Tribunais aceitam ações de despejo de moradia que correram em via arbitral
2 de agosto de 2024, 18h49
Tribunais brasileiros têm aceitado ações de despejo que foram determinadas por meio de arbitragem. Do começo de 2023 para cá, foram ao menos 32 casos que correram nas cortes estaduais, dos quais 24 registraram decisões favoráveis ao despejo pela via arbitral.
Os tribunais de Justiça de São Paulo e Goiás concentram o maior número de decisões do tipo. Posicionamentos na mesma linha foram contabilizados em Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal, Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Amazonas e Minas Gerais.
Na maioria dos casos, os magistrados entendem que as cláusulas arbitrais nestes contratos de imóveis são válidas e determinam o cumprimento judicial das decisões tomadas pelos árbitros.
No caso mais recente, a 1ª Vara Cível da Comarca de Caldas Novas (GO) determinou, em sede judicial, que seja cumprida a decisão proferida pela 2ª Câmara de Conciliação e Arbitragem da mesma cidade, que ordenou a um homem que alugava imóvel o pagamento de dívida e o despejo do apartamento. O juiz ainda autorizou uso da força policial para que o despejo seja efetivo, caso necessário.
“Vale ponderar que, nos termos do artigo 515, inciso VII do CPC, a sentença proferida por juiz arbitral é título executivo judicial, cujo cumprimento dar-se-á nos moldes do cumprimento de sentença judicial”, afirmou o juiz substituto Hugo Gutemberg P. de Oliveira.
“Não obstante, na mesma oportunidade, intime-se o executado acerca da obrigação de fazer, para desocupar o imóvel e permitir a reintegração de posse do exequente, de forma voluntária e pacífica, no prazo de 15 (quinze) dias sob pena de lhe ser cominada multa por descumprimento, nos termos do art. 537, do CPC, no patamar de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de permanência indevida, até o limite de R$ 10.000,00, caso a desocupação (voluntária ou involuntária) não ocorra primeiro”, sentenciou.
O advogado Gabriel Britto, que também atua como árbitro e fez o levantamento dos dados enviados à revista eletrônica Consultor Jurídico, afirma que a sentença arbitral não pode fazer “a execução direta, os atos de expropriação e desapossamento, mas pode realizar a execução indireta, a exemplo da aplicação de multas e astreintes”.
“A ação de despejo é uma ação com comando de resolução contratual e com ordem de desocupação. Caberá ao árbitro analisar se é caso de resolução ou não e, caso seja, e não for purgada a mora, determinar a desocupação, que, se não cumprida espontaneamente no prazo determinado, fará com que seja necessário o cumprimento de sentença para que o juiz de direito dê efetividade à desocupação”, diz.
Com a decisão, o TJ-GO consolidou o segundo maior número de decisões do tipo nestes julgamentos, atrás apenas do TJ-SP. São cinco casos em que há posicionamentos favoráveis ao uso da sentença arbitral para respaldar ação de despejo, sendo que três precedentes são provenientes das Câmaras Cíveis do tribunal (5ª, 3ª e 7ª).
No caso do tribunal paulista, foram oito decisões entre o começo do ano passado e julho deste ano. Seis câmaras já têm posições neste sentido (27ª, 28ª, 29ª, 31ª, 33ª e 34ª). Os mais recentes (1036268.27.2023.8.26.0100 e 1106257-57.2022.8.26.0100) foram julgados em julho e maio deste ano.
Os tribunais do Distrito Federal, com três precedentes, e o de Alagoas, com dois, ficam logo atrás de São Paulo e Goiás.
No DF, a 7ª Turma Cível tem três jurisprudências, sendo duas deste ano (073897.74.5.2023.807.0001 e 0745832-43.2023.8.07.0000), e, no tribunal alagoano, as decisões foram proferidas na 1ª e na 3ª Câmaras Cíveis (0807303-35.2022.8.02.0000 e 0808234-04.2023.8.02.0000, respectivamente).
A maior parte das decisões tem como fio condutor o lastro da cláusula arbitral para designar a sede em que divergência contratual será resolvida. Ainda que o árbitro não tenha poder para dar comando de execução direta em caso de não cumprimento espontâneo da decisão, pode ser emitida uma carta arbitral para que um juiz promova a execução.
Tribunais X STJ
A decisão da vara de Goiás e a tendência observada nos tribunais mostram que juízes têm adotado perspectiva distinta da do Superior Tribunal de Justiça, que vetou a possibilidade de ação de despejo pela via arbitram em 2021. O caso julgado pela corte superior, todavia, tinha relação com abandono de imóvel e foi impetrado em 2014 — antes, portanto, das mudanças na Lei de Arbitragem.
Relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.481.644), o caso julgado no STJ era sobre um imóvel localizado no Shopping Tatuapé, na capital paulista, em que uma empresa que alugava o local abandonou o imóvel e deixou de pagar mais de R$ 182 mil em aluguéis e outras despesas.
Salomão afirmou que, a despeito de as cláusulas arbitrais terem força vinculante e caráter obrigatório, “a execução na ação de despejo possui característica peculiar e forma própria.”
“Na hipótese, o credor optou por ajuizar ação de despejo, valendo-se de duas causas de pedir em sua pretensão — a falta de pagamento e o abandono do imóvel —, ambas não impugnadas pela recorrente, para a retomada do bem com imissão do credor na posse. Portanto, há competência exclusiva do juízo togado para apreciar a demanda, haja vista a natureza executória da pretensão”, escreveu Salomão.
A alteração na lei, em 2015, todavia, deu mais poderes aos árbitros para manter ou derrubar medidas cautelares e urgentes concedidas pelo Judiciário, além de delinear o instituto da carta arbitral, documento que determina a aplicação do entendimento dos árbitros pelo tribunal competente.
Para Britto, o caso julgado pelo STJ, por se tratar de abandono, já estava resolvido, só restando a ordem judicial de emissão da posse. Dessa forma, o precedente não tem relação com casos de ação de despejo em que o locatário ainda reside no imóvel.
“As decisões desfavoráveis ainda existentes citam o precedente do STJ sem fazer a efetiva distinção entre o caso concreto lá submetido e o comum dos casos relativos às rotineiras ações de despejo. A cláusula compromissória não é apenas uma cláusula jurídica, ela é uma cláusula econômica e a sua anulação infundada pelos tribunais gera insegurança jurídica indesejada e, no caso da locação, aumenta o risco e o custo de transação, desaquece o setor e faz com que debates sobre inadimplemento contratual se eternizem por décadas no Judiciário”, diz o advogado.
Processo 5721335-11.2024.8.09.0024
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