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Com preços em alta, o bitcoin chegará a US$ 1 milhão até junho?

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  • Isac Costa

    é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

22 de março de 2023, 8h00

Em janeiro deste ano, o bitcoin teve uma valorização de 40% na sua cotação. Após uma consolidação, os preços voltaram a subir e a "bacia das almas" de US$ 17 mil parece ter ficado para trás, com todo o mercado esperando uma nova "viagem à lua" com o rompimento da barreira de US$ 30 mil.

Spacca
Nesse contexto, Balaji Srinivasan, empreendedor norte-americano que foi executivo da Coinbase e sócio do famoso fundo de venture capital a16z, profetizou uma hiperinflação nos Estados Unidos que fará com que a cotação do bitcoin aumente significativamente — Balaji chegou a apostar via Twitter que a cotação chegará a US$ 1 milhão até meados de junho deste ano.

Obviamente, uma manifestação tão exagerada foi destaque nas manchetes pela conotação especulativa em torno do bitcoin, realçando o aspecto de "aposta" e não de investimento em torno dessa categoria de ativos. Afinal, depois de um rigoroso "inverno cripto", não demorou muito para que as profecias de preços estratosféricos reaparecessem. Na mesma linha, a proeminente gestora Cathie Wood, queridinha de Wall Street, também apontou o patamar de US$ 1 milhão como alvo para o bitcoin, mas com prazo de "apenas" sete anos, até 2030. Em sua "arca" para salvar os sobreviventes de uma nova crise financeira, o bitcoin parece ser a solução (a Ark Invest, liderada por ela, tem esse nome como alusão à arca de Noé).

Quem é Balaji Srinivasan?
Srinivasan é um convidado recorrente do podcast The Tim Ferriss Show, com provocações muito inteligentes e cujos episódios tiveram a maior audiência em 2021 e 2022 naquele programa, que é considerado um dos mais populares podcasts da atualidade. Srinivasan também escreveu o livro The Network State, no qual desenvole a ideia de como a tecnologia pode nos ajudar a criar um novo tipo de Estado, nos aproximando por interesses comuns que não guardam relação com os laços tradicionais e os elementos que conhecemos da Teoria Geral do Estado.

As últimas mensagens da conta de Srinivasan no Twitter trazem críticas contundentes às fragilidades do sistema bancário, diante de episódios recentes como o do Sillicon Valley Bank e do Credit Suisse. Nesse contexto, ele deixa claro que bitcoin não é um instrumento para ganhar dinheiro, mas uma válvula de escape de um sistema supostamente falido. O aumento dos preços do bitcoin seria resultado de uma corrida para se proteger de uma hiperinflação iminente nos Estados Unidos. Em outro post, Srinivasan profetiza que outros bancos e moedas irão morrer e que os Estados Unidos são controlados por herdeiros que destruíram o legado que receberam e o Federal Reserve é um protagonista desse caos.

Ainda, Srinivasan embasa sua previsão em outras situações em que houve uma fuga para o ouro como reserva de valor (como em Weimar entre 1914 e 1923), sugerindo que, atualmente, o bitcoin seria um "ouro digital".

Profecia, aposta ou manipulação?
Economistas desprezam a hipótese de que a escassez digital do bitcoin pode fazer com que este seja uma reserva de valor, dada a volatilidade das cotações e o fato de que o consenso social em torno do ouro como reserva de valor foi estabelecido em uma escala de tempo de "apenas" alguns séculos.

Balaji Srinivasan não é um Nobel de Economia ou alguém que o mercado considere estar no mesmo patamar de Nassim Nicholas Taleb ou Nouriel Roubini, fortes opositores dos criptoativos. Além disso, seus investimentos em empresas da criptoeconomia sugerem que sua opinião não é totalmente desinteressada.

Sendo assim, poderíamos dar de ombros, deslizar a tela do celular para cima e partir para a próxima treta da internet, deixando o mercado cripto e suas idiossincrasias de lado. Ou, então, poderíamos seguir a sugestão do advogado e ex-presidente da CVM Marcelo Trindade, o Estado não deveria intervir no mercado de criptoativos, porque lhe daria uma legitimidade inconveniente — estaria tratando como mercado financeiro um setor que não passa de uma nova casa digital de apostas. Outros preferem, contudo, seguir acreditando que o futuro do mercado financeiro, sobretudo em matéria de eficiência operacional e modernização de sua infraestrutura, pode se beneficiar com as tecnologias de registro distribuído.

O que podemos aprender? O que o direito tem a ver com isso?
Toda crise financeira revela quão vulnerável é o mercado financeiro, bem como a facilidade com que são exploradas as lacunas regulatórias, algumas delas intencionalmente criadas pela captura das instituições. Bancos quebram e levam com eles muitos investidores e, não raro, o dinheiro de contribuintes, quando recebem socorro por serem "grandes demais para quebrar".

A assunção de riscos que extrapolam limites regulatórios (ou, pelo menos, éticos) por administradores é recompensada com bônus generosos e a responsabilidade é pulverizada ou diluída a ponto de qualquer sistema repressivo se revelar inadequado para calibrar incentivos dos agentes econômicos.

Enquanto isso, a regulação em todo o mundo insiste em um modelo de "comando e controle", apostando na punição (atrasada e desproporcional aos dados causados) como forma de prevenir fraudes e abusos. Ainda, insistimos na imposição de encargos regulatórios com custos impeditivos que consubstanciam barreiras de entrada à inovação — o oposto não significaria "abrir a porteira", uma falácia que costuma ser proferida por incumbentes.

Ademais, a exigência de transparência acaba por lançar luz em águas turvas, quando demonstrações financeiras escondem rombos bilionários, seções de fatores de risco em formulários de referência e outros informes trazem afirmações genéricas e inúteis e temas relevantes como governança corporativa e agenda ESG se desnaturam em uma teologia disfuncional e um farisaísmo irritante.

Há um ditado que inspira o título de um livro sobre bolhas financeiras — sempre os agentes eufóricos de mercado falam "dessa vez é diferente". Penso que a mesma fala pode ser aplicada aos reguladores após uma crise: "com essas novas normas, vamos evitar que isso se repita"… até que a próxima crise revele que o arcabouço normativo só aumentou e se tornou mais complexo, um aumento de entropia jurídica que dificulta a análise dos incentivos dos agentes econômicos, ocultos por uma série de conceitos jurídicos indeterminados e discussões bizantinas como "conflito formal versus conflito material", "obrigação de meio versus obrigação de resultado da atividade de auditoria independente" ou "utility versus security token".

A profecia-aposta de Balaji Srinivasan em bitcoins pode apenas ser uma prescrição inútil, mas há algum mérito em sua indignação com o sistema financeiro global. A inflação que estamos vivendo, a aceleração da desigualdade econômica e concentração de riqueza, a pandemia de insolvência, todos esses fenômenos são resultados indesejados da ação de mãos bastante visíveis que o direito não consegue controlar ou guiar.

Estamos diante de um novo rali de preços do bitcoin e outros criptoativos, talvez causado por uma forte onda especulativa, manipulação de preços ou de informação ou, para os menos céticos, pela efetiva busca por proteção diante da fragilidade do sistema financeiro e da inflação. Não é possível prever a racionalidade ou não do mercado, então não há como saber qual a direção e intensidade do movimento futuro dos preços.

Como de praxe, quem está de fora, tem medo de perder a festa. Por sua vez, quem está comprado, pode perder o controle da percepção de risco e deixar na mesa os ganhos se o mercado virar. Enquanto isso, vendedores de sonhos se alvoroçam, prontos para predar novas vítimas.

Quer chegue ou não a US$ 1 milhão o preço do bitcoin no futuro próximo, a pergunta que fica é: como esse e outros criptoativos podem ajudar a reduzir o custo de captação das empresas (se é que podem) e facilitar a circulação da riqueza sem potencializar o risco de estabilidade financeira e de fraudes e prática de atos ilícitos? E, ainda, o que o Direito pode fazer para ajudar nesse processo ou, pelo menos, não atrapalhar?

Adoraria ouvir suas respostas e construir esse diálogo. Fique à vontade para escrever nos comentários ou enviar inbox.

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    é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito, engenheiro de computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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