Especialistas discutem futuro dos partidos e obstáculos ao sistema democrático
24 de outubro de 2023, 18h07
O futuro dos partidos políticos, em uma análise comparada entre América Latina e a Europa, foi tema central de debate entre cientistas políticos e membros do Poder Judiciário na última sexta-feira (20/10), na sede da FGV Conhecimento, no Rio de Janeiro.
A mesa "O futuro dos partidos políticos: uma avaliação comparada entre a Europa e a América Latina" contou com a presença do professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vitalino Canas, e do sociólogo, cientista político e professor Antônio Lavareda. O evento discutiu o panorama da política mundial pela estrutura partidária e suas transformações.
Vitalino Canas, que também preside o Fórum de Integração Brasil-Europa (FIBE) e é ex-deputado do Parlamento Português, chamou a atenção para a alteração da estrutura dos partidos políticos no cenário europeu, reforçando a tese da cientista política Nadia Urbinati sobre o declínio do sistema democrático partidário.
Em síntese, segundo Urbinati, a democracia passou a ser exercida pelos partidos sem uma relação com os cidadãos — que não aquela orientada para a conquista de votos — ou seja, passou a ser uma democracia "dos" partidos em vez de "por meio dos" partidos.
Vitalino Canas lembrou que, se no final do século XIX os partidos podiam ser reconhecidos como espaço de conscientização política e disputas ideológicas, no século XXI eles passaram a sofrer com os efeitos da "criminalização da política", disseminada entre a onda contemporânea de crises das democracias modernas.
Dificuldade de diálogo
"Os partidos sofrem e apresentam dificuldade de dialogar com as novas formas de formação do cidadão", afirmou Canas. Atravessados pela lógica das redes sociais, prosseguiu, "os partidos tradicionais ficam expostos" e são recorrentemente "desafiados" por novos partidos mais radicalizados — que são, muitas vezes, contrários ao contrato institucional.
Sua análise ainda apontou para a perda significativa de espaço pelos partidos tradicionais na Europa. O professor alertou para a situação de países como a França e a Grécia, que podem facilmente ver seus sistemas entrarem em colapso como resultado de coligações discrepantes entre os partidos de centro e os de extrema direita.
O professor português defendeu o resgate da participação política para a além da mera participação eleitoral: "É necessário abrir diálogo com as novas formas de percepção da realidade que a nossa sociedade vem construindo."
Mecanismos de defesa
Já para Lavareda, a pressão com a qual os partidos políticos convivem é histórica. Ele ressaltou a importância das coligações partidárias (agora também chamadas de federações no Brasil) para a defesa do sistema político democrático. Para o acadêmico, a sociedade deve buscar uma aliança contra siglas de extrema-direita e sua ameaça ao desenho institucional representativo.
O exemplo do governo de Jair Bolsonaro (PL), diz Lavareda, mostrou que o Brasil precisa investir em mecanismos de defesa às ameaças ao sistema político. "A apuração e a punição dos ataques realizados contra as instituições, em conjunto com a regulamentação das plataformas de internet, se apresentaram como ações incontornáveis para o início da revitalização do processo democrático."
Confiar no poder das instituições sem desenvolver mecanismos de controle e defesa da democracia pode ser uma opção ruim, alertou o sociólogo. "A fortificação da cultura democrática entre os movimentos sociais, assim como entre a sociedade civil faz-se necessária e urgente."
Os pontos levantados por Vitalino Canas e Antônio Lavareda demonstraram os obstáculos que vêm impedindo a consolidação de um sistema democrático mais forte. Neste sentido, as coligações e federações partidárias, tanto no cenário brasileiro quanto no europeu, são centrais no controle aos partidos extremistas. Ao mesmo tempo, é preciso renovar a comunicação dos partidos democráticos com a sociedade.
O evento contou ainda com a presença de membros do Poder Judiciário, como os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, Antônio Saldanha Palheiro e Marco Aurelio Bellizze.
O evento integra, em parceria, as atividades e discussões ambientadas no Fórum de Lisboa, realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pelo Centro de Investigação da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
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