Consultor Jurídico

Competência concorrente para pedido de distinção no sobrestamento de repetitivos

19 de abril de 2024, 9h18

Por Ravi Peixoto

imprimir

Recentemente, um colega de procuradoria me fez uma pergunta para a qual eu não tinha uma boa resposta: a quem compete analisar um pedido de distinção quando o recurso especial ou extraordinário está sobrestado no tribunal no juízo de admissibilidade pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal? Também não achei uma resposta clara na doutrina e nem na jurisprudência.

O problema surge porque o CPC parece, ele próprio, ter duas opiniões sobre o tema.

A primeira possibilidade — mais clara — está no artigo 1.037, §10, II. O texto normativo prevê que o pedido de distinção deve ser dirigido “ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem”.

Utilizando esse procedimento, temos uma opção normativa curiosa: o presidente do tribunal, analisando o recurso, decide pelo seu sobrestamento. Mas será um terceiro — o relator originário — que terá competência para analisar o pedido de distinção. É no mínimo estranho, mas é uma opção legislativa.

Isso fica ainda mais claro porque o artigo 1.037, §12, II, afirma que, reconhecida a distinção, “o relator comunicará a decisão ao presidente ou ao vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.030, parágrafo único”.

Nessa hipótese, tem-se um devido processo legal do pedido. Primeiro, a parte adversa deve ser ouvida em cinco dias (artigo 1.037, §11, CPC). Uma vez decidido o requerimento, ainda será cabível o agravo interno em face da decisão (artigo 1.037, §13, II, CPC).

Competência concorrente

Mas há um problema.

O artigo 1.030, III, prevê que compete ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal “sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional”.

Até o momento, não há problemas aparente. O presidente ou o vice-presidente e o relator têm competência para decidir sobre a distinção. Não é comum que um órgão tenha competência para sobrestar e um outro órgão, que em tese já teria esgotado sua jurisdição, decida sobre esse mesmo tema.

É peculiar, mas não parece haver ilegalidade nisso. Um exemplo é a competência executiva: se o tribunal, em recurso, impõe uma obrigação de fazer, caberá ao juiz de primeiro grau interpretar e executar a decisão.

Spacca

Ocorre que o artigo 1.030, §2º, do CPC, cria uma situação problemática. É que ele prevê que dessa decisão será cabível o agravo interno. Se é cabível agravo interno da decisão que sobresta o recurso, sem que se alegue a razão, ela também inclui a distinção.

O problema surgiu por conta da alteração no CPC realizada pela Lei 13.256/2015, que ressuscitou o juízo de admissibilidade no recurso especial e extraordinário. Foi ela que inseriu o artigo 1.030, III e o §2º, do CPC, mas parece ter esquecido de alterar o artigo 1.037, §10, do CPC.

Eis o problema.

O CPC prevê uma competência concorrente para a alegação de distinção: ou a parte se utiliza do art. 1.037, §10, e dirige o pedido ao relator ou se utiliza do artigo 1.030, §2º e já apresenta agravo interno da decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal.

Em tese, seria possível imaginar outras interpretações.

A de que apenas caberia ao presidente a análise da distinção [1]. Isso porque o relator originário já teria exercido a sua função e finalizado sua atuação com o acórdão. Essa interpretação teria por base uma revogação implícita do artigo 1.037, §10, III, CPC, pela Lei 13.256/2015, que passou a prever a competência do presidente ou do vice presidente do tribunal para sobrestar os recursos.

Não me parece ser o caso, porque a competência concorrente causa estranhamento, mas é possível, nada impede que requerimentos distintos para órgãos distintos convivam entre si. Em resumo, não há antinomia a justificar a tese da revogação implícita.

Outra possibilidade seria afirmar que o artigo 1.037 do CPC teria uma limitação ao seu âmbito de aplicação. Ele apenas incidiria na hipótese de a afetação ocorrer no tribunal superior. Mas o problema permanece. No fim das contas, o recurso especial ou extraordinário sempre vai acabar nas mãos do presidente ou do vice-presidente do tribunal.

Enfim, parece haver, de fato, uma hipótese de competência concorrente. O cuidado que se deve ter é o de que não se pode realizar de forma concomitante um pedido ao relator e um agravo interno em face do presidente do tribunal. Uma vez escolhida uma das vias, voltada à mesma função, a outra é excluída.

Cabe à parte escolher, estrategicamente, o procedimento a ser utilizado. Se dirigido ao relator, há possibilidade de duas decisões, a primeira, pelo próprio relator, e ainda cabe agravo interno ao colegiado. Se optar por requerer ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal, terá de interpor imediatamente o agravo interno.

Uma outra diferença é o tempo. Se dirigido ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal, o prazo para impugnação é o prazo do agravo interno. Se dirigido ao relator, não há um prazo fixado. O pedido pode ser feito a qualquer momento, até o julgamento do recurso repetitivo ou do recurso extraordinário com repercussão geral.

É possível concluir que a competência concorrente para analisar pedidos de distinção não configura uma contradição normativa, mas sim uma escolha (talvez inconsciente) do legislador. Assim, cabe às partes compreender e utilizar de forma estratégica os instrumentos disponíveis.

*o tema do artigo foi sugerido pelo professor Vinicius Lemos