Inteligência artificial: um novo marco no combate à advocacia predatória
4 de agosto de 2024, 9h20
O crescimento das demandas judiciais predatórias tem representado um desafio significativo para o Judiciário, cidadãos e empresas. Bancos, seguradoras, operadoras de telefonia e varejistas têm sido os mais afetados pelo aumento significativo de custos operacionais e administrativos advindos da advocacia predatória. Essa prática envolve, além da apresentação de um volume excessivo de ações, que prejudica o Judiciário, o aproveitamento da vulnerabilidade e do desconhecimento do jurisdicionado. São propagandas ilegais, captação indevida de clientes, promessas infundadas de vantagens e, não raras vezes, fraudes de documentos e casos em que a parte autora demonstra desconhecimento da ação proposta.
Essas práticas lesivas consomem, anualmente, R$ 25 bilhões dos cofres públicos e atingem o percentual de 30% de todo o contencioso judicial do país [1]. Um recorte do Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), vinculado à Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, estimou que a litigância predatória gera entre 300 mil e 600 mil processos, resultando em um custo anual que ultrapassa R$ 1 bilhão de reais, apenas no Judiciário paulista [2].
Neste mesmo contexto, há impacto operacional e financeiro dentro das empresas envolvidas, que precisam se mobilizar para suprir as necessidades que essa entrada massiva de ações temerárias demanda. As atividades envolvem muito além de planilhas e sistemas de gestão, resultando em custos diretos, como despesas com honorários advocatícios e custas judiciais. Além das indiretas, como a perda de produtividade e danos à reputação, comprometendo a competitividade e a sustentabilidade dessas organizações.
Por essas razões é que o Judiciário, as empresas e a própria advocacia têm se mobilizado de muitas formas, lançando mão de ferramentas e ações direcionadas para a repressão das ações predatórias.
Uso da IA no combate à litigância predatória
É neste contexto que a inteligência artificial (IA) assume seu protagonismo. Graças ao seu forte potencial e capacidade para compreender e estruturar grandes volumes de dados, a IA pode, com maior agilidade e menor esforço operacional, identificar padrões de comportamento que indiquem práticas ofensivas, avaliar a consistência de documentos e até histórico de infrações éticas passadas, permitindo que a empresa possa direcionar melhor seu custo operacional.
Para combater tantos atos contrários à advocacia ética, os algoritmos de aprendizado de máquina podem ser treinados para reconhecer sinais/dados, a frequência excessiva de ações judiciais semelhantes, a adequação de documentos e a repetição de erros grosseiros, como um mesmo contrato mencionado em diferentes ações.
A agilidade e assertividade da IA em identificar fraudes processuais e coletar maior quantidade de indícios de sua ocorrência de forma rápida tem possibilitado que as empresas se antecipem e reúnam o máximo de informações para se defender em juízo, já que a estratégia é distinta daquelas ações em que se discute uma falha na prestação do serviço ou defeito do produto. A agilidade é de extrema relevância, pois, ao identificar tardiamente práticas de advocacia predatória, muito já foi pago e gasto indevidamente.
Não sem razão, o próprio Judiciário tem se movimentado para utilizar a IA como aliada. Exemplos dessa utilização são as ferramentas Tanatose, desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Tocantins [3] e a Bastião, desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, visando promover a celeridade e eficiência no combate aos processos com indícios de litigância predatória [4].
Aplicação da IA produz transparência e confiabilidade
Além de agilizar a identificação, a implementação de IA no monitoramento da advocacia predatória aumenta a transparência e a confiabilidade do sistema jurídico de forma geral, reduzindo a subjetividade e fortalecendo a confiança da população na Justiça. Com isso, assegura-se que os advogados que atuam de maneira ética sejam devidamente amparados, enquanto aqueles que se envolvem em práticas predatórias, sejam identificados e penalizados.
A utilização da IA para reprimir a advocacia predatória representa, portanto, uma oportunidade significativa para a melhoria do sistema jurídico e judicial. Ao combinar a eficiência e a capacidade analítica da IA com a necessidade de práticas éticas na advocacia, a IA pode se tornar uma aliada poderosa na promoção de um sistema jurídico mais íntegro e confiável para todos.
Ferramenta tornou-se indispensável
Não se trata apenas de mera defesa das grandes empresas, mas, sim, de uma constatação de dados e fatos que afligem, inclusive, o próprio Poder Judiciário. Ao fim e ao cabo, é a sociedade que é a mais atingida e prejudicada pela advocacia predatória, seja pela sobrecarga do Poder Judiciário, com a demora na prestação jurisdicional de causas justas e importantes, ou pelo custo financeiro que é suportado pelos impostos pagos pela população.
Portanto, é essencial que a sociedade, os profissionais do Direito e os legisladores continuem a caminhar juntos para implementar soluções eficazes que assegurem a integridade do sistema e a manutenção da Justiça. Afinal, parafraseando o grande jurista Rui Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” [5] [6]. É neste contexto que a IA se mostra uma ferramenta indispensável para que tenhamos uma Justiça que garanta a tutela jurisdicional adequada a todos os setores da sociedade.
[1] Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/afinal-qual-e-o-preco-das-acoes-judiciais-predatorias-para-o-brasil/?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link&app_absent=0. Acesso em 04 de jul. 2024
[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-mai-20/advocacia-predatoria-poe-risco-atendimento-juridico-sociedade/. Acesso em 04 de jul. 2024
[3] Disponível em: https://www.tjto.jus.br/comunicacao/noticias/tjto-apresenta-nova-ferramenta-para-detectar-similaridade-entre-processos-com-uso-de-inteligencia-artificial. Acesso em 04 de jul. 2024
[4] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-pernambucana-lanca-ferramenta-bastiao-no-combate-a-demandas-predatorias-e-repetitivas/. Acesso em 04 de jul. 2024
[6] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/342613/oracao-aos-mocos–de-rui-barbosa-completa-100-anos. Acesso em 04 de jul. 2024.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!