Opinião

Importância da proteção dos dados pessoais dos jogadores de futebol

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4 de agosto de 2024, 17h18

As SAFs não são mais novidade no futebol brasileiro. O risco de lavagem de dinheiro por meio das apostas esportivas ainda é um tema cadente. As cláusulas anticorrupção ligadas ao futebol apareceram recentemente nos jornais e, nessa toada, tem-se dedicado pouco ou nenhum espaço ao quanto “valem” os dados pessoais dos jogadores e por que esse ativo deveria ser cuidado por eles e pelos clubes.

Álbum de figurinhas da Copa do Mundo de 1982

As novas tecnologias e a transformação digital geraram uma grande quantidade de dados pessoais que são processados no esporte. No futebol, a coleta e processamento de dados sobre o desempenho dos jogadores através de tecnologias como sensores, análise de vídeo e inteligência artificial revolucionaram a gestão desses dados. É crucial que essas informações sejam usadas de forma responsável e transparente, de acordo com os novos padrões de proteção de dados.

Nesse sentido, aparecem oportunidades e riscos para os jogadores em relação ao processamento de seus dados pessoais. Todos concordamos que a inovação oferece oportunidades no âmbito da análise de desempenho, programas de treinamento personalizados e previsão de lesões. Contudo, há riscos significativos se os dados forem coletados e processados sem o consentimento informado dos jogadores, podendo resultar em graves casos de discriminação, usurpação de identidade e até danos à reputação e saúde dos atletas profissionais.

Por essa razão, os jogadores devem se atentar às melhores práticas internacionais, consagradas no RGPD (Regulamento Geral sobre Proteção de Dados Europeu) e adotadas por legislações semelhantes, como a brasileira Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), vigente desde 2020. Os princípios incluem licitude, lealdade, transparência, limitação da finalidade, minimização de dados, exatidão, limitação do armazenamento, integridade e confidencialidade.

Essas normas do GDPR aplicam-se, em princípio, a organizações que processam dados de cidadãos da União Europeia, independentemente de onde estejam sediadas. Porém, as outras legislações nacionais, como a do Brasil, também podem ter efeitos extraterritoriais. Recomenda-se adotar os padrões normativos que ofereçam maior proteção aos titulares dos dados. Qualquer operação que envolva dados pessoais, como coleta, registro, organização, armazenamento, adaptação, comunicação ou destruição, está sujeita aos padrões de proteção de dados. Exemplos incluem compartilhamento de dados com terceiros, comercialização e transferências internacionais.

Segundo a legislação, as bases legais ou justificativa para o tratamento de dados pessoais dos jogadores seriam o consentimento explícito, inequívoco e documentado e a execução do contrato. Porém, algumas atividades de tratamento de dados pessoais podem ser invocadas pelo clube como necessárias para a execução do contrato de trabalho com o jogador, quando são realizadas pelo jogador ou por operadores de dados agindo em nome da agremiação.

Isso inclui a análise de dados de desempenho, a fim de gerenciar sua saúde e segurança em campo ou tratamentos médicos individuais, e garantir a carreira sustentável do jogador. O tratamento de dados pessoais que exceda essas finalidades, ou que não seja realizado pelo clube/empregador-responsável pela base de dados, ou por um operador agindo em seu nome e ordem, não pode ser considerado necessário para a execução do acordo do jogador com o clube, sendo necessário o consentimento mencionado.

Spacca

O tratamento dos dados pessoais pode ser realizado por um “responsável pelo tratamento” (quem determina os fins e meios do tratamento) ou um “encarregado do tratamento” (quem trata dados em nome do responsável). A legislação sobre proteção de dados, como o GDPR e a lei brasileira, estabelece responsabilidades para ambas as figuras no cumprimento dos princípios de proteção de dados.

Dados dos atletas interessam a muitos segmentos

No mundo do esporte, as organizações que processam dados pessoais dos jogadores incluem clubes, associações e federações de clubes e de jogadores, empresas dos segmentos de mídia, apostas e corretores de apostas, ambientes de esportes eletrônicos, experiências no metaverso, jogos de azar, olheiros, patrocinadores, dos mercados de transferências, de análise de dados e investimento, assim como qualquer outra organização que processe os dados pessoais de um jogador.

Por outro lado, vale destacar algumas iniciativas da Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) e da Federação Internacional de Futebol (Fifa) nos últimos anos em relação aos padrões em proteção de dados pessoais. Nesse sentido, a FIFPro, em colaboração com a Fifa, criou uma “carta de direitos dos dados dos jogadores” para implementar padrões globais que protejam os dados pessoais dos futebolistas.

Em relação ao valor comercial, os dados sobre a imagem e o desempenho dos jogadores têm um valor comercial para jogadores e clubes. Isso é latente quando se negociam contratos de transferência. Os sindicatos ou associações de jogadores enfrentam o desafio de colaborar com os jogadores para que possam receber as informações processadas pelas empresas de análise de dados. Além disso, federações de clubes, mídia, patrocinadores, empresas de scouting, de análise de dados e de jogos e apostas, entre outras, também estão muito interessadas nesses dados.

Por exemplo, as chamadas “bets” têm interesse em usar o conjunto de dados de desempenho em ofertas baseadas em estatísticas voltadas à aposta em ações específicas no jogo, como o número de chutes, passes e tackles feitos por eles.

Em julho, o Supremo Tribunal da Dinamarca condenou a casa de apostas Bet365 a pagar indenizações que somam 4,7 milhões de coroas dinamarquesas (cerca de 630 mil euros) por violar os direitos de imagem de 23 atletas (sendo 21 jogadores de futebol) que tiveram seus nomes e rostos utilizados em publicações da empresa nas redes sociais.

Hoje em dia, podemos saber, não apenas quantos gols um jogador marca, mas também prever quantos ele deve marcar. Essas informações estão sendo usadas por processadores de dados, de olheiros de equipes a desenvolvedores de videogames, passando por empresas de apostas. Esses dados podem construir e quebrar carreiras profissionais. Os detalhes de precisão de passe, condicionamento físico, velocidade, que são vistos de várias formas em inúmeros sites ou jogos resumem a forma com que os jogadores são avaliados.

São vários os desafios para clubes, associações e jogadores em relação às novas normas de proteção de dados. Portanto, é fundamental conhecer e compreender as novas tecnologias de rastreamento e tratamento de dados pessoais, quais são as finalidades de seu uso, assim como recomendar aos jogadores que usem soluções tecnológicas que lhes permitam monitorar seus dados pessoais e autorizar e licenciar seus direitos.

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