Os contratos possuem como objetivo firmar a vontade das partes sobre determinado negócio jurídico, contudo essa vontade não pode prevalecer de forma que onere excessivamente qualquer uma das partes. Ou seja, a vontade das partes poderá ser relativizada em determinados casos.
Sabe-se que a incompletude contratual e mesmo a assimetria informacional pode ocasionar essa onerosidade excessiva, tornando desproporcional e demasiadamente vantajoso para aquele que detém informações e não a compartilhou.
Há, evidentemente, uma presunção do contrato celebrado ser paritário e simétrico, nos termos do artigo 421-A, do Código Civil [1]. Contudo, o próprio artigo 421-A, em sua parte final, demonstra que poderá ser afastada essa presunção.
Compreende-se que uma das hipóteses para afastar a paridade e simetria do contrato seja justamente a existência da assimetria informacional. Encontra-se presente a assimetria naqueles contratos celebrados onde uma das partes, por exemplo, omite informações relevantes e importantes para a tomada de decisão da outra parte.
Nos contratos de franquias essa assimetria poderá existir quando o franqueador deixar de informar quaisquer dados obrigatório constante no artigo 2º, da Lei 13.966/19. Exemplifica-se, na falta de informação, aos pretendentes franqueados, da relação de todos os franqueados e ex-franqueados dos últimos 24 meses.
A vontade do legislador, ao incluir a obrigatoriedade de fornecimento de tal informação, foi justamente proporcionar aos futuros franqueados uma decisão mais assertiva, evidentemente por poder contatar os demais franqueados e ex-franqueados da rede e ter acesso a mais informações, notadamente quanto ao funcionamento, suporte e viabilidade do negócio, de modo a contribuir com a tomada de decisão do pretendente, em aderir ou não a franquia.
Essas omissões são recorrentes e caracterizam uma nítida violação ao princípio da boa-fé. O modelo empresarial de franquia se caracteriza por ser um investimento em um protótipo de negócio já existente, onde o franqueado deve seguir um padrão definido pelo franqueador, aderindo ao formato e à estrutura previamente estabelecidos e testados.
A Lei de franquia, como é conhecida a Lei 13.966/2019, define como obrigatórias a prestação de diversas informações inerente ao negócio da franqueadora. Tais informações são de extrema importância para que o interessado verifique a higidez do negócio no qual pretende se vincular.
Frisa-se que as obrigações contidas na Circular de Oferta de Franquias (COF), devem ser informações claras, sem omissões e de fácil interpretação.
A COF é considerada o documento mais importante da franchising por materializar o dever de informação e transparência do franqueador ao franqueado, para que este possa avaliar, adequadamente, se deseja contratar ou não [2].
A Circular de Ofertas é um documento obrigatório e deverá ser fornecido com no mínimo dez dias de antecedência antes da assinatura do contrato da franquia propriamente dito. Sua ausência ou a omissão de quaisquer informações obrigatórias abre a possibilidade de o franqueado arguir a nulidade e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, nos termos do §2º do artigo 2º, da Lei 13.966/2019 [3].
As violações praticadas pelas franqueadoras, notadamente quanto a omissão de informações exigidas por lei, bem como na veiculação de informações falsas na COF, afronta o artigo 2º, caput, III, IV e X, da Lei 13.966/19 [4].
O contrato de franquia se caracteriza pela parceria entre as partes voltadas a um objetivo comum. Portanto, o bom resultado da franquia, depende primordialmente da transparência dessa relação, que se inicia na clareza e efetividade das cláusulas pré-contratuais formalizada na Circular de Oferta de Franquia COF, e efetivadas no contrato.
A aderência ao negócio não oferece qualquer garantia de rentabilidade ao franqueado, cabendo a ele avaliar o risco do negócio através das informações contidas na Circular de Oferta de Franquia. No entanto, a omissão de informações importantes pode ocasionar um negócio malfeito que venha a se tornar insustentável no futuro, gerando inúmeros prejuízos. Razão pela qual a COF deve oferecer todas as informações inerentes ao negócio, nos termos do artigo 2º da Lei 13.966/19.
O franqueador, descumprindo com o seu dever de informar, poderá se beneficiar com o fechamento do contrato, que geralmente possui multas altas, e em vez de tornar-se uma franqueadora de produtos ou serviços, acaba se tornando uma comerciante de contratos de franquias. Pois, omitindo informações, poderá o pretendente fechar um negócio que, na verdade, não é sustentável e a ele continuar vinculado em decorrência da multa de rescisão contratual.
A omissão de informações ou a inserção de informações inverídicas ensejará no reconhecimento de descumprimento contratual, o Código Civil Brasileiro [5], nesses casos, permite a resolução do contrato, conforme previsto no artigo 475.
Entretanto, diversos tribunais vêm compreendendo que a simples omissão de informações não possui o condão de anular o contrato, sendo, portanto, imprescindível a demonstração do nexo de causalidade entre o insucesso do negócio e a omissão das informações.
Em outras palavras, deverá se demonstrar o prejuízo que a assimetria informacional causou ao franqueado. De um lado, demonstra-se equivocado esse entendimento, isso porque a tomada de decisão pela assinatura do contrato estará com deficiência informacional e na maioria das vezes a probabilidade de se realizar um péssimo negócio aumenta drasticamente. Esse fato, só por só, caracteriza o nexo de causalidade de forma implícita.
Aliás, foi a assimetria informacional juntamente com a interpretação de dados de maneira equivocada pelos engenheiros que ocasionou a tragédia do ônibus espacial Challenger, em 1987. Assim como na indústria espacial, tragédias também ocorrem diariamente no mundo empresarial em decorrência da assimetria informacional.
Por fim, a ideia do legislador, ao definir como obrigatória a apresentação de diversas informações, deverá ser aplicada de forma literal, nos moldes da Lei. Percebe-se que a aplicação da literalidade da lei, inclusive, diminuiria as ações judiciais que buscam a anulabilidade dos contratos.
[1] Artigo 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada;
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
[2] Cf. TJRJ — 0001162-49.2015.8.19.0212 — APELAÇÃO. Desembargador (a): André Emilio Ribeiro Von Melentovytch — Julgamento: 05/04/2023 — Vigésima Primeira Câmera Cível.
[3] §2º Na hipótese de não cumprimento do disposto no §1º, o franqueado poderá arguir anulabilidade ou nulidade, conforme o caso, e exigir a devolução de todas e quaisquer quantias já pagas ao franqueador, ou a terceiros por este indicados, a título de filiação ou de royalties, corrigidas monetariamente.
[4] Artigo 2º Para a implantação da franquia, o franqueador deverá fornecer ao interessado Circular de Oferta de Franquia, escrita em língua portuguesa, de forma objetiva e acessível, contendo obrigatoriamente:
(…)
III – balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora, relativos aos dois últimos exercícios;
IV – indicação das ações judiciais relativas à franquia que questionem o sistema ou que possam comprometer a operação da franquia no País, nas quais sejam parte o franqueador, as empresas controladoras, o subfranqueador e os titulares de marcas e demais direitos de propriedade intelectual;
(…)
X – relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones;
[5] Artigo 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.