Opinião

Gratuidade da Justiça com redução percentual de despesas processuais

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1 de agosto de 2024, 7h04

No relatório Justiça em Números, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), destaca-se que a corte maranhense solucionou um significativo volume de processos com justiça gratuita no ano de 2023. Esses dados evidenciam a relevância da concessão de gratuidade das despesas processuais nesse cenário jurídico [1].

É indiscutível que a gratuidade da justiça desempenha um papel fundamental na garantia do acesso à jurisdição e na efetivação concreta da isonomia. Esse aspecto ganha ainda mais relevância quando consideramos a marcante desigualdade social e o histórico de violações de direitos nas interações entre particulares e nas relações entre o Estado e os administrados.

Neste ponto, se mostra absolutamente correto que se busque garantir, sem nenhuma barreira fundada na falta de recursos materiais, que todo cidadão acesse à jurisdição e exija do Estado-juiz o provimento jurisdicional útil e necessário a entrega do direito invocado.

Excepcionalidade

No entanto, em que pese o Código de Processo Civil estar em vigor desde março de 2016, é preciso reconhecer que, ainda na quadra atual, acumulam-se exemplos de que o tema da gratuidade da justiça permanece sendo tratado sob o prisma da vetusta Lei nº 1.060/1950, que hodiernamente trata apenas quanto à assistência judiciária.

Na prática judicial, a solicitação de benefícios de gratuidade deve ser motivada pela falta de recursos financeiros para arcar com as despesas processuais. No entanto, é fundamental ressaltar que a isenção total das despesas deve ser considerada de forma excepcional, reservada para situações em que a impossibilidade de pagamento é clara e justificada.

A conclusão de que a isenção total quanto ao pagamento das despesas processuais é medida de caráter excepcional se extrai da leitura do artigo 98, §§ 5º e 6º do CPC, in verbis:

“Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.

§ 5º. A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

§6º. Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.” (grifos do articulista)

Conforme se observa, a lei permite que o juiz conceda redução percentual nas custas processuais, sem estabelecer um limite para o desconto, além de possibilitar o parcelamento dos valores devidos, igualmente sem limitação. Essa flexibilidade visa adequar o pagamento das despesas judiciais às condições econômicas do usuário do sistema de justiça (modulação da gratuidade).

Ao analisarmos a questão, percebemos que a alegação de falta de recursos financeiros para o pagamento das custas não resulta automaticamente na isenção total de despesas.

Entre o pagamento integral e a isenção completa, existe uma margem ampla para concessão de descontos e possibilidade de parcelamento. O objetivo é tornar as despesas processuais plenamente suportáveis para as partes envolvidas, ainda que o pagamento das custas se restrinja a uma fração do que seria originalmente devido.

Equilíbrio

A compreensão da importância do recolhimento das custas judiciais é fundamental para o equilíbrio do sistema e a otimização do uso do Poder Judiciário. A solução legal, que envolve a redução percentual e o parcelamento das custas, permite que o magistrado avalie a capacidade econômica da parte envolvida. Ao confrontar essa informação com o valor efetivo das despesas, busca-se harmonizar a necessidade de racionalização do serviço público com o direito fundamental de acesso à Justiça.

Spacca

A adoção dessa medida não apenas contribui para o aumento da arrecadação, que atualmente está sendo mitigada pelas isenções totais, mas também serve como uma barreira preventiva contra ações predatórias ou fraudulentas, cuja existência é amplamente reconhecida nos tribunais e são a causa de muitas das agruras suportadas por aqueles que efetivamente precisam de um provimento em tempo razoável [2] [3].

No âmbito da prática judiciária, quando uma demanda é distribuída e há um pedido de concessão de justiça gratuita, o magistrado deve adotar medidas para analisar se o benefício deve ser concedido, em especial, deve confrontar o valor das custas com as condições socioeconômicas do pretenso beneficiário

O objetivo é avaliar, no caso concreto, se o requerente realmente não possui capacidade econômica para arcar com as custas processuais integrais. Nessas situações, o juiz deve considerar a aplicação de parcelamento e/ou redução percentual das despesas, ajustando o valor a ser pago à realidade financeira do beneficiário. Embora a gratuidade deva ser concedida, a isenção total deve ser reservada apenas para casos excepcionais reconhecidos pelo próprio juiz.

O uso da autorização para concessão de descontos e parcelamentos deve ser encarado como obrigatório; se a lei permite adequar o valor e a forma de pagamento das custas às condições do usuário do sistema de Justiça, evidencia-se que a concessão de isenções completas, sem critério, são prejudiciais ao sistema, e, por consequência, aos usuários.

Não se pode negligenciar o recolhimento de custas, ainda que reduzidas; trata-se de uma medida legal e eficaz para evitar a banalização e a concessão indiscriminada da gratuidade total das despesas processuais, conforme demonstram os precedentes:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PESSOA FÍSICA. MODULAÇÃO DA GRATUIDADE. REDUÇÃO EM 90% (NOVENTA POR CENTO) E PARCELAMENTO EM 04 (QUATRO) PRESTAÇÕES. ART. 98, §§ 5º e 6º, CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. – O CPC buscou prevenir a utilização indiscriminada/desarrazoada da benesse da justiça gratuita, ao dispor, no art. 98, parágrafos 5º e 6º, que a gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual ou parcelamento.” (TJ-PB – AI: 08111672620198150000, relator: desa. Maria das Graças Morais Guedes, 3ª Câmara Cível)

“JUSTIÇA GRATUITA – Agravo de Instrumento – Insurgência contra decisão que negou as benesses da assistência judiciária ao autor, mas concedeu redução em elevado percentual (90%) das despesas processuais, isentando-o das despesas iniciais e de citação – Decisão atenta às peculiaridades dos autos e ao disposto no art. 98, § 5º, do CPC – Ausente demonstração de que o recolhimento em pequeno percentual (10%) das despesas processuais prejudicaria o sustento do agravante e seus familiares – Decisão mantida – Recurso improvido.” (TJ-SP – AI: 20044980820238260000 SP 2004498-08.2023.8.26.0000, relator: Caio Marcelo Mendes de Oliveira, data de julgamento: 30/01/2023, 32ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 30/01/2023; grifo do articulista)

Por outro lado, é importante destacar que no sistema judiciário pátrio, para aqueles que genuinamente não desejam arcar com nenhuma despesa processual, existe a alternativa de ingressar com demandas nos Juizados Especiais. Nessa hipótese, a gratuidade é assegurada por lei no primeiro grau, garantindo o livre acesso ao Poder Judiciário, independe do recolhimento de custas.

Assim, seja por meio da fixação de valores de custas adequados às condições das partes (no âmbito da justiça comum), ou pela escolha de utilizar o órgão jurisdicional isento de custas (JECC), o cidadão terá garantido o acesso à jurisdição.

 


[1] https://www.tjma.jus.br/midia/portal/noticia/514150/tjma-solucionou-maior-numero-de-processos-com-justica-gratuita-em-2023

[2] https://www.migalhas.com.br/quentes/395030/demanda-predatoria-juiza-oficia-oab-apos-330-acoes-iguais-de-advogada

[3] https://www.conjur.com.br/2023-abr-30/barros-ferreira-sistematica-facilita-demandas-predatorias/

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