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Dano ambiental e imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento: uma injustiça

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  • é sócio do escritório David & Athayde Advogados mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e consultor em Direito Administrativo Regulatório Integridade Corporativa Licitações Contratos Administrativos Ambiental Minerário e Urbanístico.

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  • é sócio do escritório David & Athayde Advogados pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix (ES) e consultor em Direito Administrativo Ambiental Minerário e Urbanístico.

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29 de novembro de 2023, 12h01

A mineração representa um verdadeiro pilar da economia do país, notadamente porque há uma expressiva gama de possibilidade de aproveitamento do bem mineral, com sua presença direta ou indireta em praticamente todos os setores produtivos e bens de consumo, características que a tornam uma atividade de utilidade pública e interesse nacional, conforme expresso no artigo 2°, I e II [1] do Regulamento ao Código de Mineração (Decreto n° 9.406/2018).

E não obstante os obstáculos regulatórios experimentados pelo setor (seja por ausência de marcos seguros, seja pela indevida uniformidade da norma, em não tratar desiguais de forma equitativa [grandes minerações x pequenas/médias]), recentes posicionamentos adotados pelos tribunais superiores, especialmente o STF (Supremo Tribunal Federal), criam um cenário de tormentosa insegurança jurídica para o minerador.

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Conforme já elucidado em outra oportunidade [2], havia um certo sopro de lucidez no ordenamento jurídico a partir de julgados do STJ (Superior Tribunal de Justiça) [3], em que o tribunal manifestava o entendimento de que a pretensão de ressarcimento ao erário por usurpação de bem mineral estaria sujeita a prescrição, porquanto não possuía qualquer intersecção com o Tema n° 999 do STF (cuja tese foi pela imprescritibilidade da pretensão de reparação civil por dano ambiental).

A posição se pautava no Tema n° 666 do STF, sustentando o STJ que a usurpação mineral caracterizaria ilícito civil, não se confundindo com o dano ambiental provocado pela extração irregular, conforme, por exemplo, exarado no REsp n° 1.821.321/SC (julgado em dezembro de 2022) e no AgInt no RCD no REsp n° 1537445/SC (julgado em maio de 2023).

Ocorre que o STF, por meio do RE n° 1.427.694/SC, julgado em 01/09/2023, fixou a seguinte tese:

É imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado.

Como se percebe, reconhecida a repercussão geral da matéria, o STF, na contramão da posição encampada pelo STJ, sedimenta o entendimento de que, se tratando de pretensão de ressarcimento ao erário por usurpação de bem mineral, não há se falar em prescrição.

O cenário de insegurança jurídica criado pela tese estabelecida pela Corte é inegável, notadamente em virtude dos fundamentos utilizados pelo STF em sua ratio decidendi.

Isto porque o acórdão se pauta estritamente na premissa de que a tutela ambiental e a exigência constitucional de proteção ampla e eficiente do meio ambiente, além da máxima efetividade deste preceito, atribui a usurpação mineral inegável dimensão ambiental.

Nessa perspectiva, a hermenêutica propugnada pela Corte é de que a usurpação mineral não poderia ser concebida como simples ilícito civil, por ser indissociável do dano ambiental provocado pela extração irregular.

Em que pese o ilícito de usurpação de bem mineral decorrer de um dano ambiental provocado, as repercussões jurídicas de uma mesma conduta alcançam espectros distintos do Direito.

Enquanto a reparação civil do dano ambiental busca reestabelecer o equilíbrio ecológico e a sustentabilidade do meio ambiente afligido por uma degradação, o ressarcimento ao erário tem por escopo exclusivamente devolver ao erário o equivalente estritamente patrimonial daquilo que foi extraído e comercializado sem a devida autorização.

Tratar como indissociáveis consequências jurídicas absolutamente distintas (usurpação mineral x dano ambiental), sob o prisma da proteção ecológica e tutela ao meio ambiente, gera inequívoca insegurança jurídica.

E esta é a posição que está sendo consolidada pelo STF, que, inclusive, foi reproduzida, mutatis mutandis, na ADI n° 4.031, julgada em 02/10/2023.

Naquela oportunidade, o STF, muito embora tenha declarada a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei estadual [4], chancelou a competência concorrente do estado do Pará para instituir indenização monetária devida pelo minerador para exercício da mineração, independentemente da obrigação de recuperação ambiental da área degrada.

O argumento utilizado é de que a Lei estadual almeja compatibilizar uma ampla tutela ambiental com o desenvolvimento da atividade de mineração. Isto é, busca promover, sem excluir a ulterior recuperação ambiental da área degrada, a tutela ecológica adequada na dimensão monetária, já que a recuperação ambiental da área se traduz em medida reparatória in natura.

Essa perspectiva decorrente do contato entre tutela ambiental e legislação minerária resultaria num direito ambiental minerário, onde, alicerçada na premissa de um federalismo cooperativo ecológico, concretizaria a competência concorrente dos entes federados (artigo 24, VI e VIII da CF/88) consubstanciada no dever maior de proteção ecológica (artigo 225 da CF/88), lhes autorizando a instituírem regras e normas tendentes a maximizar a proteção ambiental.

Nesse toar, não se pode coadunar com a posição adotada pelo STF em tratar como indissociável a usurpação mineral do dano ambiental, visto que, além de onerar sobremaneira o minerador sem qualquer argumento técnico plausível, cria um cenário onde se mistura bens jurídicos de natureza completamente distintas, como já pudemos sustentar [5].

Atribuir a pretensão de ressarcimento ao erário pela usurpação mineral o status de bem jurídico intocável (pois imprescritível) traduz, em verdade, muito mais um prestígio da Corte ao escopo arrecadatório da União do que sua preocupação com a tutela ampla e efetiva do meio ambiente.

A propósito, é preciso que se lembre que a distinção de recursos públicos e humanos para a gestão mineral chegou a um ponto insustentável, e isso é de conhecimento geral [6], sendo que essa precariedade é umas principais razões para a exploração mineral sem a observância da documentação necessária por parte da ANM. A imprescritibilidade, no caso, é um prêmio à ineficiência de gestão da União.

Afinal, a pretensão de ressarcimento ao erário se restringe à discussão pecuniária, ao mero reflexo patrimonial da extração irregular, sem qualquer repercussão prática-equivalente na recuperação ambiental ou restabelecimento da sustentabilidade ecológica do meio degradado.    

Além disso, a posição exarada pela Corte, ao consubstanciar a indissociabilidade do dano ambiental do ressarcimento ao erário em debate, sem nenhum tipo de modulação ou ressalva, demonstra um lamentável distanciamento do STF das peculiaridades fáticas que permeiam as Ações que discutem a usurpação mineral.

Isto porque a tese firmada pelo STF confere o mesmo tratamento ao minerador clandestino (que não possui titularidade do direito minerário explorado) e minerador irregular (aquele, titular do direito minerário, minerou eventualmente sem guia de utilização, título ou até mesmo extrapolou os limites do que lhe fora permitido explorar).

Ademais, considerando que Constituição reserva à União, unicamente a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), e lhe veda o exercício de atividades econômicas, qual seria o valor indenizatório? O valor comercial do bem mineral soa amplamente inconstitucional.

A ausência de equidade na posição consolidada pela Corte eleva sobremaneira a insegurança jurídica ao setor da mineração, tornando cogente à atuação da comunidade jurídica no necessário constrangimento epistemológico de decisões dessa natureza, até mesmo no sentido de elucidar ao STF sobre a necessidade de contingenciamento dos efeitos da tese estabelecida defronte as nuances imanentes às Ações que discutam a usurpação mineral.


[1] Artigo 2º São fundamentos para o desenvolvimento da mineração:

I – o interesse nacional; e

II – a utilidade pública.

[2] Silva e Oliveira: Ressarcimento pela usurpação de bem mineral – Consultor Jurídico (conjur.com.br)

[3] Requerimento de Distinção formulado no bojo do REsp n° 1.537.445/SC.

[4] A declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei n° 6.896/2007 do Estado do Pará deu-se pelo fato de que a indenização monetária prevista utilizava o mesmo fato gerador da compensação financeira e o das taxas relativas ao poder de polícia de que tratou as ADIs 4.785/Mg, 4.786/PA e 4.787/AP.

[5] Silva: Confusão entre gestão mineral e ambiental – Consultor Jurídico (conjur.com.br)

[6] Servidores da ANM fazem nova greve contra sucateamento e alertam para risco de desastres – Valor Econômico.

Autores

  • é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em gestão e regulação de recursos hídricos e realiza consultoria em Direito Administrativo, integridade corporativa, licitações, contratos administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

  • sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix, e realiza consultoria em Direito Administrativo, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

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