Opinião

Apuração de irregularidades em projetos do Banco Mundial: o processo sancionatório

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  • é advogado associado do escritório Maeda Ayres e Sarubbi Advogados e atua nas áreas de Compliance e Anticorrupção desde 2013 e pós-graduado em Compliance Corporativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).

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17 de novembro de 2023, 16h24

O Banco Mundial é uma organização internacional que conta com cerca de 200 países-membros [1]. Seu principal objetivo é a redução da pobreza por meio do financiamento de projetos de desenvolvimento em diferentes setores, como educação, saúde e infraestrutura. Há atualmente 37 projetos ativos no Brasil financiados pelo Banco Mundial, representando um total aproximado de US$ 4,2 bilhões em financiamentos (“projetos financiados”) [2].

Para a apuração de alegações de fraude, corrupção e outras práticas sancionáveis [3] em projetos financiados, um processo sancionatório específico foi criado pelo Banco Mundial (processo sancionatório), que possui duas instâncias e segue um rito próprio. Esse processo independe do arcabouço normativo do país em que o projeto financiado está sendo implementado. Portanto, conceitos jurídicos estabelecidos pela lei ou jurisprudência local não substituem ou tampouco prevalecem sobre os regulamentos do banco.

Divulgação

A abertura de um processo sancionatório do Banco Mundial
Alegações de irregularidades em projetos financiados são investigadas pela vice-presidência de Integridade (INT), que é uma unidade independente em relação a outras áreas do Banco Mundial. Nos casos em que evidências suficientes de irregularidades forem encontradas, a INT elabora um documento de acusação (Statement of Accusations and Evidence — SAE) em que detalha as práticas sancionáveis imputadas aos indivíduos e/ou empresas envolvidos. Esse documento é enviado para análise do Departamento de Suspensão e Exclusão (Office of Suspension and Debarment — “OSD”), que é a primeira instância do processo sancionatório.

1ª instância: análise do OSD e recomendação de uma sanção
Após o recebimento do SAE, o OSD é responsável por analisar as acusações trazidas pela INT e determinar se as evidências colhidas são suficientes para substanciá-las.

Caso determine que as acusações foram substanciadas e que, portanto, a empresa acusada deve ser sancionada, o OSD emite uma notificação de processo sancionatório (notice of sanctions proceedings) em que traz um breve resumo das alegações do caso e detalha a sanção que será recomendada. Em seguida, essa notificação é enviada aos acusados em conjunto com as alegações e evidências trazidas pela INT, inaugurando o processo sancionatório.

Há cinco tipos de sanções administrativas que podem ser aplicadas em processos sancionatórios: (1) proibição de participação em projetos financiados pelo Banco; (2) suspensão com possibilidade de reabilitação; (3) obrigação de cumprir com certas medidas sob pena de suspensão; (4) carta pública de reprimenda; (5) restituição de valores.

Manifestação da empresa acusada
Após o recebimento da notificação de processo sancionatório, os acusados têm 30 dias para apresentar ao OSD uma explicação por escrito (Written Explanation), detalhando os motivos pelos quais a sanção inicialmente recomendada deve ser revisada. Motivos de revisão incluem, por exemplo, a inexistência de irregularidades ou a existência de atenuantes.

Por sua vez, o OSD também tem 30 dias contados, a partir do recebimento da explicação, para encerrar o caso ou emitir sua recomendação final de sanção, mantendo ou alterando a sanção que havia sido anteriormente recomendada.

2ª Instância: revisão final pelo Conselho de Sanções
Os acusados têm o direito de contestar a recomendação final de sanção feita pelo OSD e solicitar que o caso como um todo seja reconsiderado pelo Conselho de Sanções (Sanctions Board) — que é a segunda e última instância do processo sancionatório. O prazo para tanto é de 90 dias a partir do recebimento da notificação de processo sancionatório — note que esse prazo corre em paralelo àquele da apresentação de uma explicação. Nos casos em que uma contestação é apresentada pelo acusado, uma segunda oportunidade de manifestação também é concedida à INT.

Nessa instância do processo sancionatório, a INT, os acusados e até o próprio Conselho de Sanções podem requerer que uma audiência administrativa seja realizada para que as partes oralmente apresentem seus argumentos aos membros do conselho.

Por fim, como última etapa do processo sancionatório, o Conselho de Sanções deve emitir sua decisão em que determina se é “mais provável do que não” [4] que o acusado tenha cometido alguma irregularidade e, quando cabível, qual sanção será aplicada. Essa decisão não é vinculada à recomendação do OSD e marca o fim do processo, não podendo ser objeto de apelação.


[1] https://www.worldbank.org/en/about/leadership/members#ibrd (acesso em 10 de novembro de 2023). 

[2] Conforme dados disponibilizados em https://maps.worldbank.org/projects/wb/region/Latin%20America%20And%20Caribbean?status=active. (acesso 10 de novembro de 2023). 

[3] O Banco Mundial, em conjunto com outros bancos de desenvolvimento, estabeleceu uma definição harmônica do conceito de “práticas sancionáveis”. Na prática, as seguintes irregularidades são caracterizadas como sancionáveis: corrupção, fraude, colusão, coerção e obstrução.

[4] Esse é o grau de standard probatório que deve ser observado em processos sancionatórios do Banco Mundial.

Autores

  • é advogado associado do escritório Maeda, Ayres & Sarubbi Advogados, licenciado no Brasil e em Nova York (atuando em temas relacionados a compliance e investigações desde 2013, com ênfase em América Latina), ex-membro da Vice-Presidência de Integridade do Banco Mundial, integrando o departamento responsável por conduzir investigações sobre irregularidades em projetos financiados pelo banco.

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