Em voto, Gilmar cita 'tentativa indisfarçável' de benefício eleitoral na 'PEC Kamizaze'
3 de agosto de 2024, 17h52
O ordenamento jurídico brasileiro presume objetivamente que a prática de assistencialismo pelo governo de ocasião, às vésperas de um processo eleitoral, configura abuso de poder político, violação da paridade de armas e da liberdade de voto, além de colocar em dúvida a legitimidade das eleições.
Esse foi um dos fundamentos do voto do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que declarou inconstitucionais os artigos 3°, 5° e 6° da Emenda Constitucional 123/2022, que instituiu estado de emergência em 2022 e ampliou benefícios sociais durante ano eleitoral.
A chamada “PEC Kamikaze” permitiu que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) gastasse R$ 41 bilhões do erário em benefícios sociais, com a ampliação de programas de transferência de renda como o Auxílio Brasil, auxílio gás e de bolsas de incentivo para taxistas e caminhoneiros.
O voto do decano liderou a divergência sobre o entendimento do relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7.212, ministro André Mendonça, que acabou vencido por oito votos a dois.
Gilmar apontou que determinados atos governamentais atenderam a uma lógica de benefício eleitoral, e usou como exemplo a antecipação do calendário de pagamentos do Auxílio Brasil.
“Antes previsto para ser pago entre 18 e 31 de outubro, o pagamento do Auxílio Brasil foi antecipado para 11 a 25 de outubro. Chega a ser curioso que, no calendário original, a última data seria após a realização do segundo turno das eleições de 2022. Talvez essa tenha sido uma das causas determinantes da antecipação promovida pelo Poder Executivo federal, uma tentativa indisfarçável de obter maior suporte dentre os eleitores beneficiários”, destacou o ministro.
O decano explicou que, ao analisar o conjunto de benesses e os atos governamentais relacionados, é possível afirmar, “sem qualquer medo de errar”, que vários dos instrumentos empregados pelo governo federal à época tinham um viés puramente eleitoral.
“A desfaçatez era tamanha que inúmeros benefícios criados visando o período eleitoral tinham vigência limitada ao término do ano de 2022, isso quando não iniciados e findados entre o primeiro e o segundo turno das eleições”, criticou.
Emergência conveniente
Gilmar também afirmou que a instauração do estado de emergência mediante emenda constitucional demonstra que seus autores estavam cientes das fragilidades e dos motivos que levaram à decretação da medida.
“O que se observa, a bem da verdade, é que a EC 123/2022, promulgada a menos de 90 (noventa) dias do primeiro turno das eleições gerais de 2022, tinha um propósito muito claro: permitir a distribuição massiva de recursos públicos com finalidade precipuamente eleitoral. Ou seja, insere-se dentro daquele rol de medidas anteriormente elencadas que tinham objetivos essencialmente eleitoreiros”, registrou.
Por fim, Gilmar também deixa claro a necessidade de resguardar a integridade do processo eleitoral e o papel do Supremo no contexto.
“Nesse sentido, este tribunal tem de zelar com ênfase e rigor pelos pressupostos de realização da democracia, impedindo que os atuais ocupantes de cargos eletivos obstaculizem os canais de mudança e atuem como cúmplices de uma tirania da maioria.”
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ADI 7.212
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