GRANDES TEMAS, GRANDES NOMES

Menor criminalidade exige Estado legalista, e não Direito Penal mais rigoroso, afirma advogada

 

3 de agosto de 2024, 10h31

A redução da criminalidade não depende de um Direito Penal mais rigoroso, o que é uma crença comum no Brasil, mas de um Estado que atue dentro da lei, de modo a estimular os cidadãos a também respeitarem as normas proibitivas.

fernanda tórtima

Fernanda Tórtima diz que Direito Penal exige aperfeiçoamento contínuo

Essa avaliação é da advogada Fernanda Tórtima, especialista em Direito Penal. Ela tratou do assunto em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito. Nela, a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com alguns dos nomes mais importantes do Direito e da política sobre os temas mais relevantes da atualidade.

“O Brasil tem uma tendência ao populismo penal. Existe uma crença na sociedade que, quanto mais Direito Penal, menos criminalidade vai existir. Primeiro que a eficácia do Direito Penal é muito difícil de comprovar. Não dá para verificar empiricamente se o Direito Penal aumenta ou diminui a criminalidade. Mas, se a gente compara com outros países democráticos, em que as penas são, inclusive, mais baixas, muitos deles têm menos criminalidade.”

“E, na verdade, a gente nunca pode achar que é a pena mais alta ou o Direito Penal mais rigoroso ou menos racional que vai diminuir a criminalidade, muito pelo contrário. Se o Estado age de forma ilegal, as suas leis proibitivas não vão ser respeitadas pelo cidadão. O cidadão só respeita um Estado que se faz respeitar. E o Estado se faz respeitar através de processos legalistas, através da defesa de garantias para o cidadão”, completou a advogada.

Nulidade de processos

Tórtima acredita que, apesar de não carecer de normas mais rigorosas, o Direito Penal exige um esforço contínuo de aperfeiçoamento para que sejam superadas as falhas nos processos e para que ele seja mais eficiente.

“A gente viu que, recentemente, órgãos responsáveis pela persecução penal promoveram trocas de informações com Estados estrangeiros, em detrimento, inclusive, de empresas brasileiras, sem que adotassem os procedimentos formais existentes e previstos em lei. E isso trouxe um problema muito grande para essas empresas, implicou, obviamente, processos feitos com base nessas provas que foram obtidas de forma ilegal, processos nulos”, comentou ela.

“Os tribunais superiores, quando reconhecem nulidade no processo, não fazem isso porque querem, fazem isso porque a nulidade existe. Então, o que se tem de fazer é evitar a nulidade, é usar os canais corretos, realizar o processo com base na lei, na Constituição, e, se assim for feito, teremos um Direito Penal mais justo, mais eficiente e que, em tese, funcionaria melhor, se é que a gente pode dizer que um Direito Penal funciona.”

Prerrogativa sobre mentiras

A advogada também tratou do modelo do Judiciário brasileiro de não punir a mentira por parte do acusado na circunstância em que a verdade for autoincriminatória. Em comparação com outros países, esse paradigma não é melhor, nem pior, segundo Tórtima, mas causa consequências, inclusive para a atividade advocatícia.

“Como aqui o magistrado sabe que não é crime ou que não pode ser punida a mentira do acusado, há uma tendência que ele acredite menos na palavra do acusado. Nos Estados Unidos, por exemplo, quando um advogado resolve não se valer do direito ao silêncio e prestar depoimento, o que ele diz tende a ser avaliado de uma forma um pouco mais séria, porque ele é advertido de que não pode mentir”, disse ela.

“Se a gente entende que um acusado pode mentir, qual é o problema dos advogados, então, conversarem sobre estratégias e sobre, eventualmente, versões que serão apresentadas? A gente tem consequências. A prerrogativa do advogado é uma consequência do direito que o acusado tem. Então, se o acusado tem direito de mentir, o advogado teria direito de orientá-lo a mentir, ou não. Enfim, é um modelo que a gente adotou.”

Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo: 

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