Prática Trabalhista

Novo passivo das empresas: entenda as atuais regras da Cipa

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

23 de março de 2023, 8h00

Esta semana iniciou a vigência da última parte da Lei 14.457, de 21 de setembro de 2022 [1], mais conhecida como Programa Emprega + Mulheres, e que trouxe novas regras trabalhistas para as empresas que tenham em seus quadros profissionais com filhos, enteados ou crianças sob guarda judicial, cuja legislação é ainda pouco comentada, não obstante esteja vigente há seis meses. Impende destacar que, embora a alcunha dessa lei faça referência às mulheres, ela também é aplicada aos empregados homens, conforme já foi abordado nesta coluna em outras oportunidades [2].

Dito isso, a Lei 14.457/2022 além de alterar a denominação da Cipa, contida no artigo 163 [3] da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [4], que agora passa a ser chamada de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio, ainda apresentou uma série de medidas preventivas e de combate ao assédio nas empresas que já se encontram vigentes.

Entrementes, a nova lei havia fixado o prazo de 180 dias para que as empresas pudessem se adequar e promover as mudanças necessárias na sua estrutura organizacional. Contudo, o prazo se expirou, e, justamente por isso, a temática foi indicada novamente por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, dentre as diversas alterações, o §2º do artigo 23 Lei 14.457/2022 estabelece que as empresas devem promover um meio ambiente laboral seguro e saudável, utilizando-se de medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e outras formas de violência no âmbito do trabalho por meio da Cipa.

Spacca
De igual modo, a Portaria MTP nº 4.219, de 20 de dezembro de 2022 [6], que alterou a nomenclatura da Cipa nas normas regulamentadoras, também trouxe diretrizes e obrigações a serem seguidas.

Neste cenário, verifica-se que a atual legislação impôs novas obrigações trabalhistas às empresas concernentes à prevenção e ao combate do assédio e de outras formas de opressão no ambiente laboral, mediante:

"I – inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e as empregadas;

II – fixação de procedimentos para o recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação e sanções administrativas aos responsáveis direitos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantindo o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízos do procedimentos jurídicos cabíveis;
III – inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e outras formas de violência nas atividades e nas práticas da CIPA; e
IV – realização, no mínimo a cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, a igualdade e a diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações" [7].

De mais a mais, os casos envolvendo assédio moral e sexual no ambiente de trabalho ainda apresentam números alarmantes [8], ao passo que, em sentido contrário e totalmente paradoxal, as empresas se mostram omissas na adequação frente às novas obrigações trabalhistas.

De acordo com um estudo conduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a violência e o assédio no trabalho afetam uma em cada cinco pessoas, entre homens e mulheres [9]. E, mais, a Convenção 190 [10] da OIT estabelece normas em nível global para a erradicação da violência e do assédio no mundo do trabalho, cuja ratificação pelo Brasil faz parte do pacote de ações do governo federal para assegurar maiores e melhores direitos às mulheres [11].

Indubitavelmente, tal temática, por certo, traz muitas dúvidas e questionamentos, a saber: quais são os impactos para as empresas trazidos pela nova legislação? Qual é o compromisso da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio? E quais são os efeitos práticos caso as companhias não se adequem aos termos das novas obrigações trabalhistas?

De início, pontua-se que ficará a cargo da Cipa o planejamento estratégico para combater e prevenir internamente o assédio sexual e a violência no ambiente de trabalho através de mecanismos efetivos.

Nesse desiderato, além da criação de meios eficazes para a identificação dos fatos e também para a aplicação de penalidades [12], a Cipa terá por atribuição incluir temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio e outras formas de violência no trabalho nas suas atividades práticas.

Portanto, se faz indispensável a realização de palestras, cursos e treinamentos para que seja possível a capacitação e enfrentamento do assédio moral e sexual, além da hostilidade no meio ambiente do trabalho. Além disso, as empresas poderão se valer das informações obtidas por meio de sua área de compliance trabalhista [13], para fins de gerenciamento das informações com sustentáculo em seu canal de denúncias.

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Fabrício Lima da Silva, Iuri Pinheiro e Vólia Bomfim [14]:

"O compliance pode ser definido como princípio de governa corporativa, que tem por objetivo promover a cultura organizacional de ética, transparência e eficiência de gestão, para que todas as ações dos integrantes da empresa estejam em conformidade com a legislação, controles internos e externos, valores e princípios, além das demais regulamentações do seu seguimento.

Caracteriza-se como um conjunto de procedimentos e boas práticas, realizados de forma independente, no âmbito das organizações, para identificar e classificar os riscos operacionais e legais, estabelecendo mecanismos internos de prevenção, gestão, controle e reação frente mesmos.

(…). A implantação de programas de compliance está diretamente relacionada à diminuição de riscos, sendo muito importantes as ações de planejamento, execução e monitoramento, como ferramentas de proteção contra desvios de conduta e de preservação/geração de valor econômico."

Destarte, impende destacar que não há que se confundir a área de compliance trabalhista da empresa com a Cipa, em que pese ambas devam trabalhar de forma concatenada para alcançar a solução do problema. Se é verdade que a elaboração de códigos de conduta, de políticas internas e canais de denúncias são partes integrantes de um sistema de compliance [15]; de igual forma as novas atribuições da Cipa integram parte desse sistema.

Aliás, é importante ressaltar que não caberá à Cipa, salvo disposição em contrário, participar do processo de investigação das denúncias, mas sim traçar as diretrizes e assistir as próprias denúncias, sendo controvertida o seu papel na apuração dos fatos e, sobretudo, a fixação das respectivas sanções [16].

Noutro giro, vale lembrar que a Cipa é regulamentada pela Norma Regulamentadora NR-5 [17], que sofreu alterações com a Lei 14.457/2022. Contudo, segundo a norma vigente, para as empresas que possuam 20 ou mais funcionários (Grau de Risco 3), ou com mais de 80 funcionários (com qualquer grau de risco), obrigatoriamente deverá ser constituída a Cipa [18].

Aliás, o grau de risco é estabelecido em conformidade ao contido no Quadro I da Norma Regulamentadora (NR) 4 [19], que trata da Relação de Classificação Nacional de Atividade Econômica (Cnae).

De um lado, para as empresas que descumprem a exigência e obrigatoriedade de constituição da Cipa, por certo serão impostas multas de acordo com as diretrizes da Norma Regulamentadora (NR) 28[20]; lado outro, e considerando que expirou o prazo de 180 dias para as empresas se adaptarem às novas e atuais regras determinadas pela Lei 14.457/2022, corolário lógico também serão elas penalizadas pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho, caso seja constatado o descumprimento da lei.

Ora, claro está que, doravante, as empresas estão aptas a sofrerem autos de infrações lavrados pelos auditores fiscais do trabalho, de responderem a procedimentos conduzidos do Ministério Público do Trabalho, além de serem denunciadas por seus próprios empregados e pelos sindicatos profissionais. Logo, o prazo é agora e as companhias precisam agir hoje.

Em arremate, cabe destacar que, além das mudanças ocorridas na Cipa, as empresas igualmente passaram a ser obrigadas ao pagamento do reembolso-creche, a respeitar as novas formas de flexibilização do regime de trabalho indicadas na Lei 14.457/2022 (teletrabalho; regime de tempo parcial; regime especial de compensação de jornada de trabalho por meio de banco de horas; escala 12×36; antecipação de férias individuais; horários de entrada e saída flexíveis; suspensão do contrato de trabalho e qualificação profissional), sendo certo que para empresas tidas como cidadãs as novas obrigações trabalhistas são ainda maiores e mais complexas.

 


[3] Art. 163. Será obrigatória a constituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa), em conformidade com instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, nos estabelecimentos ou nos locais de obra nelas especificadas.

[4] Será a Cipa composta de representantes da empresa e dos empregados. Os representantes do empregador, titulares e suplentes, serão por ele designados, anualmente, entre os quais o presidente da Cipa. Os representantes dos empregados, titulares e suplentes, serão eleitos em escrutínio secreto pelos interessados, independentemente de serem sindicalizados, entre os quais estará o vice-presidente da Cipa. O mandato dos membros eleitos da Cipa é de um ano, permitida uma reeleição. Os representantes titulares do empregador não poderão ser reconduzidos por mais de dois mandatos consecutivos. Deverá a Cipa ser registrada no órgão regional do Ministério do Trabalho até 10 dias depois da eleição, devendo suas atas ser registradas em livro próprio. A eleição para o novo mandato da Cipa deverá ser convocada pelo empregador, com prazo mínimo de 45 dias antes do término do mandato e realizada com antecedência mínima de 30 dias de seu término. O membro titular perderá o mandato e será substituído pelo suplente quando faltar a mais de quatro reuniões ordinárias sem justificativa.

[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[7] "Como se vê, elas são sensíveis e exigem esforço e comprometimento de um time multidisciplinar para sua implementação exitosa, como: recursos humanos, jurídico, compliance e saúde e segurança Ocupacional. O que também se nota é que cuidados e procedimentos antes adotados pelo empregador por liberalidade e em razão de sua legítima preocupação em manter o ambiente de trabalho inclusivo, saudável e seguro, agora são obrigações legais que, caso não cumpridas em seus estritos termos, materializarão riscos judiciais e administrativos certamente na esfera trabalhista e, até mesmo, na penal". Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-mar-13/fontenellee-costa-medidas-lei-n144572022. Acesso em 20.03.2023.

 

[12] Na legislação sobre o tema não se identifica nenhum dispositivo que confira à Cipa o poder de punir diretamente os empregados envolvidos em caso de assédio ou violência no ambiente de trabalho.

[13] Para melhor conhecimento e aprofundamento da temática, indicamos a leitura da obra "LGPD e Compliance Trabalhista (Editora Mizuno)", da qual o professor Ricardo Calcini é um dos organizadores. Disponível em https://www.editoramizuno.com.br/direito/trabalho-e-processo-do-trabalho.html. Acesso em 20.03.2023.

[14] Manual do compliance trabalhista: teoria e prática – 2ª ed., rev., atual e ampl – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página 50 e 51

[15] O tema está abarcado pelo pilar "S" (Social) da agenda ESG, na busca por agregar valores sustentáveis às empresas que proporcionam um ambiente de trabalho seguro, saudável, integrado e que conte com colaboradores e parceiros plurais e capacitados. Para melhor conhecimento e aprofundamento da temática, indicamos a leitura da obra ESG: A Referência da Responsabilidade Social Empresarial (Editora Mizuno), da qual o professor Ricardo Calcini é um dos organizadores. Disponível em: https://www.editoramizuno.com.br/livro-sobre-esg-e-responsabilidade-social-empresarial.html. Acesso em 20.03.2023.

[16] "Inexistia, até então, qualquer disposição na NR 05 atribuindo à comissão a aplicação de sanções ou penalidades, sobretudo porque isso é inerente ao poder disciplinar do empregador, não aos integrantes das Cipas. O empregador pode ser responsabilizado judicialmente caso a comissão venha a cometer arbitrariedades". Disponível em https://www.conjur.com.br/2023-fev-22/karoline-carvalho-novas-regras-cipaa. Acesso em 20.03.2023.

[18] Tratando-se de empreiteiras ou de empresas prestadoras de serviços, considera-se estabelecimento o local em que seus empregados estiverem exercendo suas atividades. A Cipa não poderá ter seu número de representantes reduzido, nem ser desativada antes do término do mandato de seus membros, ainda que haja redução do número de empregados da empresa ou reclassificação de risco, salvo em caso de encerramento da atividade do estabelecimento (art. 5º da Portaria nº SSST nº 9/96).

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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