Opinião

Efeitos do reajuste por custo nos planos de saúde coletivos

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29 de outubro de 2023, 17h09

A Lei nº 9.656/1998 não prevê regra específica de reajuste para os planos de saúde coletivo. No entanto, o reajuste é importante instrumento de recomposição de preço e de equilíbrio dos contratos de trato sucessivo, ou seja, daqueles que se prolongam no tempo.

Neste sentido, a informação acerca de reajuste periódicos de preço, seja por critério de custo ou etário, devem respeitar o direito à informação qualificada, previsto no Código de Defesa do Consumidor.

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Entendemos por informação qualificada, nos termos dos artigos 6º, III e 31, a informação clara, simples, objetiva, ostensiva e prévia, que permita ao consumidor, portanto, prestar o seu aceite, de forma livre e plenamente consciente, visando a proteção, portanto, de sua vontade, como elemento formador dos contratos. Desta forma, é imperioso que o contrato preveja características mínimas, como qualificação das partes, objeto, preço, forma e condições de pagamento, encargos por atraso, direitos e deveres das partes, formas de rescisão, etc…

A informação prévia, portanto, constitui-se num consectário lógico-jurídico aos princípios da transparência e da boa-fé contratual.

Neste sentido, destacamos o disposto no artigo 16 da Lei dos Planos de Saúde, o qual, ao elencar os 12 itens que devem compor especificamente os contratos de saúde, estipula, dentre eles, a forma de reajuste, consoante se verifica abaixo:

Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:
I – as condições de admissão;
II – o início da vigência;
III – os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;
IV – as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;
V – as condições de perda da qualidade de beneficiário;
VI – os eventos cobertos e excluídos;
VII – o regime, ou tipo de contratação:
a) individual ou familiar;
b) coletivo empresarial; ou
c) coletivo por adesão;
VIII – a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica;
IX – os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária;
X – a área geográfica de abrangência;
XI – os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.
XII – número de registro na ANS. (destacamos)

Desta forma, quando a proposta de reajuste venha desacompanhada de demonstração quanto ao cálculo atuarial que deve embasar o pleito de reajuste, afronta-se o disposto no artigo 25, § 1º da RN/ANS nº 557/2022. Ressaltamos que o referido demonstrativo atribui legitimidade ao pedido de reajuste, sem o qual, este não se encontra devidamente fundamentado, podendo ensejar num desequilíbrio entre as contraprestações.

A ausência do cálculo e somente a justificativa de alta sinistralidade, sem qualquer comprovação documental, macula a juridicidade do pedido, uma vez que acaba incidindo no disposto no artigo 39, V (exigência de vantagem manifestamente abusiva) e X (elevação sem justa causa de preço) do Código de Defesa do Consumidor, caracterizando-se como prática abusiva.

Não obstante, a lei preceitua o reajuste, da forma como praticado, como cláusula nula de pleno direito, consoante exegese do artigo 51, IV e X.

Veja-se, aliás, que ambos os contratantes — em especial o fornecedor — devem respeitar os princípios contratuais gerais e específicos do direito do consumidor, dentre eles ressaltamos a boa-fé, o equilíbrio das contraprestações, a função social do contrato. Não se olvide dos princípios da proteção do interesse econômico e da vulnerabilidade do consumidor, previstos no artigo 4º, caput e I do CDC.

Na hipótese de contratação de planos de saúde coletivo, o consumidor busca se esquivar de altos valores atinentes a contratos individuais, visando justamente a solidariedade da co-participação, isto é, da coletivização das despesas do plano, culminando em prestações que estejam mais adequadas as suas possibilidades financeiras. Com isso, o consumidor se planeja e espera permanecer por longos anos ou até por toda a vida em seu plano, sem que precise mudar. Daí se configura o interesse econômico do consumidor.

A ausência do cálculo atuarial macula a comutatividade entre as prestações. Sem a devida comprovação quanto à justificativa matemática para que se proceda ao suposto equilíbrio, deve incidir, a nosso ver, o disposto nos artigos 46 e 47 do diploma consumerista, no tocante à interpretação mais favorável ao consumidor.

Em havendo rescisão unilateral, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedentes no sentido de, procedendo com uma interpretação deontológica do disposto no artigo 3º da Resolução Consu nº 19/2019 com o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição, entender que seja permitido ao consumidor de planos coletivos que sejam encerrados a devida portabilidade de carências para outros, individuais ou familiares, consoante se extrai da ementa abaixo:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO POR ADESÃO. RESILIÇÃO UNILATERAL. OPERADORA QUE NÃO COMERCIALIZA PLANO DE SAÚDE INDIVIDUAL E FAMILIAR. CDC. LEI 9.656/1998. ART. 3º DA RESOLUÇÃO CONSU Nº 19/1999. DIÁLOGO DAS FONTES. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. ABUSIVIDADE. DIREITO À PORTABILIDADE DE CARÊNCIA RECONHECIDO. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de obrigação de fazer c/c compensação do dano moral ajuizada em 11/11/2015, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 05/02/2018 e atribuído ao gabinete em 11/05/2018.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a obrigação de a operadora de plano de saúde coletivo por adesão, depois de resilir unilateralmente o contrato firmado com a pessoa jurídica a que estão vinculados os beneficiários, reintegrá-los no mesmo plano, diante da inexistência, em sua carteira de serviços, de plano individual ou familiar, ou adotar outra providência que lhes assegure a obtenção da tutela pelo resultado prático equivalente.
3. A ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos de saúde coletivos – ressalvados, apenas, os de autogestão -, deve observar os ditames do CDC.
4. Se, de um lado, a Lei 9.656/1998 e seus regulamentos autorizam a operadora do seguro de saúde coletivo por adesão a não renovar o contrato; de outro lado, o CDC impõe que os respectivos beneficiários, que contribuíram para o plano, não fiquem absolutamente desamparados, sem que lhes seja dada qualquer outra alternativa para manter a assistência a sua saúde e de seu grupo familiar.
5. A interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução Consu nº 19/1999 agrava sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço e favorece o exercício arbitrário, pelas operadoras de seguro de saúde coletivo, do direito de não renovar o contrato celebrado por adesão, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas.
6. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei 9.656/1998, com a regulamentação dada pela Resolução Consu nº 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a estipulante, corresponde o dever de proteção dos consumidores (beneficiários), que contribuíram para o seguro de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço.
7. Na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.
8. Hipótese em que se reconhece a abusividade da resilição pela operadora do plano de saúde, por inobservância do dever de notificação prévia, e, por conseguinte, a prorrogação dos efeitos do contrato, com a determinação de que os recorrentes sejam devidamente comunicados da extinção do vínculo contratual a fim de que possam exercer o direito de requerer a portabilidade de carência, nos termos da norma regulamentadora.
9. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp n. 1.739.907/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 26/8/2020.)

 A interpretação da ministra Nancy Andrighi prestigia não só o direito à vida e à saúde do usuário. Prestigia, outrossim, o aproveitamento da portabilidade da carência, a qual se constitui em um direito imaterial e oneroso do consumidor. Após cumprido o interregno de tempo necessário à completa fruição dos serviços disponibilizados pela operadora do plano de saúde, o usuário adquire, assim, o direito não apenas ao uso e gozo dos serviços e produtos, mas, igualmente, de poder mudar de plano, levando consigo a carência já cumprida, nos termos do disposto na RN/ANS nº 252/2011.

Trata-se de interpretação que visa a resguardar os direitos fundamentais à vida e à saúde do consumidor, respeitando e aproveitando, com isso, a carência que este já possua em seu plano para outro, com as mesmas condições de prestação de serviços.

Desta forma, entendemos pela impossibilidade de reajuste do plano, sem que este esteja devidamente embasado e comprovado através do cálculo atuarial, sob pena deste se caracterizar como prática abusiva, nos moldes do Código de Defesa do Consumidor.

Em havendo eventual rescisão unilateral do contrato, entendemos por duas possibilidades: (i) o plano deve assegurar a portabilidade das carências dos usuários ou de migração de plano, sob pena de ofensa ao disposto no artigo 13, parágrafo único, I da Lei nº 9.636/1998 e súmula normativa nº 21 da ANS; e, não obstante, (ii) o direito à justa indenização, em razão da violação dos deveres de boa-fé e transparência, impactando nos tratamentos e nos custos do novo plano de saúde para os seus usuários.

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