Opinião

O STF e o acesso às informações financeiras pelos órgãos de persecução criminal

Autores

  • é advogado mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) graduado em Direito pela PUC-SP e membro do departamento de Amicus Curiae do IBCCrim.

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  • é advogado graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP) graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP).

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  • é advogado criminalista graduado pela USP-SP e pós-graduado em Direito Processual pela Escola Paulista de Direito (EPD).

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  • é advogado doutorando mestre em Processo Penal pela PUC-SP especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC-MG professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

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  • é advogado especialista em Direito Probatório pela Universidade de Salamanca e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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  • é advogado mestrando em Processo Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão de Direito Penal da subseção Penha de França da OAB-SP.

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  • é advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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14 de abril de 2024, 7h05

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 1.055.941 referente ao Tema 990 em sede de repercussão geral, fixou a tese da validade do compartilhamento de RIFs (relatórios de inteligência financeira) com os órgãos de persecução penal, independentemente de autorização judicial.

Na ocasião, o STF reputou constitucional o compartilhamento dos RIFs produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — então Unidade de Inteligência Financeira (UIF) — e do conteúdo de procedimento fiscalizatório da Receita Federal com os órgãos de persecução penal para fins criminais em relação a uma operação, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial.

Agora, a Reclamação 61.944, em curso da 1ª Turma do STF, expandiu o alcance dessa tese, ou seja, se podem as autoridades relacionadas à persecução penal solicitar diretamente ao Coaf/UIF os RIFs, independentemente de autorização judicial.

A nosso ver, a semelhança que sugeriu a aproximação entre o Tema 990 e a RCL 61944 consiste justamente neste ponto de ordem fiscal: a causa tributária é o pano de fundo. No Tema 990, foi reconhecida a constitucionalidade do compartilhamento pelo Coaf e pela RFB com os órgãos de persecução criminal de informações protegidas por sigilo bancário e fiscal (admissível porque a conclusão de procedimento administrativo que poderia indicar a prática de crime tributário justifica a remessa às autoridades penais através do expediente da representação fiscal para fins penais).

Agora, na RCL 61.944, a declaração da inconstitucionalidade de decreto de incentivo fiscal de ICMS (que ainda pende de pronunciamento judicial, cujo provimento impacta a área penal) embasa a suspeita de sonegação, a qual é causa do requerimento direto pelos órgãos de persecução criminal ao Coaf.

Isto é, no Tema 990 foi autorizado o envio “ex officio” de RIFs pelo Coaf/UIF aos órgãos de persecução penal sem intermédio do Poder Judiciário referentes a jurisdicionados sob investigação. Agora, a RCL 61944, o que se discute é o cabimento da via inversa: a possibilidade de estes órgãos requisitarem diretamente os RIFs em questão — o que poderia ser considerado “fishing expedition” (pescaria probatória), conforme já julgou a 2ª Turma em outra ocasião, no HC 201.965, em que o paciente foi o senador Flavio Bolsonaro, o qual obteve decisão favorável, declarando a nulidade dos RIFs e das provas deles decorrentes e a imprestabilidade dos elementos probatórios então colhidos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Em razão do avanço deste tema sensível, é importante a Suprema Corte então definir objetivamente os critérios, posto que há a nítida restrição a direitos fundamentais em fricção com os órgãos de persecução criminal.

Com este artigo, pretendemos estabelecer alguns contornos à matéria.

Inicialmente, destacamos um ruído entre, de um lado, a motivação empregada pelo ministro Cristiano Zanin Martins para conhecimento da via da reclamação constitucional e, de outro lado, o suporte fático do caso concreto.

Para admitir a reclamação, o ministro articula as recomendações do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) do Conselho de Segurança da ONU que visa à repressão à criminalidade internacional, sobretudo o tráfico internacional de drogas, o terrorismo e seu financiamento. Contudo, o caso advém dos efeitos da declaração pelo tribunal local da inconstitucionalidade de benefício fiscal concedido desde 2007 à conceituada empresa do ramo de produção de bebidas alcoólicas. É nítida a desproporcionalidade. Primeiro ponto.

O segundo ponto consiste na razoável dúvida sobre a lavagem de dinheiro — matéria de interesse do Coaf e na possibilidade de desvio de finalidade. Ora, se a suposta sonegação se deu com base em isenção fiscal, faltaria a causa para a necessidade da ocultação, o que afastaria o interesse do Coaf. Outro aspecto relevante consiste no fato de o não recolhimento produzir simplesmente um crédito presumido e, nessa qualidade, não guarda pertinência com o expediente da dissimulação, afeito ao Coaf. Ou seja, inexistindo interesse dos órgãos repressores à lavagem de dinheiro, o desvio de finalidade residiria justamente no uso do expediente do Coaf para fins fiscais, estranhos à atuação do órgão de inteligência financeira.

Inclusive, aplicando a fórmula alexyiana da regra da proporcionalidade [1], a autorização para os órgãos afeitos à persecução penal requisitarem os RIFS ao Coaf sem autorização judicial não atinge os requisitos cumulativos da (1) adequação, (2) necessidade e (3) proporcionalidade “stricto sensu”: numa relação meio-fim, o rastreamento atinge o objetivo se obter as transações financeiras (requisito 1), mas não se mostra necessário (porque a suposta sonegação gera mero crédito e por isso não enseja o branqueamento) e nem proporcional (a violação ao direito fundamental da privacidade leva somente à pescaria probatória — prática inadmissível e que não conduz a prevalência de outro direito fundamental nesta colidência) (requisitos 2 e 3 não atendidos, portanto).

Conforme fica evidenciado, a complexidade regulatória inerente à matéria torna recomendável a intermediação do Poder Judiciário. A necessidade de um pedido dessa natureza passar pelo crivo judicial permite o devido controle dos órgãos de persecução penal; outorga mais objetividade ao expediente; mitiga as nulidades, conferindo segurança jurídica; e compatibiliza o interesse do Estado com os direitos fundamentais.

Portanto, é absolutamente necessário o pronunciamento do Tribunal Pleno, moderando o alcance da decisão exarada pela 1ª Turma no sentido de corrigir tal entendimento que permite uma via de mão dupla entre os órgãos de inteligência financeira e os órgãos de persecução criminal.

 

Referência
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

 


[1] Método aplicável ante à colidência abstrata entre institutos de mesmo “status” porque previstos no mesmo diploma legal, i.e., direito à intimidade/privacidade x vigilância.

Autores

  • é advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim, graduado em Direito pela PUC-SP, coordenador do Caderno de Jurisprudência e editor-assistente do Boletim IBCCrim.

  • advogado graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP), graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP).

  • é advogado criminalista graduado pela USP-SP e pós-graduado em Direito Processual pela Escola Paulista de Direito (EPD).

  • é advogado criminal, doutorando, mestre em Processo Penal pela PUC-SP, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC-MG, professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França)

  • é advogado, especialista em Direito Probatório pela Universidade de Salamanca e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • é advogado criminal, especialista em Ciências Criminais pela PUC-MG e presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

  • é advogado criminal, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP/ USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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