Inadmissibilidade de provas

Revogação de acordo com terroristas cria problemas para justiça militar dos EUA

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6 de agosto de 2024, 9h44

A revogação do acordo de admissão de culpa, feito por promotores do Pentágono com três prisioneiros de Guantánamo Bay, Cuba, acusados de arquitetar os ataques terroristas às torres do World Trade Center, de Nova York, e ao Pentágano, em 11 de setembro de 2001, cria um problema para a justiça militar dos EUA: como lidar, em um julgamento, com o fato de que as provas testemunhais foram obtidas através de tortura?

Guarita de observação da prisão de Guantánamo, em Cuba

Guarita de observação da prisão de Guantánamo, em Cuba

Esse é um motivo pelo qual a justiça militar vem “enrolando” o processo criminal contra Khalid Shaikh Mohammad (apelidado KSM), tido como principal arquiteto dos ataques, e dois outros réus, que seriam seus subordinados. Acusações foram apresentadas contra eles em 2008 e o julgamento agendado para começar em 11 de janeiro de 2021.

Mas não começou. Em vez disso, os promotores que atuam nos tribunais militares em Guantánamo Bay buscaram uma saída pela tangente, para evitar o julgamento em que o elemento “tortura” seria apresentado pela defesa.

Em março de 2022 abriram negociações com os réus e um acordo, que retirava a pena de morte da sentença, em troca de prisão perpétua, foi anunciado na quarta-feira (31/7).

Os céus vieram abaixo. Políticos de peso protestaram, por retirar “uma pena que realmente traria justiça para as vítimas” e que iria “encorajar mais ataques terroristas no país”, etc.

Organizações que representam as famílias das vítimas, bem como vítimas que sobreviveram aos ataques, emitiram declarações criticando o acordo, argumentando, entre outras coisas, que a verdade sobre os fatos só viria à tona em um julgamento.

Dois dias depois, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, anunciou a anulação do acordo, porque cabe a ele, não à promotora-chefe das comissões militares Susan Escallier, assinar ou rejeitar o acordo.

No entanto, a verdade sobre fatos que envolveram os ataques teria muito mais chance de vir à tona com o acordo de admissão de culpa dos réus. Pelos termos do acordo, os réus concordaram em responder, durante a audiência de decisão de sentença, que estava prevista para meados de 2025, a todas as perguntas dos promotores, bem como de familiares das vítimas e das vítimas sobreviventes.

Além de terem o direito de se dirigir ao júri com testemunhos e declarações, familiares das vítimas e sobreviventes queriam indagar os réus sobre os motivos dos ataques, o papel de cada um no planejamento, o funcionamento das operações da al-Qaeda, as conexões com Osama Bin Laden e um possível envolvimento da Arábia Saudita – o que poderia sustentar uma ação civil contra o país saudita.

Parte dessas pessoas eram a favor do acordo por terem a oportunidade de participar do processo de trazer a verdade à tona e também porque, finalmente, o processo criminal, que vem se desenrolando desde 2008, chegaria a uma conclusão.

Mas a visão política venceu a dos promotores da justiça militar. E não se sabe, agora, quando e como vai terminar – especialmente diante de uma possível inadmissibilidade das provas obtidas através de tortura nas prisões secretas da CIA (conhecidas como “black sites”) e em Guantánamo Bay.

Um relatório de 2014 do Comitê de Inteligência do Senado declara, por exemplo, que Khalid Shaikh Mohammad foi submetido a “técnicas avançadas de interrogatório” – entre as quais a de “afogamento simulado” (waterboarding), que lhe foi aplicada por 183 vezes.

Pelo acordo, os três réus concordavam em admitir a culpa por todas as acusações contra eles: conspiração, homicídio de 2.976 pessoas em violação da lei da guerra, ataque a civis, ataques a propriedades civis, causar intencionalmente lesões corporais graves, destruição de propriedade em violação da lei da guerra, terrorismo e apoio material ao terrorismo.

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