O Recurso Especial discutido neste caso, cujo número é 1.705.928–SP (2017/0263571-0), foi interposto pelo Banco do Brasil contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) em sede de Apelação na Ação Civil Pública nº 0010008-74.2005.4.03.6100, relacionada ao envio de valores de pensão alimentícia ao exterior e a possibilidade de cobrança de tarifas bancárias associadas a essa remessa.
O julgamento do TRF-3 reconhecera a legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a legitimidade passiva do BBa. Com base na Convenção de Nova York, incorporada pelo Decreto n° 56.826/65, o TRF-3 conclui que a cobrança das tarifas bancárias não se justifica legalmente, pois contradiz o objetivo de facilitar a prestação de alimentos para beneficiários no exterior. Assim, negou provimento à apelação, mantendo a decisão favorável à abstenção dessas cobranças.
Em seu acórdão, sob a relatoria do e. ministro Humberto Martins, primeiramente o Superior Tribunal de Justiça abordou a fundamentação utilizada pelo recorrente para alegar violação do artigo 131 do CPC/1973, que trata do princípio do livre convencimento motivado do juiz.
Neste sentido, são os pontos principais do v. acórdão proferido pelo Tribunal da Cidadania:
- Contexto da fundamentação: O c. STJ observa que a argumentação apresentada pelo recorrente não está relacionada à valoração da prova, como previsto no art. 131 do CPC/1973. Em vez disso, o recorrente argumentou sobre a inexistência de uma norma específica no sistema legal brasileiro que regule a isenção na cobrança de taxas e tarifas pelas instituições financeiras não abrangidas pela Convenção de Nova Iorque.
- Deficiência na fundamentação: O c. STJ considera essa abordagem deficiente porque não se relaciona diretamente com a valoração das provas nos autos. Argumentar sobre a falta de norma específica não se enquadra no contexto do livre convencimento motivado do juiz, que diz respeito à análise das provas e circunstâncias constantes nos autos.
- Aplicação do Enunciado 284 da Súmula do STF: O c. STJ menciona o Enunciado 284 da Súmula de Jurisprudência do STF, que estabelece que é inadmissível recurso extraordinário quando a deficiência na fundamentação não permite a exata compreensão da controvérsia. Embora o caso trate de Recurso Especial e não extraordinário, o princípio de fundamentação clara e específica é aplicável para garantir a correta análise e compreensão da matéria em discussão.
O Superior Tribunal de Justiça critica a fundamentação do recurso especial por não estar diretamente relacionada ao princípio do livre convencimento motivado do juiz, conforme previsto no artigo 131 do CPC/1973, e sugere que a deficiência na argumentação poderia levar à aplicação do entendimento do Enunciado 284 da Súmula do STF, destacando a importância da clareza na formulação dos argumentos jurídicos.
Legitimidade ativa
Em seguida, o debate gira em torno da legitimidade ativa do Ministério Público Federal (MPF) para atuar na defesa dos interesses relacionados à remessa de verbas alimentares ao exterior e à cobrança de tarifas bancárias incidentes sobre essas operações.
O banco recorrente argumenta que o interesse defendido na ação não constitui um interesse social relevante para justificar a atuação do Ministério Público Federal. Segundo o recorrente, a Lei 7.347/85, que regula a ação civil pública, destina-se à defesa de interesses difusos ou coletivos, não abrangendo interesses individuais como o dos alimentandos que residem no exterior.
Neste trecho, são os pontos principais do v. acórdão proferido pelo Tribunal da Cidadania:
- Contraposição do tribunal: O c. STJ contrapõe esse argumento destacando que a questão da cobrança de tarifas bancárias na remessa de verbas alimentares ao exterior afeta diretamente a efetivação das decisões judiciais que fixam a obrigação alimentar. Essa cobrança pode representar um obstáculo à concretização do direito aos alimentos reconhecido por decisão judicial, o qual é considerado um direito indisponível.
- Fundamentação na Constituição e na lei: O c. STJ fundamenta a legitimidade do MPF com base na Constituição Federal, que atribui ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O direito aos alimentos, especialmente quando envolve incapazes como crianças e adolescentes, está sob a tutela especial do Ministério Público, conforme entendimento consolidado em jurisprudência.
- Precedentes jurídicos: O c. STJ menciona que, embora não haja dados específicos nos autos sobre os alimentandos em questão, é notório que muitos deles são incapazes. Em casos similares, tribunais superiores têm reconhecido a legitimidade do MPF para atuar em ações relacionadas a alimentos, reforçando a proteção dos direitos desses indivíduos vulneráveis.
- Necessidade de proteção dos direitos alimentares: O c. STJ argumenta que não seria justo excluir o MPF da legitimidade para propor a ação, uma vez que a questão das tarifas bancárias pode representar um obstáculo significativo para a efetivação das decisões judiciais que estabelecem a obrigação alimentar. Proteger esses direitos é crucial para garantir o sustento dos alimentandos, especialmente quando estão no exterior.
- Amparo na Convenção de Nova Iorque: O c. STJ expõe que o MPF encontra respaldo adicional na Convenção de Nova York, que define as funções das Instituições Intermediárias, incluindo a facilitação da remessa de alimentos ao exterior. No caso específico, a Lei nº 5.478/1968 (Lei de Alimentos) designou o MPF como Instituição Intermediária para efeitos da convenção. Isso fortalece ainda mais a legitimidade do MPF para atuar em questões que envolvem a homologação de sentenças estrangeiras que fixam alimentos.
- Reconhecimento Jurisprudencial: O c. STJ sublinha que os tribunais superiores têm reconhecido consistentemente a legitimidade ativa do MPF em casos semelhantes, onde a proteção dos direitos alimentares e a remoção de obstáculos à sua concretização são fundamentais. Essa jurisprudência reforça a importância da atuação do MPF na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme previsto na Constituição.
Decidiu-se que o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para requerer medidas que afastem óbices à efetivação das decisões judiciais de alimentos, como a cobrança de tarifas bancárias em remessas ao exterior. Essa legitimidade é respaldada tanto pela legislação nacional quanto pelos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, refletindo a proteção necessária aos direitos alimentares, especialmente quando envolvem pessoas incapazes e em situação de vulnerabilidade.
Legitimidade passiva
A seguir, são então abordados diversos aspectos relacionados à legitimidade passiva do Banco do Brasil. A partir da petição inicial, o autor sustenta que o banco realizou a cobrança contestada de tarifas bancárias. Então, para o Tribunal da Cidadania, essa alegação não apenas fundamenta a pretensão do autor, mas também é crucial para estabelecer se há legitimidade passiva do banco na demanda.
Segundo a Teoria da Asserção, as alegações feitas pelo autor são consideradas verdadeiras até prova em contrário. Portanto, para fins de análise da legitimidade passiva do Banco do Brasil, a simples alegação de que houve cobrança de tarifas bancárias já é suficiente para que essa questão seja considerada pela corte.
Então, foi decidido que a legitimidade passiva do Banco do Brasil está claramente estabelecida pela petição inicial, pois afirma que o banco vem cobrando as tarifas bancárias e a demanda visa à cessação dessa cobrança.
Aplicação da convenção
Finalmente, discorre-se sobre a aplicação da Convenção de Nova York no contexto da remessa de verbas alimentares ao exterior, especificamente quanto à isenção de tarifas bancárias.
Neste trecho, são os pontos principais do v. acórdão proferido pelo Tribunal da Cidadania:
- Interpretação da Convenção de Nova York: O c. STJ analisa o preâmbulo e o objeto da Convenção de Nova Iorque, destacando que seu propósito é facilitar a obtenção de alimentos por meio da eliminação de obstáculos legais e práticos. O artigo IX da Convenção estabelece isenções e facilidades para os demandantes, incluindo a isenção de custos e despesas necessárias à efetivação das decisões judiciais que fixam a obrigação alimentar.
- Abrangência da isenção: A interpretação do c. STJ é de que a isenção de custos e despesas deve englobar não apenas as despesas judiciais, mas também todas as taxas e tarifas bancárias necessárias para a remessa de verbas alimentares ao exterior. Isso é essencial para garantir a efetividade do direito aos alimentos reconhecido judicialmente, especialmente quando há presunção de hipossuficiência do alimentando.
- Proteção especial ao direito aos alimentos: O c. STJ ressalta que o ordenamento jurídico brasileiro assegura uma proteção especial ao direito aos alimentos, reconhecendo a importância de eliminar quaisquer entraves que possam comprometer a remessa desses valores ao exterior.
- Decisão das instâncias ordinárias: O c. STJ conclui que a abstenção da cobrança de tarifas bancárias determinada pelas instâncias ordinárias deve ser mantida, alinhando-se ao objetivo da Convenção de Nova York de facilitar o cumprimento de obrigações alimentares internacionais. Além disso, o Tribunal da Cidadania reforça a aplicação da Convenção de Nova York para isentar essas tarifas, garantindo a efetividade das decisões judiciais que estabelecem obrigações alimentares internacionais, especialmente em casos envolvendo pessoas em situação de vulnerabilidade.
Conclusão
Em síntese, o v. acórdão do STJ proferido no recurso especial discutido conheceu em parte o recurso e, nesta extensão, o negou provimento. Foi reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a legitimidade passiva do Banco do Brasil. O v. acórdão também enfatiza a importância de garantir que as decisões judiciais relacionadas a alimentos sejam efetivamente executadas, havendo a isenção de tarifas bancárias para a remessa de valores ao exterior.