Preços de avaliação e alienação de unidades produtivas isoladas na RJ
9 de abril de 2024, 18h19
A criação de unidades produtivas isoladas (UPIs) se constitui como um dos principais meios de soerguimento empresarial utilizados nos planos de recuperação judicial atualmente. Ela pode ser constituída por bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas as participações dos sócios, na forma do artigo 60-A, da Lei 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial e Falências (LREF).
Com a reforma da LREF, positivada pela Lei 14.112/2020, tornou-se pacífico que a alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.
Modalidades
A mesma reforma definiu as duas modalidades de alienação de bens possíveis, como sendo o leilão eletrônico, presencial ou híbrido, e o processo competitivo organizado por agente especializado e de reputação ilibada, ou outras formas, desde que aprovada nos termos da LREF (caso das hipóteses de pregão e propostas fechadas, revogadas pela Lei 14.112/2020, por exemplo).
Além da utilização das modalidades convencionais de alienação judicial, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça validou a possibilidade de uma UPI ser objeto de venda direta pela recuperanda, desde que essa situação excepcional tenha sido detalhadamente justificada na proposta e aprovada pelos credores (REsp 1.689.187, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva).
Avaliação e o entendimento do STJ
Quanto à avaliação da UPI, é dispensável que ela seja realizada de maneira oficial pelo juízo, já que o plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor deverá conter a demonstração de sua viabilidade econômica e laudo econômico-financeiro e de avaliação de bens e ativos do devedor.
Justamente por isso, chama a atenção julgado relativamente recente do STJ, do dia 12 de setembro de 2023 (REsp 2.071.143/RJ), em que um credor questionava a alienação de uma UPI, que contava com valor mínimo de negociação de R$ 4,5 milhões, mas que acabou sendo vendida por preço seis vezes superior (R$ 25 milhões).
Esse ágio obtido em leilão competitivo, superior a R$ 20 milhões, de acordo com o plano, deveria ser destinado ao caixa da companhia em recuperação judicial e não para o pagamento dos credores, vez que somente o valor de avaliação da UPI encontrava-se comprometido para o pagamento dos créditos sujeitos à recuperação judicial, com um deságio de 75%.
Na visão do relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o propósito da recuperação judicial, na esteira do artigo 47, da Lei nº LREF, é o de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Todavia, não se coaduna com esses propósitos a ampliação do negócio da recuperanda “à custa do esforço dos credores, dentre os quais, trabalhadores e diversos empresários que, com sua atividade, também geram riquezas e recolhem impostos”.

Com base no princípio da boa-fé e considerando a assimetria informacional existente entre a devedora e os credores, uma vez contatada a “excepcional alteração para melhor na situação financeira da empresa em recuperação”, é cabível a convocação de assembleia-geral de credores, a pedido dos destes ou determinada pelo próprio juízo, para se deliberar acerca da possibilidade de modificação do plano de recuperação judicial.
Esse precedente é relevante, na medida em que se constitui como avanço nas discussões sobre o controle do plano de recuperação judicial pelo juízo, por deslocar o foco que até então a doutrina direcionava às questões envolvendo a aplicação da teoria do preço vil e aos limites para a alienação de UPIs por preço inferior ao da avaliação.
A partir de agora, a possibilidade de ocorrência de leilões “super-exitosos” de UPIs passam a recomendar atenção redobrada dos atores envolvidos nos processos de recuperação judicial.
Pelo lado das recuperandas, deve-se ter atenção redobrada com a avaliação do ativo, que deverá refletir um preço compatível com a realidade e apetite do mercado, a necessidade de serem observados os deveres de transparência e de idoneidade das informações repassadas aos credores, bem como obedecido o princípio da boa-fé, para que a tomada de decisões destes seja feita de forma consciente e esclarecida.
Embora não se constitua como uma verdadeira modificação do plano de recuperação judicial, a valorização de uma UPI e da própria atividade empresarial da recuperanda no curso do processo, na visão do STJ, recomenda a convocação de assembleia de credores para a apresentação de esclarecimentos e aditamento ao plano, com a previsão de melhores condições para pagamento dos créditos sujeitos.
Para contornar essa “recomendação”, que em alguns casos pode ser interpretada como “dever”, uma boa prática imediatamente identificável é a possibilidade de os planos de recuperação judicial regrarem, desde a sua apresentação, acerca da destinação do produto do ágio obtido com a alienação de bens no curso do processo, quem sabe mediante a divisão do ganho entre a coletividade de credores e os negócios da recuperanda.

Já os credores, administradores judiciais e juízes também devem se atentar a possibilidade de ser convocada, de ofício, ou por requerimento das partes envolvidas, uma assembleia para ser debatida a nova realidade econômica que se abateu sobre a empresa.
Por fim, embora seja louvável o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1.689.187, porque evidentemente chama a atenção a discrepância entre o valor da avaliação e de venda da UPI, não parece razoável concluir que os negócios da empresa em recuperação judicial, em qualquer caso, não possam ser beneficiados com o ganho financeiro ocorrido no processo de alienação, primeiro, porque a coletividade de credores será contemplada, no longo prazo, com a pujança dos negócios da recuperanda, que poderá ganhar fôlego e gerar caixa para quitar as obrigações assumidas no plano; e, segundo, por não haver vedação legal à possibilidade de eventual ágio retornar à recuperanda, se assim deliberarem os seus credores.
Na prática, o STJ inova e impõe às empresas em recuperação judicial o dever de convocar uma assembleia-geral de credores fora das hipóteses previstas na LREF e indica a proibição de ampliação dos negócios da devedora com o produto excedente de venda de UPI, o que deve ser interpretado restritivamente.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!