Os desafios da PNRS pelo bem da economia e do meio ambiente
9 de novembro de 2023, 7h00
A realidade brasileira reflete um desafio na questão do manejo dos resíduos sólidos. São várias as razões para isso ocorrer. Uma delas é a falta de conhecimento dos impactos negativos que poderá causar no meio ambiente e a falta de apoio de infraestrutura.
No Brasil, a Lei Federal nº 12.305/10 versa sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), e em seu artigo 3º, XV e XVI, define e diferencia o que é rejeitos e resíduos sólidos:

XV – Rejeitos: resíduos sólidos que, após esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada;
XVI – resíduos sólidos: material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível;
A PNRS é uma Lei que inovou o ordenamento jurídico, elevando o debate para as atribuições conferidas tanto no artigo 225 da Constituição de 1988, quanto no artigo 30 da PNRS, que trata sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a responsabilidade compartilhada entre todos os integrantes da sociedade na questão ambiental.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Art. 30. É instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, consoante as atribuições e procedimentos previstos nesta Seção.
Conforme a Lei Federal 12.305/10, todos os integrantes do processo de produção e consumo deverão dispor os resíduos sólidos produzidos em local tecnicamente adequado seguindo as resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e as leis ambientais vigentes. Essa adequação objetiva a manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem haver contaminação do solo, do ar e dos corpos hídricos.
O desafio social, ambiental e na saúde causados pela disposição inadequada dos resíduos sólidos são inúmeros e influenciam diretamente a economia brasileira. Uma vez que é necessário mais aporte financeiro para mitigá-los.
Doenças transmitidas pela água contaminada resultam em um complicador para a economia, pois as pessoas atingidas acabam interferindo nos fatores de mão-de-obra do setor produtivo. Além de o Estado precisar aportar mais valores no setor de saúde para restabelecer a salubridade dos afetados diretamente.
Os elementos da inadequação depositária residual se fazem presentes. Extinguir os depósitos irregulares, encontrados no território brasileiro, conhecidos como “lixões” é uma das diretrizes traçadas pela PNRS. Os lixões são territórios usados como depósito no qual não possui material impermeabilizante impeditivo de contaminação do solo e consequentemente do lençol freático.
Na seção II do artigo 15, III e V da Lei 12.305/10, trata sobre as metas da disposição adequada fazendo uso das soluções redutivas, reuso, reciclagem e outras na etapa do depósito com fins de eliminação dos lixões e inclusão dos catadores de materiais reutilizáveis e reciclagem no processo emancipatório econômico.
III – metas de redução, reutilização, reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada
V – Metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis;
Conforme números da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) de 2018, o Brasil ainda possuía cerca de 3.427 lixões. Apesar da proibição da destinação ou disposição in natura a céu aberto estipulada pelo artigo 47, II da PNRS.
Como forma de gerir a questão socioeconômica dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, foi estipulada no artigo 42, III da PNRS, a possibilidade de o poder público fazer uso do instrumento econômico de financiamento ou medidas indutoras para apoiar a implantação de infraestrutura e equipamentos para diminuir a disparidade econômica vivenciada por esses trabalhadores mais vulneráveis.
Ambientalmente, a disposição irregular dos resíduos sólidos traz consigo consequências que potencialmente desequilibram o ecossistema. Essa constatação advém da contaminação do solo em que a deposição é feita e que consequentemente contamina o lençol freático, elevando a capacidade poluidora dos corpos hídricos.
Segundo a Lei Federal 9.433/97 que trata da PNRS no artigo 1, VI, fundamenta-se na responsabilidade compartilhada e descentralizada da gestão dos recursos hídricos, inserindo todos os entes participativos e a comunidade. Pela abordagem da Lei Federal 9.605/98 que trata sobre crimes ambientais, em seu artigo 54 caput, encontra-se em estado criminoso aquele que causar poluição de qualquer natureza que resulte em desequilíbrio ambiental e sofrerá a pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
A incumbência do fornecimento de serviço de coleta de lixo e seu tratamento adequado é atribuído aos municípios, conforme o artigo 30, V da Constituição, podendo atuar discricionariamente prestando o serviço diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão.
Entretanto, apesar da discricionariedade, obstáculos são impostos nessa prestação de serviço. De acordo com dados do IBGE (2023), o Brasil possui 5.568 Munícipios em todo seu território. E em sua maioria os relatos dos problemas encontrados são financiamento incapaz de suprir o setor e incapacidade técnica dos munícipios de viabilizar os planos de gestão de resíduos sólidos.
Dados do Sinir (2019), apontam que somente 44,65% dos municípios possuem planos municipais de gestão de resíduos sólidos, ou seja, quase metade dos municípios brasileiros não cumprem a obrigação atribuída pelo artigo 18 da Lei 12.305/10.
Pelo artigo 15 da Lei 12.305/10, fica a União obrigada a elaborar e atualizar a cada 4 anos o Plano Nacional de Resíduos Sólidos com a finalidade de diagnosticar a realidade brasileira na questão de resíduos. Devendo observar as normas estipuladas no Decreto nº 10.936/22, Lei nº 11.445/07, Marco Legal do Saneamento Lei 14.026/20, Portaria interministerial nº 274/19 e o Decreto nº 6.170/07, além de outras normas que abordem licenciamento, financiamento e licitações.
As prefeituras alegam que responsabilidades são repassadas à administração municipal sem ter qualquer contrapartida financeira ou mesmo técnica. Fixa-se prazo em regulamentos, criando despesas sem indicar qual seria a fonte de custeio. Pela Lei 12.305/10, municípios que não cumprem com a obrigação de criação e implantação do Plano de gestão de Resíduos Sólidos acabam ficando sem convênio com a União, não conseguindo financiamento para projetar e implementar o plano de gestão.
Dados do IBGE (2022) apontam que temos 337 municípios de 50 mil até 100 mil e que mais de 69% possuem até 20 mil habitantes. Por lei, essas prefeituras deveriam apresentar seus planos de gestão de resíduos sólidos até 2 de agosto de 2023, no caso dos 50 até 100 mil habitantes e 2 de agosto de 2024 para aqueles com menos de 50 mil habitantes. Ocorre que até 2019, dados da Sinir, somente 2.487 Municípios e 19 Estados apresentaram seus planos de acordo com a PNRS. Um dia antes do vencimento do prazo estipulado em lei, foi apresentado o PL nº 3.653/23 pelo deputado Mário Heringer (PDT-MG) para alterar os incisos III e IV do artigo 54 da Lei nº 12.305/10, ampliando o prazo para regularização.
Outros entraves que assola o setor são a carga tributária e a indefinição de quais instrumentos econômicos poderão ser usados. Caso a reforma tributária que já está no Senado seja aprovada, as empresas que operam o tratamento dos resíduos serão sobrecarregadas com imposto correspondentes ao IVA (imposto sobre o valor arrecadado), que é cobrado a cada etapa do produto, com acréscimo final em torno de 25,4% a 27%.
Isso representa para as prefeituras mais custos que por sua vez precisarão ser repassados para a população. As prefeituras para cumprir os contratos com as empresas precisarão realocar recursos, o que significa retirar de outras áreas importantes para cobrir os gastos.
Caso essa reforma tributária seja aprovada, ficará cada vez mais distante a universalização do tratamento dos resíduos sólidos, que por sua vez integram o saneamento rural conforme a Lei Federal 14.026/20. É necessário reavaliar o acesso das prefeituras aos recursos financeiros para que elas possam retirar do campo teórico a obrigatoriedade do plano de gestão municipal. No tabuleiro das decisões de práticas sustentáveis, os municípios são as peças principais que poderão elevar a condição do Brasil para um país que respeita e cumpre os acordos ambientais.
O fluxo dos resíduos nos faz olhar da economia para o meio ambiente. As matérias-primas que foram retiradas da natureza são inseridas nos processos produtivos econômicos retornando para ela na forma de resíduos. Não podemos esquecer que todos esses resíduos são potencialmente poluidores, capazes de desequilibrar o meio ambiente. Portanto, o tratamento dos resíduos sólidos é uma maneira de atrasar ou diminuir esse retorno para a natureza. É necessário que a reforma tributária iguale o setor de resíduos sólidos às suas exceções, contemplando com alíquotas reduzidas como no setor de saúde e educação.
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