Opinião

Necessária cautela na utilização dos background checks

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19 de março de 2023, 15h23

No atual cenário do Direito, muito se aborda a figura das due diligences. Traduzindo para o bom português, as diligências prévias consistem em uma série de análises e investigações de uma pessoa ou empresa antes da tomada de decisão acerca de um negócio importante. Dentro das diferentes modalidades, vem se popularizando os chamados background checks [1].

A prática consiste em uma triagem para verificar os antecedentes e a forma de trabalho do possível contratado ou contratante, visando evitar qualquer tipo de sanção ou outro passivo. Totalmente legal em outros países, é comumente conhecida como know your customer e know your employee [2]

Os dois processos visam resguardar a organização, tanto de eventuais riscos em eventual contratação com potenciais clientes, como em relação à contratação de candidatos em processo seletivo. Fatos como análise financeira e do perfil tanto do possível cliente quanto do possível empregado são alguns dos pontos avaliados [3].

O conceito de know your customer (KYC) — conheça seu cliente — é amplamente utilizado no setor financeiro para se referir aos processos e procedimentos utilizados pelas empresas para identificar e verificar a identidade de seus clientes. Assim, garantem que os seus negócios não sejam usados para atividades ilegais, como lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo [4].

No contexto do Direito do Trabalho, o KYC pode ser aplicado de maneira semelhante, mas com o objetivo de garantir a conformidade com as leis trabalhistas. No referido contexto, é notório que uma empresa prestadora de serviços deve realizar uma revisão sistemática das empresas para as quais irá prestar serviços. Contudo, no viés trabalhista empresarial, ressalta-se a necessidade das empresas tomadoras de serviço terem atitudes preventivas e fiscalizadoras em relação aquelas por ela contratadas.

Com a reforma trabalhista e as consequentes alterações na Lei 6.019/74, houve a positivação da terceirização tanto na atividade fim quanto na atividade meio da empresa. Tal inovação legal encontra-se disposta no artigo 4º-A da lei supracitada:

"Artigo 4o-A.  Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução." 

Assim, sabe-se que as empresas tomadoras de serviço devem adotar, como praxe, a realização de diligências acerca do histórico das empresas contratadas, tendo em vista que há uma margem muito grande para ocorrência de passivo trabalhista em razão de atos das empresas prestadoras de serviço. 

Não são raros os casos em que a empresa tomadora é responsabilizada pelo não recolhimento de verbas de natureza trabalhista por parte da empresa prestadora de serviços. A boa prática estipula que, além da realização de diligência prévia, é necessário que tais contratos contenham cláusulas de fiscalização das obrigações trabalhistas, bem como de retenção de valores em virtude da não observância destas, a fim de assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias por parte da prestadora de serviços [5].

As cláusulas anteriormente citadas são de supra importância, tendo em vista que a responsabilidade das empresas é por regra subsidiária, podendo ser considerada em caso de eventual nulidade contratual ou prática de ato ilícito. A jurisprudência é clara no referido sentido, não sendo raras as decisões que responsabilizam solidariamente as empresas tomadoras de serviços em razão da ocorrência de alguma ilicitude no momento da contratação.

É possível citar decisões em que o contrato de prestação de serviços é considerado nulo em razão da inobservância da necessidade de integração de uma capital social mínimo para as empresas prestadoras de serviços. Vejamos um exemplo:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ATO ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. Agravo de instrumento provido ante a constatação de divergência jurisprudencial.
RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ATO ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, o debate acerca do dano moral coletivo, sob a ótica do dever de indenização decorrente da prática de atos ilícitos, detém transcendência política, nos termos do artigo 896-A, §1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ATO ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. O reconhecimento do dano moral coletivo não se vincula ao sentimento de dor ou indignação no plano individual de cada pessoa a qual integra a coletividade, mas, ao contrário, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado em sofrimento e indignação da comunidade, grupo social, ou determinada coletividade, diante da lesão coletiva decorrente do descumprimento de preceitos legais e princípios constitucionais. Dessa forma, a lesão a direitos transindividuais, objetivamente, traduz-se em ofensa ao patrimônio jurídico da coletividade, que precisa ser recomposto. A caracterização do dano moral coletivo, pois, independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade, mas sim à repulsa social a que alude o artigo 6º do CDC. E mesmo em casos de ato tolerado socialmente
 por tradições culturais ou costumes regionais, por exemplo, é possível verificar a ocorrência do dano moral coletivo, decorrente de lesão intolerável à ordem jurídica. Assim, seja pela ótica da repulsa social, seja no âmbito da afronta à ordem jurídica, a caracterização do dano moral coletivo prescinde da análise de lesão a direitos individuais dos componentes da respectiva comunidade. No caso dos autos, o objeto da demanda diz respeito à contratação, por parte das rés, de empresas prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados, o que ensejou desrespeito não só à própria determinação legal em si, mas aos fundamentos constantes do ordenamento jurídico que subsidiam tal cautela legal, como a segurança dos trabalhadores e a boa-fé. Afinal, o objetivo da regra revolvida é não apenas de garantir a solvência das obrigações trabalhistas, mas, também, e principalmente, de garantir a segurança dos trabalhadores no ambiente laboral, de modo que todos tenham acesso efetivo às ações, instruções e equipamentos destinados à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.
Ademais, as empresas que perpetram violações à legislação trabalhista, ao não serem apenadas pelos respectivos atos, obtêm vantagem injusta sobre empresas concorrentes do mercado que cumpram as mesmas disposições legais. Trata-se do chamado dumping social, fenômeno responsável pela alavancagem de poderes econômicos em prejuízo do desenvolvimento social e da efetividade dos direitos fundamentais. Portanto, fica claro o dano moral coletivo, em face do descumprimento dos artigos 4°-A e 4°-B da Lei n° 6.019/1974, em flagrante fraude aos direitos trabalhistas. Precedentes. Fixada indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 200.000,00. Recurso de revista conhecido e provido. (PROCESSO Nº TST-RR-10709-83.2018.5.03.0025, relator, ministro AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO, Data: 27/04/2022)."

De outra parte, temos os conceito de know your employee, que possui estreita ligação com a necessidade de buscar informações sobre o histórico do futuro colaborador da empresa. 

Esse rastreio de informações deve observar os limites estabelecidos pela legislação. Isto é, a empresa, em sua busca por contratar um funcionário que seja íntegro e haja em conformidade com a lei, deve observar os limites constitucionais e legais que não podem ser ultrapassados, sob pena de dever de indenização.

Logo, embora a legislação trabalhista brasileira não faça referência explícita ao conceito de "know your employee", algumas disposições legais se relacionam com a prática de coleta de informações sobre os funcionários, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e o artigo 373-A da CLT, que proíbe a discriminação por motivo de sexo, idade, raça, cor, estado civil, orientação sexual, religião, deficiência, entre outros fatores. Isso significa que as informações coletadas sobre os funcionários não podem ser usadas para discriminação ou para tomar decisões ilegais.

A depender do negócio explorado pela empresa, será lícito — ou não — exigir a apresentação de certidão de certidão de antecedentes criminais [7]. Outra conduta que não é autorizada pelo ordenamento jurídico pátrio é a realização de ligação para o antigo empregador, pedindo referências, e este fornecer informações tais como a que o empregado foi demitido por justa causa.

Os exemplos de condenações por condutas similares a estas são inúmeros na jurisprudência pátria. No referido sentido:

"EMENTA RECURSO ORDINÁRIO DAS PARTES. EMPRESA DE GERENCIAMENTO DE RISCO. CADASTRO DE MOTORISTAS. DANO MORAL. Hipótese em que a questão trazida pelo Autor importa em utilização de cadastro incompleto ou desatualizado pela Reclamada, o que impediu a sua contratação, violando os princípios constitucionais da não discriminação, da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana. A exigência de apresentação de atestados de antecedentes criminais, causa constrangimento, humilhação e sofrimento psíquico. Indenização por dano moral e material devida". (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0020682-07.2019.5.04.0023 ROT, em 22/04/2022, desembargador Luiz Alberto de Vargas).
"EMENTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESAS GERENCIADORAS DE RISCO E EMPRESAS SEGURADORAS. BANCO DE DADOS. MOTORISTAS TRANSPORTE CARGA INTERNACIONAL. INFORMAÇÕES CADASTRAIS SOBRE RESTRIÇOES CREDITÍCIAS, INQUÉRITOS POLICIAIS E PROCESSOS COM DECISÕES NÃO TRANSITADAS EM JULGADOS. DISCRIMINAÇÃO. Prova indicativa de que a criação e manutenção do banco de dados pelas demandadas voltadas para a área de gerenciamento e avaliação de riscos com atuação no transporte rodoviário de cargas, em atenção às exigências das empresas seguradoras, considerada a sua amplitude, provocam atitude discriminatória na seleção e manutenção no trabalho de motoristas para atuar no transporte da carga, pela existência de resultados positivos quanto à restrição creditícia ou dívidas, antecedentes criminais e processos judiciais não transitados em julgado". (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0000241-06.2013.5.04.0802 ROT, em 23/09/2020, Juiz Convocado Carlos Henrique Selbach).

Assim, é certo que qualquer tipo de realização de background check deve ser realizada com cautela e por pessoas capacitadas para a tarefa, sob pena de tornar uma prática vantajosa para empresa em um possível passivo.

O profissional responsável pela tarefa deve ter capacidade de desenvolver políticas e procedimentos de KYC em conformidade com as regulamentações aplicáveis, de garantir que os procedimentos de background check sejam seguidos por todos os departamentos da instituição, de identificar e avaliar os riscos relacionados aos clientes, produtos e serviços oferecidos pela instituição, e de identificar e reportar atividades suspeitas aos órgãos regulatórios, quando necessário, entre outras atividades [8]

A aplicação de diligências prévias no direito do trabalho pode ajudar a proteger os direitos dos trabalhadores e garantir a conformidade das empresas com as leis trabalhistas. Contudo, é necessário avaliar cuidadosamente os riscos e benefícios do uso de tais ferramentas.

 

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[1] LAASCH, Oliver e CONAWAY, Roger N. Fundamentos da gestão responsável. p. 234

[2] CARLOTO, Selma. Compliance Trabalhista. p. 121

[3] CARLOTO, Selma. Compliance Trabalhista. p. 121

[4] LAASCH, Oliver e CONAWAY, Roger N. Fundamentos da gestão responsável. p. 245

[5] CARLOTO, Selma. Compliance Trabalhista. p. 123

[6] MIZIARA, RAPHAEL. Reflexos da LGPD no direito e no processo do trabalho. p. 251

[7] CARLOTO, Selma. Compliance Trabalhista. p. 125

[8] COLA, Cristiane Petrosemolo. Compliance para pequenas e médias empresas:aportes teóricos e práticos para gestores, docentes e discentes. p. 57

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