Opinião

Facultatividade da contratação do seguro prestamista e a venda casada

Autor

30 de março de 2023, 11h15

O regimento interno da Superintendência de Seguros Privados (Susep), aprovado pela Resolução CNSP nº 449/2022, prevê que constituem, dentre outras, finalidades da referida autarquia (1) promover o desenvolvimento dos mercados de seguro, resseguro, capitalização e previdência complementar aberta; (2) promover a concorrência nos mercados de seguro, resseguro, capitalização e previdência complementar aberta; e (3) zelar pela defesa dos direitos dos segurados, dos participantes de planos de previdência complementar aberta e dos detentores de títulos de capitalização [1].

No entanto, o que se tem observado da atuação regulatória da autarquia, ao menos em parte, parece ir em sentido contrário a essas finalidades, o que se mostra prejudicial, especialmente, ao segurado consumidor.

Uma dessas medidas consistiu na edição da Resolução CNSP nº 439/2022 que, sob o pretexto de unificar e simplificar as regras relativas aos seguros de pessoas, afastou importantes proteções aos segurados, as quais já eram garantidas por outras normas editadas pelo próprio CNSP.

Talvez o exemplo que chame mais a atenção seja o do seguro prestamista — também conhecido como seguro de proteção financeira — cuja novel regulamentação diminuiu sensivelmente as proteções conferidas aos segurados previstas anteriormente pela revogada Resolução CNSP nº. 365/2018.

Tal modalidade de seguro tem como objetivo "amortizar ou custear, total ou parcialmente, obrigação assumida pelo devedor, no caso de ocorrência de sinistro coberto, nos termos estabelecidos nas condições contratuais, até o limite do capital segurado contratado", sendo muito comum em contratos de concessão de crédito ou financiamento bancário.

Ocorre que, com exceção do financiamento de bens imóveis [2], a contratação do referido seguro deve ser considerada absolutamente facultativa, sob pena de configurar a famigerada "venda casada", prevista no artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Nesse sentido, os artigos 6º e 9º, I, da revogada Resolução CNSP nº 365/2018 evidenciavam a facultatividade da contratação do seguro, nos seguintes termos:

"Art. 6º A comercialização do seguro prestamista deve observar o disposto no inciso I do art. 39 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, sendo vedada a sua oferta como condicionante para fornecimento, por terceiro, de produto, crédito ou serviço.

[…]

Art. 9º É obrigatório constar, em destaque, da proposta de contratação, da proposta de adesão, do bilhete de seguro e das condições gerais do seguro as seguinte informações:
I – "A contratação do seguro é opcional, sendo facultado ao segurado o seu cancelamento a qualquer tempo, com devolução do prêmio pago referente ao período a decorrer, se houver."

Por sua vez, a Resolução CNSP nº 439/2022, além de revogar a supracitada norma, não trouxe qualquer disposição relativa à facultatividade da contratação do seguro prestamista, eliminando do seu escopo de regulamentação e fiscalização eventuais práticas abusivas promovidas pelas instituições financeiras e seguradoras, as quais, não raro, condicionam a concessão de crédito à contratação do seguro.

Como se não bastasse, a referida Resolução CNSP nº 439/2022 perdeu excelente oportunidade ao não normatizar o entendimento já pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por ocasião do julgamento do REsp 1.639.259/SP (Tema 972), fixou a tese segundo a qual o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada, promovendo, assim, a livre concorrência no mercado.

Por outro lado, vale dizer que, embora lamentável a revogação de importantes garantias aos consumidores já previstas em norma anterior, e que poderiam evitar novas demandas judiciais, é certo que os seus efeitos se restringem tão somente à esfera regulatória, não repercutindo na proteção conferida aos consumidores pelo artigo 39, I, do CDC, que veda "condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".

Além disso, o seguro prestamista deve ser compreendido de acordo com a sua essência, consistindo em uma proteção exclusiva ao patrimônio do mutuário em face de riscos futuros que impossibilitem o cumprimento do contrato. Não deve, por absoluta distinção entre as naturezas jurídicas, ser confundido com qualquer espécie de garantia ou proteção conferida ao credor para salvaguardar o cumprimento do contrato.

Sendo assim, aos consumidores que foram eventualmente lesados com a imposição da contratação do seguro prestamista como requisito para a contratação de operações de crédito ou que não puderam escolher livremente a seguradora, podem se valer do Poder Judiciário, a fim de terem seu direito assegurado.

 


[1] Art. 2º, II, III e IV da Resolução CNSP nº 449/2022

[2] Por força do art. 5º, IV, da Lei 9.514/97

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!