Direito do consumidor e os regimes de previdência privada
18 de março de 2023, 6h46
Segundo conceito do próprio governo federal, em seu site sobre o tema [1], "o Regime de Previdência Complementar (RPC) tem o objetivo de oferecer uma proteção a mais ao trabalhador durante a aposentadoria". "É, portanto, uma segurança previdenciária adicional àquela oferecida pela previdência pública, para os quais as contribuições dos trabalhadores são obrigatórias." Portanto, entende-se que a previdência complementar não é vinculada ao INSS, sendo sua adesão facultativa e desvinculada da previdência pública, possuindo regras específicas estabelecidas pelas Leis Complementares nºs 108 e 109, ambas de 29/05/2001, e por demais normativos.

Iniciando-se pelas Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC), deve-se esclarecer que elas são definidas pelo Ministério da Economia como sociedades anônimas com fins lucrativos e que administram previdências privadas, podendo comercializar seus produtos com qualquer pessoa física, ofertando planos individuais e coletivos. Essas entidades devem seguir orientações e diretrizes criadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), também atrelado ao Ministério da Economia e, claro, são regidas pela LC 109/01 e Decreto-Lei 73/96. O CDC aplica-se nas EAPC, visto que, como podem ofertar seus produtos a qualquer pessoa física, fica caracterizada a relação de consumo no caso.
Já as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), também conhecidas como fundo de pensão, não podem ter fins lucrativos, constituindo-se em forma de sociedade civil ou fundação. Podem comercializar seus produtos apenas com grupos específicos de pessoas físicas, oriundos das patrocinadoras as quais a entidade pactuou, para que haja paridade na contribuição do fundo que o beneficiário receberá na aposentadoria, conforme a LC 108/20013. As EFPC também devem seguir orientações e diretrizes criadas pelo CNSP, sendo regidas pelas leis LC 108/01 e LC 109/01.
No caso da EFPC, aplica-se o Código Civil/02, visto que este tipo de entidade só pode pactuar com pessoas oriundas das Patrocinadoras as quais a entidade tenha formado vínculo, tratando- se de relação civilista.
Ainda sobre as entidades de previdência complementar, deve-se ressaltar que as fechadas possibilitam a dedução de até 12% das contribuições da base de cálculo do Imposto de Renda, contudo, nas abertas só é possível esta dedução se a modalidade do plano for PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres).
As entidades abertas possibilitam o saque do valor contribuído antecipadamente, ao contrário das fechadas, que possibilitam o resgate apenas quando há a aposentadoria ou o desligamento da empresa-patrocinadora. Caso o colaborador saia da patrocinadora, ele poderá continuar a contribuir para o plano, só que em outra modalidade, definida pelo regulamento da entidade fechada.
Em ambos os casos das entidades, o custeio para formar a reserva matemática que originará os valores da aposentadoria futura se dará por meio de contribuições do participante e da patrocinadora (EFPC) ou do trabalhador (EAPC).
Um tema recorrente nas iniciais de advogados que não estão habituados ao tema é a tentativa da aplicação da Súmula 321 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que fora cancelada em 24/2/2016. Ela continua o seguinte texto: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes".
Na época de sua promulgação, entendia-se que o regulamento, quando se aderia em qualquer tipo de entidade, era um contrato de adesão e, portanto, aplicável o CDC, pois quando o participante aderia ao plano, este se caracterizava como destinatário final do benefício, se enquadrando como consumidor, segundo o artigo 2° do CDC. Havia o entendimento da existência da vulnerabilidade econômica do participante, visto que a posição economicamente mais fraca deste era latente, tendo em vista que a entidade possuía poderio econômico maior. Já a Entidade era enquadrada como fornecedor à luz do CDC, pois fornece seus serviços mediante cobrança de mensalidade ou contribuição e não era exclusivamente para gerir os recursos comuns.
Entretanto, o entendimento sobre a adesão ao regulamento das entidades mudou e assim foi criada a Súmula 563 do STJ, que está vigente e possui o seguinte teor: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas".
Tal entendimento surgiu a partir de 2016, quando a 2ª Seção do STJ mudou a interpretação das adesões aos regulamentos, aplicando o CDC apenas às entidades abertas.
A análise realizada foi no sentido de que apenas as entidades abertas operam em regime de mercado e podem auferir lucro das contribuições vertidas pelos participantes, pois podem ofertar seus produtos indiscriminadamente, não se aplicando o mesmo às entidades fechadas, que é regido pelo mutualismo.
Portanto, o posicionamento do STJ foi no sentido de que as entidades fechadas são regidas pelo Código Civil, eis que se originam de relação de Direito Civil e a adesão não é indiscriminada.
Por ser um tema muito específico, muitos advogados se esquecem desta pequena diferença e baseiam-se suas iniciais na súmula antiga, há muito superada.
Em um caso recente, originário de um Recurso Especial de Minas Gerais, sob o número REsp 1.966.034-MG, a decisão marcada foi a seguinte: "A promessa, reiterada periodicamente, acerca do valor da prestação previdenciária deve ser honrada perante o consumidor que não foi comprovada e oportunamente avisado do alegado erro de cálculo". Este entendimento é aplicado às entidades abertas, pois o caso trata-se de pecúlio recebido a menor do que o informado ao contratante ao longo de sua vida, ensejando o ajuizamento da ação dos herdeiros para obter a diferença. Nos boletos pagos mensalmente pelo participante, informava-se o valor do pecúlio de R$ 116 mil, contudo, foi pago R$ 20,6 mil aos herdeiros; a ação requereu a diferença de R$ 95,4 mil.
Entretanto, devemos nos atentar aos casos de cada processo, visto que as diferenças entre as entidades são delicadas e podem fazer toda a diferença na condução de uma ação judicial. Conhecendo-se a matéria da demanda, agiliza-se o tempo gasto em sua análise e consegue-se obter o tão almejado êxito. Uma matéria tão específica e relevante deve ser absorvida por cada advogado, a fim de que o conhecimento se afinque e as análises de casos se tornem mais robustas e assertivas.
[1] https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-complementar/mais-informacoes/o-que-previdncia-complementar
[2] Artigo 4° Lei Complementar 109/2001 – As entidades de previdência complementar são classificadas em fechadas e abertas, conforme definido nesta Lei Complementar.
[3] Artigo 6° O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos.
Referências
AGOSTINHO, Theodoro Vicente. Previdência Complementar Descomplicada. Ed. Lujur. 2020. BRASIL. Lei complementar 108/2001. < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp108.htm > BRASIL. Lei complementar 109/2001. < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp109.htm >
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. O que é Previdência Complementar. < https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-complementar/mais-informacoes/o-que-previdncia-complementar >
FERNANDES, Ana Carolina Ribeiro De Oliveira Mendes Adacir Reis, Lara Correia Sabino. Previdência Complementar. Ed. Revista dos Tribunais. 2019.
GIAMBIAGI, Arlete Nese e Fabio. Fundamentos da Previdência Complementar — Da Administração à Gestão de Investimentos. Ed. Atlas. 2019
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