Opinião

O status normativo das convenções de combate à corrupção

Autores

  • Landolfo Andrade

    é mestre em Interesses Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Especialista em Direito Privado pela Escola Paulista da Magistratura. Professor de Interesses Difusos e Coletivos na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e na Escola de Direito Coletivo. Promotor de Justiça em São Paulo (também foi promotor de justiça em Minas Gerais).

  • Valerio de Oliveira Mazzuoli

    é professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) pós-doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa doutor summa cum laude em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e advogado em Mato Grosso São Paulo e Distrito Federal.

22 de março de 2023, 9h16

O Brasil é parte de três convenções internacionais de combate à corrupção: Convenção Interamericana Contra a Corrupção (OEA), Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE) e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Mérida).

Referidas convenções são peças importantes no chamado microssistema de defesa do patrimônio público, que reúne normas convencionais, constitucionais e infraconstitucionais.

Neste ensaio, a questão cinge-se em saber qual é o status normativo dessas convenções de combate à corrupção em nosso ordenamento jurídico.

A posição hierárquica dos tratados e convenções internacionais sempre foi objeto de grande controvérsia no Brasil, notadamente dadas as alterações de entendimento do STF ao longo dos anos.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, os tratados e convenções sobre direitos humanos, quando aprovados por três quintos dos membros da Câmara e do Senado, em dois turnos de votação, passam a ser considerados equivalentes às emendas constitucionais (CF, artigo 5º, §3º).

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343/SP o STF fixou a tese de que os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados por maioria simples, têm status supralegal, isto é, situam-se abaixo da Constituição, mas acima das leis, ao passo que os demais tratados (tratados comuns) ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária.

Independentemente de todas as críticas doutrinárias sobre esse escalonamento normativo incerto e nada convincente, certo é que, em termos jurisprudenciais, os tratados e convenções internacionais possuem três níveis hierárquicos distintos atualmente no Brasil:

1) os de direitos humanos, se aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, são equivalentes às emendas constitucionais (CF, artigo 5º, §3º);

2) os de direitos humanos aprovados pelo procedimento ordinário (CF, artigo 47) possuem status supralegal [1]; e

3) os demais ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária.

A identificação do nível hierárquico das convenções internacionais de combate à corrupção ratificadas pelo Brasil passa necessariamente pela análise de objeto e finalidade. Afinal, se considerarmos que referidos tratados versam sobre direitos humanos, terão status normativo, no mínimo, supralegal no Brasil (porque aprovados por maioria simples). Do contrário, terão status normativo de lei ordinária, "equiparando-se" às normas desse escalão para efeitos de especialidade e/ou cronologia.

Há, praticamente, um consenso no sentido de que a corrupção é a principal causa da baixa qualidade da governança e do fracasso econômico de um país, não um mero sintoma. Apesar de quase intuitiva, a conexão entre a corrupção e a violação de direitos humanos é pouco explorada pela doutrina especializada, e ainda se mostra incipiente nas principais Organizações Internacionais, apesar de relevante.

A rigor, o direito de viver em um ambiente livre de corrupção ainda não está consagrado como um direito humano [2]. De fato, não se encontra em quaisquer tratados de direitos humanos o pretenso direito à "liberdade da corrupção" entre as suas espécies.

Existe, inclusive, certa relutância quanto a esse reconhecimento por uma série de motivos. Para alguns, a corrupção seria inerente à natureza humana, razão pela qual nenhum direito universal poderia impedir a sua ocorrência [3]. Outros argumentam que a corrupção seria um mal necessário, importante para que os governos e as economias funcionem de modo mais eficiente [4]. Noutro prisma, há quem sustente que diferentes graus de corrupção podem ser tolerados como fenômenos transitórios ou culturais de diferentes regiões ou países [5].

Em sentido contrário, Mathhew Murray e Andrew Spalding [6] defendem a ideia de que o direito de viver em um ambiente livre de corrupção deveria figurar entre os direitos humanos. Em apertada síntese, apresentam os seguintes argumentos:

1) de acordo com a "lei da natureza", de John, Locke, sem a regulação de uma terceira parte neutra — ou do governo — as pessoas vão agir em seu próprio interesse e invadirão a liberdade dos que as rodeiam. Se os agentes públicos se corrompem, eles deixam de agir como intermediários neutros e, consequentemente, o Estado deixa de exercer a sua função original e precípua;

2) a elevação de status colocaria as leis de combate à corrupção à frente de outras leis. Muitos países ratificam convenções internacionais e adotam, no plano interno, leis de combate à corrupção. O grande problema está na baixa efetividade dessas leis e na impunidade dos corruptos e dos corruptores. Nesse cenário, considerar a prática de corrupção uma violação direta dos direitos humanos daria um peso muito maior a esse corpo normativo. As implicações práticas dessa categorização seriam imediatas na legislação de qualquer país, pois todo o arcabouço normativo de combate à corrupção passaria a ser interpretado e aplicado a partir de um novo contexto;

3) a elevação da liberdade de corrupção à condição de direito humano esvaziaria a frágil justificativa daqueles que descartam iniciativas anticorrupção sob o argumento de que a corrupção é um fenômeno cultural. Como os direitos humanos são universais, não seria mais válida a afirmação de que algumas culturas são mais corruptas do que outras;

4) é absolutamente impossível implementar outros direitos humanos fundamentais, incluindo os direitos à saúde e à educação, sem também tratar da corrupção.

Também pensamos assim. Embora os esforços anticorrupção estejam crescendo em todo o mundo, e iniciativas como a da Convenção de Mérida tenham procurado fomentar a implementação de leis anticorrupção, ainda falta vontade política em muitos países. E o reconhecimento da liberdade de corrupção como um direito humano certamente fará surgir o ímpeto necessário para muitos países reforçarem as iniciativas de combate à corrupção [7].

No plano regional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já vem reconhecendo a corrupção como um fenômeno que afeta os direitos humanos em sua integralidade, com consequências negativas para o Estado de Direito e as instituições democráticas.

No ano de 2017, a CIDH publicou a Resolução nº 01/17 sobre os "Direitos Humanos e a Luta Contra a Impunidade e a Corrupção", na qual afirmou que a luta contra a corrupção está indissociavelmente ligada ao exercício dos direitos humanos. No documento, a Comissão concluiu que o estabelecimento de mecanismos efetivos para erradicar a corrupção é uma obrigação urgente para lograr um acesso efetivo a uma justiça independente e imparcial e para garantir os direitos humanos.

Já no ano de 2018, a CIDH editou a Resolução nº 01/18, sobre "Corrupção e Direitos Humanos", na qual destacou que a corrupção tem um impacto grave e diferenciado no gozo e exercício de direitos humanos por parte de grupos historicamente discriminados, tais como as pessoas em situação de pobreza, as mulheres, os povos indígenas, os afrodescendentes, afetando de forma especialmente profunda os que são objeto de tráfico de pessoas, como os imigrantes, as crianças e as mulheres. Na mesma resolução, a CIDH recomenda aos Estados que promovam uma resposta efetiva regional à corrupção, a partir do enfoque da promoção e proteção dos direitos humanos.

A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a violação direta a direitos humanos a partir da prática de atos de corrupção no caso Ramírez Escobar e Outros vs. Guatemala, julgado em 9 de março de 2018. O caso envolveu o governo da Guatemala e o esquema de adoções irregulares. Constatou-se que a situação de extrema pobreza, a alta taxa de natalidade e a falta de controle e supervisão eficaz dos procedimentos de adoção favoreciam um cenário de comércio ilegal. Na decisão, a Corte lembrou os Estados que devem ser adotadas medidas para "prevenir, punir e erradicar, de forma eficaz e eficiente, a corrupção", ressaltando também as consequências negativas da corrupção para o gozo e fruição efetivos dos direitos humanos, asseverando: "Además, la corrupción no solo afecta los derechos de los particulares individualmente afectados, sino que repercute negativamente en toda la sociedade, en la medida en que ‘se resquebraja la confianza de la población en el gobierno y, con el tiempo, en el orden democrático y el estado de derecho". No julgamento, a Corte reconheceu que a corrupção tolheu o direito das crianças e dos pais biológicos de usufruírem da sua liberdade de uma vida familiar, violando os direitos dos menores e descumprindo a obrigação de Estado enquanto protetor e garantidor, desrespeitando os artigos 1º, 7º, 16 e 19 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Nessa mesma trilha, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou um informativo no ano de 2019, denominado "Corrupção e Direitos Humanos", no qual reforçou sua compreensão de que a corrupção afeta negativamente o gozo e o exercício dos direitos humanos, impactando de maneira agravada as pessoas e os grupos em situação de vulnerabilidade e discriminação histórica. O objetivo central do informativo foi demonstrar a indissociabilidade entre os direitos humanos e o fenômeno da corrupção. No documento, a CIDH afirma que empregará seus mecanismos de monitoramento, inclusive as petições individuais, para analisar, em caráter prioritário, os casos de graves violações a direitos humanos decorrentes de atos de corrupção. A partir dessa visão conjunta do fenômeno da corrução e das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos, a CIDH expediu algumas recomendações aos Estados, para que o fenômeno da corrupção seja abordado sob uma perspectiva de direitos humanos. 

A nosso sentir, as recomendações mais recentes da CIDH em matéria de corrupção e direitos humanos deixam clara a possibilidade de se reconhecer a violação direta aos direitos humanos a partir da prática de atos de corrupção. Fixada tal premissa, é inexorável concluirmos que as convenções internacionais de combate à corrupção também buscam proteger os direitos humanos, por meio da prevenção e combate aos atos de corrupção.  

Essa ideia encontra ressonância no preâmbulo da Convenção de Mérida, no qual o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirma que a corrupção é uma praga insidiosa que tem um amplo espectro de consequências corrosivas para a sociedade. Ela mina a democracia e o Estado de direito, dá origem a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, mina a qualidade de vida e permite que o crime organizado, o terrorismo e outras ameaças à segurança humana floresçam

Não se olvida que governos e organismos internacionais têm adotado princípios, leis e ferramentas para enfrentar a corrupção tanto no plano interno como no transnacional e, assim, melhorar a qualidade de vida de suas vítimas. A despeito disso, é forçoso reconhecer que a normatividade anticorrupção ainda não está produzindo os efeitos desejados.

Até que o direito de viver em um ambiente livre de corrupção seja considerado um direito humano autônomo, o estado de governança previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção de Mérida e em outras convenções de direitos humanos e anticorrupção será uma mera ilusão.

A magnitude do fenômeno da corrupção, especialmente nos países em desenvolvimento, desencadeia consequências negativas para o sistema democrático, o Estado de Direito e os direitos humanos. Esse estado de coisas exige esforços proporcionais à gravidade do problema. Para isso, é necessário que a sociedade civil, os movimentos sociais e toda a população demandem e exijam transformações para erradicar a corrupção. Também se exige uma liderança política que impulsione essas mudanças de forma efetiva.

Nessa ordem de ideias, torna-se imperativa a inserção das normas anticorrupção sobre uma base conceitual mais robusta, com o reconhecimento da liberdade de corrupção como um direito humano universal, fundamental e inalienável.

Um efeito imediato desse reconhecimento é a categorização das convenções internacionais de combate à corrupção ratificadas pelo Brasil como normas de status supralegal (não foram aprovadas com o quorum qualificado das emendas constitucionais — artigo 5º, §3º, da CF). Nessa condição, referidas convenções passariam a ser consideradas importantes standards de controle convencionalidade das normas infraconstitucionais de combate à corrupção, caso da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992).

Em sendo assim, toda lei que for contrária às convenções de combate à corrupção não possuirá validade. Serão vigentes, mas inválidas. Isso significa dizer que toda norma infraconstitucional de combate à corrução, para ter validade, deve con­tar com dupla compatibilidade vertical material, ou seja, deve ser compa­tível com a Constituição brasileira bem como com as convenções de combate à corrupção em vigor no Estado brasileiro.

Partindo-se da premissa de que as convenções de combate à corrupção ratificadas pelo Brasil não contam com valor constitucional, elas servem de paradigma (apenas) para o controle difuso de convencionalidade (ou de supralegalidade). Esse controle difuso de convencionalidade (ou o de supralegalidade) não se confunde com o controle de legalidade (entre um decreto e uma lei, v.g.) nem com o controle de constitucionalidade (que ocorre quando há anti­nomia entre uma lei e a Constituição), devendo ser levantado em linha de preliminar, em cada caso concreto, cabendo ao juiz ou tribunal respectivo a análise dessa matéria antes do exa­me do mérito do pedido principal. Em outras palavras: o controle difuso de convencionalidade pode ser invocado perante qualquer juízo e deve ser feito por qualquer juiz [8].

Note-se que algumas das normas inseridas na Lei 8.429/1992 pela Lei 14.231/2021 estão em descompasso com as obrigações assumidas pelo Brasil nas convenções internacionais de combate à corrupção por ele ratificadas. A título de exemplo, menciona-se a aparente exigência de um elemento subjetivo especial do tipo, qual seja, o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade, para as modalidades de improbidade administrativa previstas nos artigos 9º (enriquecimento ilícito), 10 (lesão ao erário) e 11 (ofensa aos princípios da administração pública) da LIA.

A partir da reforma promovida na LIA pela Lei 14.230/2021, a configuração do ato de improbidade administrativa ofensivo aos princípios da administração pública passa a exigir, por força da regra inserida no artigo 11, §1º [9], a comprovação tanto do elemento subjetivo geral do tipo, a saber, o dolo (vontade e consciência de realizar a conduta vedada pela lei), como do elemento subjetivo especial do tipo, qual seja, a intenção de obter uma vantagem indevida, para si ou para outrem.

A alteração legislativa não é singela. Doravante, a prática dolosa de uma das condutas tipificadas no rol do artigo 11, por si só, não é apta a atrair a incidência da LIA. Tal conduta só configurará ato de improbidade administrativa se restar demonstrado que o infrator agiu com a intenção de obter alguma vantagem indevida, para si ou para outrem. Exemplificativamente, se um agente público, agindo de forma consciente e voluntária, negar publicidade aos atos oficiais, sua conduta será claramente ofensiva aos princípios da administração pública, mas poderá ser considerada atípica para os fins da LIA, caso não reste demonstrada, em concreto, a finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outrem.

Ocorre que a reforma não parou por aí. Nos termos do artigo 11, §2º, da LIA, a exigência dessa finalidade especial alcança quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados na LIA e em leis especiais e quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. Numa interpretação literal de tal dispositivo, poder-se-ia concluir que a partir da reforma da LIA, todo e qualquer ato de improbidade administrativa, previsto na LIA (artigos 9º, 10 e 11) ou fora dela, passaria a exigir, para a sua configuração, a presença tanto do elemento subjetivo geral do tipo, a saber, o dolo, como do elemento subjetivo especial do tipo, qual seja, a intenção de obter uma vantagem indevida, para si ou para outrem.  Sabemos, contudo, que a interpretação literal não é a que melhor satisfaz ao intérprete.

No particular, obtempera-se que a norma de extensão do §2º do artigo 11 [10] não alcança as modalidades dos artigos 9º (enriquecimento ilícito) e 10 (lesão ao erário) da LIA. Vale dizer, a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos artigos 9º e 10 da LIA exige apenas a prova do dolo (elemento subjetivo geral do tipo). Isso porque, conforme previsto expressamente no §1º do artigo 11 da LIA, a inspiração para a previsão dessa finalidade especial no agir é a Convenção de Mérida. Nesta Convenção essa finalidade especial (intenção de obter um proveito indevido, para si ou para outrem) só é exigida para a configuração do abuso de funções, ato de corrupção tipificado em seu artigo 19 [11], que guarda semelhanças com o ato de improbidade administrativa ofensivo aos princípios da administração pública. Para os outros dez tipos de corrupção descritos na convenção, nestes incluídos os ilícitos de enriquecimento ilícito [12] e malversação ou peculato [13], análogos às modalidades de improbidade previstas nos artigos 9º  e 10 da LIA, não se exige nenhuma finalidade especial. Noutras palavras, dos onze tipos de corrupção descritos na convenção, apenas um (abuso de funções) exige, para além do dolo, o elemento subjetivo especial do tipo para a sua configuração.

Assim, numa interpretação lógico-sistemática da regra prevista no §2º do artigo 11 da LIA, em conformidade com a convenção de Mérida, é forçoso concluir que a ratio da norma é padronizar a tipificação subjetiva de todos os atos de improbidade administrativa ofensivos aos princípios da administração pública, previstos na LIA ou em leis especiais, sob o influxo da regra prevista no artigo 19 da Convenção.

Entendimento contrário, no sentido de que a LIA exige essa finalidade especial para a configuração de todos os atos de improbidade administrativa, inclusive daqueles em relação aos quais a convenção exige apenas o dolo para a sua caracterização (lesão ao erário e enriquecimento ilícito), levaria à conclusão inexorável de que a LIA está sendo menos restritiva do que a Convenção de Mérida, em clara afronta ao disposto em seu artigo 65, tópico nº 2, que assim dispõe: "Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou severas que as previstas na presente Convenção a fim de prevenir e combater a corrupção". Como resultado, a regra prevista no artigo 11, §2º, da LIA seria considerada inválida, por incompatibilidade material vertical com a Convenção.

Em conclusão, tem-se que as convenções internacionais de combate à corrupção ratificadas pelo Brasil possuem status normativo supralegal em nosso ordenamento jurídico e, nessa condição, são importantes standards de controle difuso de convencionalidade das normas infraconstitucionais de combate à corrupção, dentre as quais merece destaque a Lei 8.429/1992, especialmente após à reforma promovida pela Lei 14.230/2021.

 


[1] STF, RE 466.343/SP, rel. min. Cesar Peluso (03.12.2008).

[2] A doutrina faz uma separação entre direitos fundamentais, direitos do ser humano reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico, e direitos humanos, que seriam os estabelecidos em tratados internacionais sobre a matéria (SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 35). 

[3] Para Kant, por exemplo, os seres humanos possuem uma propensão natural para o mal (cf. Kant, I. Crítica da razão pura. Trad. Afonso Bertagnoli. São Paulo: Brasil Editora: 1959, p. 166-167).

[4] Conferir, nesse sentido, a doutrina da Teoria da Graxa nas Engrenagens: FURTADO, LR. As raízes da corrupção no Brasil: Estudo de caso e lições para o futuro. 1ª ed. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 45.

[5] ALMEIDA, A C. A cabeça do brasileiro. São Paulo: Record, 2007, p. 16.

[6] MURRAY/SPALDING, "Freedom from Official Corruption as a Human Right", Governance Studies, Brookings Institution, January 2015. Disponível em: [https://www.brookings.edu/~/media/research/files/papers/2015/01/27-freedom-corrution-human-right-murray-spalding/murray-and-spalding_v06.pdf]. Acesso em 06.03.2023.

[7] Nesse sentido, cf. ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal. 2ª reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 91.

[8] Para detalhes, cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

[11] Artigo 11 (…) §1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021).

[10] Artigo 11 (…) §2º Aplica-se o disposto no §1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei.

[11] Artigo 19. Abuso de funções. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o abuso de funções ou do cargo, ou seja, a realização ou omissão de um ato, em violação à lei, por parte de um funcionário público no exercício de suas funções, com o fim de obter um benefício indevido para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade.

[12] Artigo 20. Enriquecimento ilícito. Com sujeição a sua constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativos aos seus ingressos legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele.

[13] Artigo 17. Malversação ou peculato, apropriação indébita ou outras formas de desvio de bens por um funcionário público. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, a malversação ou o peculato, a apropriação indébita ou outras formas de desvio de bens, fundos ou títulos públicos ou privados ou qualquer outra coisa de valor que se tenham confiado ao funcionário em virtude de seu cargo.

Autores

  • Brave

    é mestre em Interesses Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Especialista em Direito Privado pela Escola Paulista da Magistratura. Professor de Interesses Difusos e Coletivos na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e na Escola de Direito Coletivo. Promotor de Justiça em São Paulo (também foi promotor de justiça em Minas Gerais).

  • Brave

    é professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), pós-doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Clássica de Lisboa, doutor summa cum laude em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e advogado em São Paulo, Mato Grosso e Distrito Federal.

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