se confunde com o direito à reparação civil dos danos causados ao meio ambiente. Logo, não há norma que autorize a transferência da responsabilidade penal à incorporadora. (…)
4. Extinta legalmente a pessoa jurídica ré – sem nenhum indício de fraude, como expressamente afirmou o acórdão recorrido -, aplica-se analogicamente o art. 107, I, do CP, com a consequente extinção de sua punibilidade.
5. Este julgamento tratou de situação em que a ação penal foi extinta pouco após o recebimento da denúncia, muito antes da prolação da sentença. Ocorrendo fraude na incorporação (ou, mesmo sem fraude, a realização da incorporação como forma de escapar ao cumprimento de uma pena aplicada em sentença definitiva), haverá evidente distinção em face do precedente ora firmado, com a aplicação de consequência jurídica diversa. É possível pensar, em tais casos, na desconsideração ou ineficácia da incorporação em face do Poder Público, a fim de garantir o cumprimento da pena.
6. Diversamente, a responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente ou a terceiros, bem como os efeitos extrapenais de uma sentença condenatória eventualmente já proferida quando realizada a incorporação, são transmissíveis à incorporadora.
7. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.977.172/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 24/8/2022, DJe de 20/9/2022.)
Portanto, entende-se que, ao regular a extinção da pessoa jurídica — sem qualquer arguição de que a incorporação tenha ocorrido com fraude ou com o fim de escapar ao cumprimento de uma pena aplicada em sentença definitiva —, não há outra opção senão a de se reconhecer a extinção da punibilidade do agente “morto”.
Como dito anteriormente, diante da incipiência do tema no Judiciário pátrio, é que essa primeira manifestação do TRF-1 se mostra tão relevante.
O acórdão data de 1º de julho deste ano.